Fábio Motta/ Estadão Conteúdo

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Maio de 2022. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Como o dólar impacta o custo do combustível no Brasil, do poço ao posto

Por Marco Faustino

9 de maio de 2022, 16h21

Com a inflação em disparada, muito em função das altas dos combustíveis, a crítica à política de preços da Petrobras tornou-se um ponto de convergência entre pré-candidatos à Presidência neste ano. Entre os temas contestados, está a política de paridade internacional adotada pela petroleira em 2016, que atrelou à flutuação da moeda americana os preços de gasolina, diesel, gás de cozinha e outros derivados.

Ao atacarem o modelo, tanto Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto Ciro Gomes (PDT) afirmam que a produção do petróleo seria custeada “em real”, enquanto a cobrança do combustível ao consumidor final seria feita “em dólar”. Este raciocínio, entretanto, é controverso, porque o câmbio afeta em diferentes níveis os preços praticados na cadeia produtiva dos combustíveis — principalmente nas etapas iniciais, de exploração e produção de petróleo.

Aos Fatos ouviu especialistas para detalhar esses processos e os impactos da moeda americana na formação de preços.

  1. Exploração e produção
  2. Refinarias
  3. Distribuição e revenda

1. Exploração e Produção


Para obter o petróleo, é preciso perfurar os poços produtores, instalar plataformas marítimas, construir gasodutos e oleodutos que escoarão o óleo cru. O custo dessa exploração e da produção é medido em dólar, segundo especialistas ouvidos por Aos Fatos. O valor da moeda americana afeta desde empréstimos bancários até o aluguel de equipamentos usados pelas petrolíferas.

“As sondas de perfuração são pagas em dólar. Os navios-sondas são construídos em sua maioria na Ásia, com contratos em dólar, e utilizam matérias-primas, como o aço, também cotadas em dólar”, explica Marcelo de Assis, chefe de pesquisa da área de exploração e produção de petróleo da empresa de consultoria Wood Mackenzie na América Latina.

O químico industrial e especialista em petróleo e gás Marcelo Gauto afirma que os contratos de afretamento (uma espécie de aluguel de navios) das plataformas que operam no pré-sal são dolarizados — cerca de US$ 500 mil por dia. Não é, porém, a única interferência da moeda americana no custo. “Os produtos químicos para injetar no poço e fazer a elevação do petróleo são cotados em dólar. A contratação de robôs que verificam as estruturas também”, disse Gauto, que ressalta ainda que 80% da dívida da Petrobras é dolarizada.

Apenas uma pequena parcela dessas etapas é custeada em reais, como é o caso da mão de obra — os salários são pagos na moeda brasileira. Entretanto, o fechamento de estaleiros nos últimos dez anos também contribuiu para a dolarização do setor, segundo Pedro Pinho, presidente da Associação de Engenheiros da Petrobras (Aepet), Pedro Pinho. “Os estaleiros faziam plataformas. Estamos contratando em dólar o que era para ser brasileiro”, diz Pinho.

O petróleo brasileiro, portanto, já nasce em dólar. Por ser uma commodity, ou seja, uma matéria-prima cuja precificação é feita em razão da oferta e procura internacional, os contratos são baseados na moeda americana.

Há vários tipos de óleos crus, e valores diferentes são cobrados de acordo com a qualidade. Óleos com densidade maior (mais pesados), como o extraído no Brasil, são "penalizados" e têm desconto em relação ao Brent, que é um óleo mais leve, negociado na Bolsa de Londres e usado como preço de referência do insumo no mundo.

O petróleo extraído no Brasil, seja em plataformas marítimas ou terrestres, pode ser vendido para refinarias nacionais ou exportado. Os preços de venda são livres e negociados entre as partes, mas cotados pelo diferencial de qualidade em relação ao Brent e pareados ao câmbio.

