🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Agosto de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Como a indústria da desinformação é nutrida pelo jornalismo televisivo

Por Tai Nalon

17 de agosto de 2020, 14h30

O jornalista Maurício Stycer publicou na Folha de S.Paulo nesta semana uma crítica à CNN Brasil por dar espaço em sua grade a retóricas negacionistas sobre a pandemia. Classificou o recurso empregado por comunicadores como Alexandre Garcia como "falácia argumentativa" e afirmou que o canal se escora nessa estratégia pois é "muito útil para o marketing".

No Twitter, houve quem casasse o comentário de Stycer a uma nota do site Na Telinha, hospedado no UOL, segundo o qual o programa de Garcia, criado para converter absurdismo em audiência, ia mal no Ibope em diferentes praças. Em nota, a CNN Brasil negou que se tratava de um mau desempenho e que tudo se resumia a uma questão matemática: um bom desempenho seria encontrado caso fossem somados os números de audiência entre várias praças.

Ao fim e ao cabo, prender-se a esses números é perder tempo com bobagens. O formato da CNN guarnece um exército de canais de baixa credibilidade no YouTube que, segundo o Radar Aos Fatos, podem atingir, em uma semana, mais de 1,9 milhão de visualizações. Com títulos como "Caio Coppolla TRUC!DA Dr q FAZ CHILIQUE, Ñ RESPONDE, faz CONFUSÃO CONSTRANGEDORA, GAGUEJA eÑ DESPEDE" e "ALEXANDRE GARCIA EXPÕE DENÚNCIA GRAVISSÍMA SOBRE A PANDEMIA O BRASIL FICA CHOCADO", esse canais colhem o conteúdo profissional da TV e das rádios para endossar suas narrativas.

Duas newsletters atrás, já havia alertado para a exploração do formato do jornalismo declaratório como instrumento para propagar versões duvidosas dos fatos em sites que emulam o formato jornalístico clássico. A veiculação de trechos de áudios e vídeos televisivos obedece ao mesmo expediente: usa da autoridade inerente ao profissionalismo do formato para degenerar sua capacidade informativa. Esse truque é muito mais perigoso do que uma mera corrente de WhatsApp.

Plataformas como Facebook e Twitter, além dos aplicativos de mensagem, são há anos criticados por tratarem de formas qualitativamente equivalentes conteúdos de alta e baixa credibilidade. A mediação automática, por meio de algoritmos, não é capaz de estabelecer com precisão a qualidade das fontes em cima das quais se baseiam informações que circulam em suas redes. Quando o vale-tudo migra de modo consciente para a TV e emula a lógica das redes, invade um espaço antes mediado com rigor subjetivo e instrumentaliza a autoridade jornalística. É como se, no meio da pandemia, o telejornalismo fosse um médico e os fatos fossem sua receita de cloroquina.

Enquanto se discutem meios de combater desinformação segundo a estratégia de rastreio do dinheiro para perpetrar fraude eleitoral, calúnia e difamação, canais como a CNN produzem gratuitamente material que alimenta canais de YouTube, páginas no Facebook e grupos de WhatsApp. Criam, assim, uma sensação de uniformidade narrativa que eclipsa a verdade factual menos interessante. Em função disso, as estratégias de combate à desinformação já nascem ultrapassadas: ao focar apenas nas redes sociais, esquecem que a "falácia argumentativa" industrial já alcançou outros meios.


Esta análise foi originalmente veiculada na newsletter AF+ #42 em 14 de agosto de 2020 somente para apoiadores do Aos Fatos Mais. Para juntar-se ao grupo, contribua e garanta benefícios.

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