Como a foto de uma brasileira virou pivô de acusação de fraude eleitoral na Índia

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Na madrugada desta quarta-feira (5), a foto de uma brasileira foi estampada nos principais jornais indianos. Segundo um membro do partido Congresso Nacional Indiano, sigla de oposição ao atual primeiro-ministro, Narendra Modi, a imagem da modelo teria sido usada para fraudar as eleições do estado de Haryana, realizadas em outubro do ano passado.

De acordo com a acusação, veiculada em uma transmissão ao vivo no YouTube, o rosto da brasileira teria aparecido no registro eleitoral de 22 pessoas diferentes naquele pleito.

A imagem mostra um homem em pé sobre um palco de madeira, segurando um microfone com a mão direita, enquanto olha na direção do público; ele tem pele clara, cabelo curto escuro com áreas grisalhas e veste camiseta branca, calça bege e tênis escuros. Ao fundo, há uma tela grande com um slide projetado que exibe o texto em destaque no topo e vários quadros com fotos pequenas e nomes, organizados em linhas, além de números na lateral direita; o ambiente parece ser um auditório com cortinas escuras ao fundo.
Líder da oposição indiana mostra 22 eleitoras registradas com foto de brasileira e acusa partido governista de fraude nas urnas (Reprodução/YouTube)

A denúncia fez com que a imprensa indiana partisse em busca da identidade da modelo. A foto usada na Índia foi publicada originalmente por Matheus Ferrero, fotógrafo que mora em Belo Horizonte, em 2017.

A imagem estava disponível em sites como Unsplash e Pexels, que permitem o uso dos conteúdos desde que o autor seja creditado. Por isso, inclusive, a mesma foto já apareceu em diversos artigos e propagandas em diferentes países — não só na Índia. Após a denúncia, no entanto, a imagem foi deletada dessas plataformas.

Aos Fatos identificou que a foto já foi usada até para a criação de perfis falsos nas redes.

As imagens não traziam nenhum tipo de identificação da modelo, mas Aos Fatos conseguiu confirmar, por busca reversa e a partir da análises das redes sociais de Ferrero, que a mulher que aparece na foto é uma cabeleireira chamada Larissa Nery que também mora na capital mineira e que participou de um ensaio com o fotógrafo em março de 2017.

A imagem mostra um post em rede social com uma fotografia de uma mulher em primeiro plano; ela tem pele clara, cabelos escuros presos em um penteado volumoso com algumas mechas soltas ao redor do rosto, sobrancelhas escuras e maquiagem leve. Está vestindo uma jaqueta jeans sobre uma camiseta clara, posando diante de uma parede rosa. Ao lado da foto, há um texto de agradecimento escrito pelo autor da publicação, acompanhado de emojis, e vários comentários de usuários elogiando o trabalho e a imagem, junto a reações e botões de interação da plataforma.
Foto que teria sido usada na fraude eleitoral foi publicada originalmente em março de 2017 por fotógrafo brasileiro (Reprodução/Facebook)

Em contato com Aos Fatos, Nery negou qualquer relação com as eleições indianas. Ela explicou que não é modelo e só posou para a foto para ajudar um amigo na época. O fotógrafo pediu autorização para postar o registro em sites, ela permitiu e desde então sua imagem vem sendo usada em milhares de publicações.

Em busca nas suas redes, de fato, não foi identificado nenhum indício de que a brasileira tenha viajado para a Índia. Em outubro do ano passado, próximo à data das eleições, ela publicou um vídeo de seu trabalho em Belo Horizonte.

Aos Fatos também conversou com Matheus Ferrero, que apagou seu Instagram após a denúncia indiana viralizar. "Invadiram literalmente todas as minhas contas. Era muita gente estranha falando um monte de coisa", disse por mensagem. Segundo Ferrero, as pessoas não devem ter entendido que se tratava de uma foto de plataforma gratuita.

‘Carnaval de votos’

A acusação de fraude eleitoral foi feita nesta quarta-feira (5) por Rahul Gandhi, membro do partido Congresso Nacional Indiano. Em entrevista coletiva transmitida ao vivo, o líder da oposição acusou o Partido do Povo Indiano, do primeiro-ministro Narendra Modi, e a Comissão Eleitoral de fraude para alterar o resultado das eleições no estado de Haryana, realizadas em outubro do ano passado.

Segundo a acusação, o rosto da brasileira foi registrado como eleitora 22 vezes, com diferentes nomes, o que seria um indício de manipulação de votos.

“Isso acontece em 10 seções eleitorais, o que significa que é uma operação centralizada. Alguém inseriu essa mulher na lista eleitoral em um nível central, não no nível local da seção”, acusou Ghandi, diante de um telão em que apareciam imagens repetidas da brasileira.

Segundo o líder oposicionista, seu partido teria identificado 2,5 milhões de votos com indícios de fraudes, incluindo casos de eleitores duplicados.

Na apresentação, o político indiano informou que a foto usada para o cadastro eleitoral teria vindo de um banco de imagens, fazendo a imprensa indiana iniciar uma corrida para identificar o fotógrafo e a mulher — chamada pelos jornais locais de “modelo misteriosa”.

Essa é a terceira eleição estadual em que Gandhi acusa o partido governista de manipular os resultados. A nova denúncia surge às vésperas de a população do estado de Bihar comparecer às urnas, em um pleito considerado decisivo para o futuro de Narendra Modi, líder populista conservador que governa a Índia desde 2014.

Após as declarações de Gandhi, o chefe da unidade de tecnologia da informação e redes sociais do partido de Modi, Amit Malviya, buscou minimizar as acusações de fraude, alegando que a oposição teria dito que a brasileira esteve presencialmente em Haryana para fazer um “carnaval de votos”.

“A imaginação de Rahul Gandhi realmente ganhou o mundo! Depois de sua recente viagem pela América do Sul — Colômbia, Peru, Brasil e Chile — parece que a jornada ainda não saiu do seu sistema. Agora ele afirma que uma modelo brasileira votou 22 vezes nas eleições indianas! Do ‘roubo de votos’ ao ‘carnaval de votos’, Rahul Gandhi transformou a matemática eleitoral em comédia stand-up”, postou Amit Malviya em sua conta no X.

Aos Fatos enviou um pedido de posicionamento à Embaixada da Índia em Brasília, e este texto será atualizado em caso de resposta.

O caminho da apuração

Jornalistas indianos entraram em contato com o Aos Fatos na manhã desta quarta-feira (5) para pedir ajuda para descobrir a identidade da modelo que foi usada na denúncia de fraude eleitoral divulgada pelo partido de oposição.

A reportagem, então, fez uma busca reversa e analisou as publicações do fotógrafo para identificar a modelo. Entramos em contato com ela pelo Instagram e por telefone. Também procuramos indícios de que ela tenha viajado para a Índia em 2024, época em que teria ocorrido a fraude, mas não encontramos nenhum registro.

Por fim, entramos em contato com a embaixada da Índia, que não respondeu até a publicação desta reportagem.


Este texto foi atualizado às 15h50 do dia 5.nov.2025 para acrescentar o posicionamento de Ferrero.

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