Como a devastação da Amazônia piora o clima no resto do Brasil

Compartilhe

O Brasil registrou entre outubro de 2020 e maio de 2021 o menor volume de chuvas em 91 anos, o que provocou uma crise hídrica que desafia hoje o abastecimento de energia. Além do fenômeno climático La Niña, que provoca estiagens no país, o desmatamento e as queimadas na Amazônia também são responsáveis pela forte seca. Isso porque o bioma tem papel decisivo na regulação do clima e na distribuição de chuvas de toda a América do Sul. Além disso, a redução da área de floresta faz com que mais carbono seja emitido para a atmosfera, contribuindo para o aquecimento global.

A seguir, Aos Fatos responde a cinco perguntas sobre como a Amazônia influencia no clima do país e porque a devastação do bioma representa riscos para o Brasil e o mundo.

  1. Como a floresta amazônica influencia no clima do território brasileiro?
  2. Como a devastação da Amazônia causa prejuízos ao clima do resto do país?
  3. As estiagens recentes têm relação com a devastação da Amazônia?
  4. Se a devastação da Amazônia provoca seca, por que há estados no Norte afetados por enchentes?
  5. É possível reverter o impacto climático causado pela devastação?

1. Como a floresta amazônica influencia no clima do território brasileiro?

A Amazônia tem papel fundamental na regulação do clima não apenas do Brasil, mas do mundo. O ecossistema equilibra o ciclo de chuvas, estabiliza temperaturas e absorve grande quantidade de carbono - um dos gases que contribui para o aquecimento global.

Isso se dá por meio de um mecanismo em que a floresta atrai a umidade evaporada do oceano Atlântico e a transforma em chuva no continente. Por meio da transpiração das árvores e plantas, a água precipitada retorna para ar de novo como vapor.

Essa massa de ar úmido, então, é empurrada pelo vento primeiro para a direção oeste e depois, ao atingir a Cordilheira dos Andes, para o sul. O fenômeno, denominado por cientistas como rios voadores, contribui para as chuvas nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil, além de outros países como a Bolívia, a Argentina e o Paraguai.

Já o consumo de gás carbônico (CO2) ocorre por meio da fotossíntese, processo em que a vegetação retira o carbono do ar, o transforma em energia e alimento para a planta por meio de uma reação química com água e libera oxigênio de volta para a atmosfera. Sem desmatamento e queimadas, a Amazônia brasileira seria capaz de absorver 0,19 bilhões de toneladas de gás carbônico por ano.

2. Como a devastação da Amazônia causa prejuízos ao clima do resto do país?

O desmatamento e as queimadas na Amazônia reduzem a área da floresta e, consequentemente, diminuem a capacidade que o bioma possui de espalhar umidade para outras regiões e de reter gases do aquecimento global. Assim, além de desregular as temporadas chuvosas e provocar secas, o Brasil também fica mais suscetível a eventos extremos, como tempestades e estiagens, em razão das mudanças climáticas no planeta.

Um estudo liderado por Luciana Gatti, pesquisadora do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), publicado na revista Nature neste mês, apontou que partes degradadas da Amazônia estão liberando mais carbono na atmosfera do que absorvendo. A emissão é maior em áreas mais desmatadas, como o sul do Pará e o norte do Mato Grosso. Nessas duas regiões, o volume de carbono liberado foi dez vezes superior ao de locais com menor desmatamento.

As queimadas são responsáveis diretas pelo aumento dessas emissões. O fogo é geralmente empregado após o desmatamento da floresta, como forma de abrir pastagens e terras para a atividade agrícola. Sem a cobertura vegetal, incêndios em períodos secos podem se alastrar de uma área desmatada para outras, preservadas. Nesse processo, a queima libera o carbono estocado na vegetação.

De forma indireta, a liberação de carbono também acontece em áreas não degradadas onde o processo de fotossíntese foi desequilibrado pelo aumento da temperatura e menor volume de chuva. Portanto, a floresta tende a emitir mais gás.

A devastação também está relacionada com a mudança no volume de chuvas e na temperatura da América do Sul. No sudeste amazônico, por exemplo, o estudo de Gatti aponta que a remoção de 26% da vegetação reduziu em 24% o volume de chuvas durante a estação seca (agosto a outubro) e acrescentou 2,5ºC na temperatura média da região.

Segundo o relatório O Futuro Climático da Amazônia, do pesquisador aposentado do Inpe Antônio Nobre, a retirada de vegetação interfere no fluxo dos rios voadores. Se há menos árvores, a capacidade de importar umidade fica reduzida. O cientista lembra que, em 60% das áreas tropicais, o ar que passa sobre florestas densas produz pelo menos duas vezes mais chuva que o ar que atravessa áreas desmatadas.

3. As estiagens recentes têm relação com a devastação da Amazônia?

A devastação da Amazônia influencia, mas não é o único fator para as estiagens recentes. O fenômeno atmosférico-oceânico La Niña neste ano e, de maneira mais ampla, as mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global também contribuem para o tempo seco, segundo Argemiro Teixeira Filho, pesquisador do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Em períodos de La Niña, a superfície do oceano Pacífico fica mais fria, o que afeta o fluxo de chuvas e as temperaturas pelo mundo. No Brasil, o fenômeno deixa o clima mais seco e quente nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Por outro lado, aumentam a frequência e a quantidade de chuvas no Norte e no Nordeste. Combinado com a queda na umidade da Amazônia provocada pela devastação, o fenômeno La Niña intensifica as estiagens.

