Alvo de desinformação há quase duas décadas, a Lei Rouanet voltou a ser atacada nas redes após o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) publicar um vídeo enganoso que sugeria que a ministra da Cultura, Margareth Menezes, teria celebrado um repasse bilionário ao programa federal de incentivo à cultura.
Na gravação, a ministra comemorava a execução de outra lei: a Lei Paulo Gustavo, sancionada, inclusive, por Bolsonaro. A publicação fez com que ressurgisse nas redes desinformações sobre a Lei Rouanet e questionamentos sobre seu funcionamento.

Aos Fatos explica, então, o que é a Lei Rouanet, como ela funciona e quais as principais diferenças em relação a outras leis de fomento à cultura:
- O que é a Lei Rouanet e como ela funciona?
- É a única lei federal de fomento à cultura?
- A Lei Rouanet usa dinheiro público?
1. O que é a Lei Rouanet e como ela funciona?
A Lei Rouanet é como ficou conhecida a legislação que instituiu o Pronac (Programa Nacional de Apoio à Cultura). Aprovada em 1991, no governo Fernando Collor, ela foi batizada com o nome do então secretário de Cultura, o acadêmico Sérgio Paulo Rouanet (1934–2022).
O objetivo do programa, em vigor até hoje, é ampliar o acesso à cultura e fortalecer a produção cultural do país em todas as suas formas.
Para isso, o Pronac estabeleceu três modalidades diferentes: o mecenato, o FNC (Fundo Nacional de Cultura) e os Ficarts (Fundos de Investimento Cultural e Artístico). Dos três, o mecanismo mais utilizado é o mecenato, através do qual empresas e pessoas físicas patrocinam projetos culturais em troca de benefícios fiscais.
Segundo uma pesquisa da FGV (Fundação Getulio Vargas), desde a sua criação até 2018, a lei federal injetou mais de R$ 49,8 bilhões no setor, tornando-se uma das principais formas de investimento cultural, junto com outras leis de incentivo semelhantes, nas esferas federal, estadual e municipal.
Como funciona. O programa tem o intuito de ajudar produtores, artistas e instituições a encontrarem patrocinadores para sua ação cultural. Podem participar pessoas físicas ou jurídicas com ou sem experiência prévia em produção cultural — nesse último caso, no entanto, há um limite de captação de R$ 200 mil.
Qualquer pessoa física ou jurídica pode ser patrocinadora de projetos aprovados. A lei impede, no entanto, que sejam feitas doações ou patrocínios a projetos vinculados ao apoiador.
Da apresentação do projeto à realização do espetáculo com recursos da Lei Rouanet, há um longo caminho:
- Primeiro, a proposta é inscrita pelos produtores responsáveis no Salic (Sistema de apoio às leis de incentivo);
- Técnicos do Ministério da Cultura analisam se a iniciativa apresenta os requisitos exigidos em lei e, em seguida, um parecerista da área cultural do projeto faz sua análise e encaminha o seu relatório para apreciação da CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura), órgão consultivo do Ministério da Cultura. A partir desse parecer, a comissão decide por homologar ou não a proposta;
- A decisão final cabe ao ministro da Cultura, que, de praxe, acompanha o que foi definido pela comissão. No governo do presidente Jair Bolsonaro, entretanto, esta etapa foi utilizada pelo secretário nacional de Cultura, Mario Frias, e o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciúncula, para travar o enquadramento de novos projetos na Lei Rouanet;
- Só após a assinatura do ministro — ou de um subordinado indicado por ele — e a publicação no Diário Oficial da União é que um projeto cultural está autorizado a captar recursos junto aos patrocinadores;
- Com 20% do valor total captado, já é permitido o início da execução. Isso inclui o contato com fornecedores e artistas até a realização propriamente dita do espetáculo. Ao final, os produtores responsáveis são obrigados a apresentar uma prestação de contas de tudo que foi feito.
2. É a única lei federal de apoio à cultura?
Não. Além da Lei Rouanet, existem, há anos, a Lei do Audiovisual (lei nº 8.685/1993), que cria mecanismos de fomento à atividade audiovisual brasileira, e a Lei Cultura Viva (lei nº 13.018/2014), que prevê o apoio a entidades ou coletivos culturais certificados pelo governo federal, além de outras leis mais recentes e específicas.
Outras duas leis federais, mais recentes, injetaram bilhões de reais no setor: a Lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc. A Lei Paulo Gustavo (lei complementar nº 195/2022), aprovada no último ano do governo Jair Bolsonaro, prevê o investimento de R$ 3,86 bilhões em ações e projetos culturais em todo o Brasil.
Contudo, a verba, oriunda do superávit do FNC (Fundo Nacional de Cultura), ficou travada por causa de um veto do então presidente Bolsonaro e só passou a ser executada em 2023. Os recursos da Lei Paulo Gustavo foram transferidos para estados e municípios, que ficaram responsáveis pelos editais de apoio a projetos culturais.
Já a Lei Aldir Blanc (lei nº 14.017/2020) separou R$ 3 bilhões para estados e municípios promoverem ações emergenciais de apoio ao setor cultural — como renda emergencial, subsídio para manutenção de espaços e publicação de editais — durante a pandemia da Covid-19.
Em 2022, foi sancionada a lei nº 14.399/2022, conhecida como Lei Aldir Blanc II. Essa segunda lei criou a PNAB (Política Nacional Aldir Blanc), que estendeu por cinco anos a política de fomento à cultura da primeira lei e abriu crédito especial para novas ações.
Enquanto a Lei Rouanet incentiva o patrocínio privado de ações culturais através da renúncia fiscal dos apoiadores, as outras duas leis repassam verbas do orçamento federal para estados e municípios. Publicações nas redes sociais confundem os mecanismos para desinformar e atacar o governo federal.
Vale ressaltar que vários estados e municípios possuem leis próprias de fomento direto e incentivo à cultura, como o ProAC, de São Paulo, e a Lei de Incentivo à Cultura, do Rio de Janeiro.
3. A Lei Rouanet usa dinheiro público?
O dinheiro que é entregue aos artistas e produtores culturais não sai diretamente dos cofres públicos, mas é fruto de renúncia fiscal. Contribuintes que querem doar dinheiro a algum projeto podem destinar parte do valor total do seu imposto de renda — 4% para pessoas jurídicas e 6% para pessoas físicas — para um projeto de sua escolha.
Desde 1992, segundo dados do Ministério da Cultura, a Lei Rouanet captou R$ 31 bilhões. O maior valor arrecadado com a legislação de incentivo foi em 2024, quando foram captados R$ 2,92 bilhões dos R$ 16,9 bilhões autorizados. No ano passado, 14.217 projetos foram autorizados a captar recursos.
De acordo com um estudo publicado pela FGV em 2018, a Lei Rouanet tinha, desde sua criação até aquele ano, gerado um retorno 59% maior do que o valor captado. Isso significa que cada R$ 1 captado e executado devolveu, em média, R$ 1,59 na economia local.