Confira abaixo algumas informações sobre a produção, refino e distribuição de petróleo e derivados no Brasil em fevereiro (dados da ANP, em barris):

81 milhões: produção de petróleo
54 milhões: refino de derivados em geral (83% de óleo de origem nacional)
14 milhões: produção de gasolina A (sem mistura)
20,8 milhões: venda de gasolina C (com adição de etanol) pelas distribuidoras


2. Refinarias


A transformação do óleo cru em derivados mais leves, como combustíveis e gás de cozinha, é menos impactada pelo dólar. O parque de refino brasileiro é responsável por grande parte do que é consumido internamente. Segundo Marcelo Gauto, 90% da gasolina distribuída no país é nacional.

Das 18 refinarias brasileiras em funcionamento, 12 são da Petrobras — responsável por 85% do refino no país até março deste ano, e 95% do que elas processam é óleo nacional. Gauto explica que o custo dessa etapa é praticamente todo em reais, uma vez que as despesas de instalação já foram amortizadas e a mão de obra é nacional. Isso só muda, segundo ele, se forem embutidos os custos de novas refinarias, cuja instalação depende de insumos e crédito lastreados em dólar.

Embora seja menor do que na etapa produtiva anterior, há influência da moeda americana no refino em razão dos reajustes aplicados pelas empresas petrolíferas, que são influenciados pela cotação do insumo e do dólar. As refinarias acompanham ainda a tendência do mercado internacional ao revisar os preços a serem cobrados das distribuidoras.

Outro fator que incide na formação do preço do combustível que sai das refinarias são os impostos. No caso da gasolina, os tributos cobrados pela União são a Cide, PIS/PASEP e Cofins, que totalizam R$ 0,69 por litro. O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), cujo valor cobrado varia de acordo com o estado, custa em média R$ 1,75 por litro. Os impostos federais do Diesel A e do gás de cozinha estão zerados — nos postos, é vendido o Diesel B, que tem 13% de biodiesel, tributado em R$ 0,01924 por litro.

3. Distribuição e Revenda


Após o refino, os combustíveis derivados de petróleo são comprados pelas empresas distribuidoras. Desde 2002, elas são livres para definir os preços de seus produtos, assim como ocorre nos demais segmentos. Essa precificação ocorre em reais, e as distribuidoras podem comercializar para revendedores varejistas e grandes consumidores autorizados pela ANP.

As distribuidoras são responsáveis por misturar o etanol anidro (27%), oriundo de usinas, com a gasolina A (73%), proveniente das refinarias, para formar a gasolina C. No caso do diesel, a mistura é feita entre o diesel A (90%) e o biodiesel (10%) para formar o diesel B.

Praticamente não há custos em dólar nesta etapa, exceto possíveis gastos com maquinário e reposição de peças compradas no exterior. Há ainda um efeito residual da dolarização oriundo das etapas de exploração e produção, uma vez que os caminhões-tanque que transportam os insumos para os postos de gasolina também utilizam derivados do petróleo.

A composição de preços dos combustíveis é variável. Com base no preço médio por litro de gasolina vendida ao consumidor final de R$ 7,27, apontado pela Petrobras para o período entre 17 e 23 de abril, R$ 2,81 ficam com a petrolífera brasileira, R$ 1,75 corresponde ao imposto estadual, R$ 1,14 representa o custo do etanol anidro, R$ 0,88 é o valor estimado do lucro de distribuidoras e revendedores e R$ 0,69 corresponde aos impostos federais.

No caso do diesel, a composição é dividida entre Petrobras (R$ 4,07 por litro, segundo coleta feita entre 17 e 23 de abril), custo do biodiesel (R$ 0,69), distribuição e revenda (R$ 1,18) e ICMS (R$ 0,79). Já o gás de cozinha é dividido em três partes: a que vai para a Petrobras (R$ 54,94 de um botijão de 13 kg, segundo medição feita entre 17 e 23 de abril), distribuição e revenda (R$ 43,57) e ICMS (R$ 14,73).

Referências:

1. G1 (Fontes 1 e 2)
2. Petrobras (Fontes 1, 2 e 3)
3. Twitter
4. YouTube

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