Como explicamos na resposta anterior, queimadas e desmatamento levam a Amazônia a emitir mais do que reter o gás carbônico, o que contribui para consequências do aquecimento global, como eventos extremos de chuva ou seca. Além disso, ao reduzir a área florestal, o bioma passa a espalhar menos umidade para outras regiões.

De acordo com o governo federal, o volume de chuva no Brasil entre outubro de 2020 e maio de 2021 foi o menor em 91 anos.

4. Se a devastação da Amazônia provoca seca, por que há estados no Norte afetados por enchentes?

Apesar da redução na área de floresta, a Amazônia não deixa de atrair umidade evaporada do oceano Atlântico para o continente. Além disso, o fenômeno La Niña, em atividade neste ano, provoca a intensificação de chuvas nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Isso leva às inundações vistas neste ano em Amazonas, Roraima, Amapá e Acre.

Em algumas regiões, como nas proximidades do rio Acre, a falta de vegetação para reter a água da chuva também faz com que rios transbordem. A erosão das margens provocada pelo desmatamento também favorece as cheias.

A estiagem da região Norte do Brasil costuma ocorrer durante o El Niño, de acordo com o pesquisador Argemiro Teixeira Filho. O fenômeno atmosférico-oceânico é caracterizado pelo aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico tropical, reduzindo a incidência de chuvas na região amazônica, como ocorreu em 2010 e 2015. A devastação da floresta por ação humana agrava os danos da seca.

"São em anos de El Niño que a floresta faz mais diferença ainda. O El Niño vai deixar as condições mais secas. Deixando as condições mais secas, a floresta tem um papel fundamental de bombear vapor d’água. Se já não tem vapor d’água chegando do oceano, é importante [ter] floresta para manter a umidade", explica Teixeira Filho.

5. É possível reverter o impacto climático causado pela devastação?

Reverter completamente, não. Mas é possível minimizar os danos ao clima em maior ou menor escala de acordo com a rigidez do combate ao desmatamento e com estímulos ao reflorestamento e à conservação do bioma, de acordo com especialistas consultados.

Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Ipam Amazônia (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), lembra que o desmatamento do bioma combinado ao aquecimento global já causou um dano permanente ao clima. “O que podemos fazer é amenizar os problemas que nós já criamos desmatando a floresta e agravando a mudança climática global que envolve a queima de combustíveis fósseis, não só o desmatamento”, afirmou.

Porém, mesmo para amenizar, são necessárias medidas consideradas mais rígidas, como zerar o desmatamento legal e ilegal imediatamente, o que não está no horizonte do governo brasileiro. Para Moutinho, o país seria capaz de fazer essa redução porque, entre 2004 e 2012, conseguiu reduzir em 83,5% o tamanho de novas áreas desmatadas anualmente na Amazônia, de 27.772 km² para 4.571 km² por ano.

A preservação e recuperação da floresta também são necessárias para não agravar os impactos negativos ao clima. Entre as medidas para acabar com o desmatamento, estão a destinação de florestas públicas para conservação ou uso sustentável, compensar agricultores com incentivos fiscais e financeiros para que desistam do direito legal de desmatar, ampliar a fiscalização para o combate de atividades ilegais como garimpo e grilagem e garantir o direito à terra aos povos indígenas, pois eles conservam as áreas.

Atualmente, cientistas também já concordam que o país pode manter o crescimento da produção agrícola sem destruir mais vegetação.

Em paralelo à interrupção do desmatamento e de queimadas, é necessário iniciar uma recuperação florestal e agrícola nos lugares já devastados. Uma das ações sugeridas por pesquisadores é a proteção de áreas para a regeneração natural da flora.

Um estudo publicado pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) em abril mostrou que a Amazônia brasileira possuía 7,2 milhões de hectares com vegetação secundária com mais de seis anos de idade em 2019. Ou seja, plantas que se regeneraram naturalmente em áreas desmatadas. Segundo a instituição, a regeneração natural é uma medida econômica para a restauração florestal.

O plantio de sementes e mudas e a prática de SAFs (Sistemas Agroflorestais), um método normalmente utilizado por sistemas de agricultura familiar desenvolvidos junto à floresta, também ajudam a recuperar o bioma amazônico. Em 2020, a Aliança pela Restauração na Amazônia identificou 2.773 projetos de restauração florestal realizados por ONGs (87,5%), empresas (5,6%), agricultores (3,8%), instituições de pesquisa (2,4%) e governos (0,7%).

Infográfico: Luiz Fernando Menezes

Compartilhe

Leia também

falsoMusk não comentou sobre desbloqueio do X no Brasil nem denunciou ‘jogo sujo’ da Justiça em discurso

Musk não comentou sobre desbloqueio do X no Brasil nem denunciou ‘jogo sujo’ da Justiça em discurso

falsoÉ mentira que avião de Lula demorou para pousar após pane porque presidente estava bêbado

É mentira que avião de Lula demorou para pousar após pane porque presidente estava bêbado

falsoPosts compartilham vídeo gravado na China como se fosse registro da passagem do furacão Milton pelos EUA

Posts compartilham vídeo gravado na China como se fosse registro da passagem do furacão Milton pelos EUA