Como impedir que o WhatsApp use seus dados para treinar modelos de IA

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Na semana passada, brasileiros foram surpreendidos no WhatsApp por uma mensagem que não vinha de amigos, familiares ou de golpistas que ofereciam bônus sites de apostas com reputação duvidosa. O comunicado anunciava a chegada da Meta IA, ferramenta de inteligência artificial da Meta.

A novidade — que já não é mais tão nova para usuários nos Estados Unidos — chegou ao Brasil um pouco atrasada, porque foi inicialmente barrada pela ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) por não cumprir requisitos básicos de tratamento de dados. A empresa não havia pedido autorização aos usuários brasileiros para utilizar informações pessoais a fim de desenvolver a ferramenta.

A Meta só foi autorizada a implementar o recurso no final de agosto, depois de se comprometer a agir de forma mais transparente. A empresa então enviou avisos a usuários de suas plataformas — Instagram, Facebook e WhatsApp — e ofereceu a oportunidade de se opor ao uso de seus dados para o treinamento do modelo de IA generativa.

Aqueles que aceitaram os termos da empresa agora podem interagir com a ferramenta no WhatsApp em chats ou na barra de busca, que passou a ser integrada à internet. É possível fazer perguntas, pedir dicas e até gerar imagens e figurinhas com o uso da IA.

Mas nem todos estão satisfeitos com essas novas funcionalidades — seja pelas informações imprecisas e até delirantes geradas pela ferramenta, seja por preocupações com a privacidade. O problema é que o caminho parece não ter volta, já que não há nas configurações do WhatsApp uma forma de desativar o recurso.

Nesse caso, a recomendação do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) é revogar a autorização de uso de dados. Para isso, é preciso preencher um formulário com informações sobre a sua conta no WhatsApp (email e telefone cadastrados). A plataforma então enviará um email confirmando a solicitação.

Print de página no Facebook com formulário para se opor ao uso de dados do WhatsApp para treinamento de IA.
Formulário para se opor ao uso de dados do WhatsApp para treinamento de IA fica dentro do Facebook (Reprodução/Facebook)

O link para o documento fica escondido na página Como a Meta usa informações para recursos e modelos de IA generativa, dentro do Facebook — e não do WhatsApp — e só é possível preenchê-lo se o usuário estiver logado na plataforma.

Segundo especialistas ouvidos pelo Aos Fatos, esses obstáculos podem ir contra o princípio de transparência de uso de dados exigido pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

“A ausência de mecanismos eficazes para que o usuário revogue o consentimento ou se oponha ao uso contínuo de seus dados compromete a autonomia e coloca a Meta em desacordo com a legislação brasileira”, avalia Luã Cruz, coordenador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores).

Mesmo essa estratégia não elimina por completo a presença da inteligência artificial no WhatsApp. Até os usuários que optaram por não compartilhar seus dados com a IA continuam tendo a busca do aplicativo integrada à ferramenta e à internet — outra potencial violação da LGPD e do Código de Defesa do Consumidor.

Barra de pesquisa do app feita em celular de repórter que fez solicitação para se opor ao uso de dados para treinamento de IA segue exibindo sugestões de busca
IA da Meta segue mostrando sugestões de busca para usuário que pediu para parar de compartilhar dados com a ferramenta (Reprodução/WhatsApp)

“A ausência de uma opção para desativar a ferramenta após o consentimento compromete o direito do usuário de gerenciar o uso de seus dados pessoais. A situação revela uma falta de transparência e controle, o que vai contra o princípio da autodeterminação informacional garantido pela legislação brasileira”, explica Cruz.

Por isso, usuários frustrados arrumaram maneiras extraoficiais de eliminar a IA da Meta de seus aplicativos. Alguns recomendam arquivar ou apagar a conversa com a ferramenta para que ela não fique visível na tela inicial do WhatsApp. Outros preferem baixar versões antigas do aplicativo, nas quais a IA não está disponível — o que pode gerar problemas de segurança, já que os softwares anteriores não possuem atualizações para bugs e falhas já detectadas por hackers.

A ausência de leis específicas para regular a inteligência artificial dificulta uma resposta a nível institucional sobre o caso — sem novidades há alguns meses, as discussões sobre o projeto que tramita no Congresso devem ser retomadas ainda neste mês.

Dentro das possibilidades previstas pela legislação em vigor, a ANPD — que cobrou transparência da Meta, mas deixou de tomar decisões similares em outros casos, como o do Linkedin e o do Google —, a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) também podem atuar pela proteção dos direitos dos usuários.

“É essencial que outras autoridades ampliem seus esforços no acompanhamento do caso, já que a postura da ANPD, até o momento, tem mostrado limitações significativas e não tem sido vantajosa para os consumidores brasileiros”, pontua Cruz.

Referências

  1. Aos Fatos (1, 2, 3 e 4)
  2. Folha de S.Paulo
  3. O Globo
  4. Meta (1 e 2)
  5. Planalto
  6. Fello AI
  7. Senado Federal

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