Como a confusão nos anúncios da CoronaVac impulsionou a desconfiança sobre a vacina no Twitter

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A divulgação pelo governo paulista de diferentes números de eficácia da CoronaVac, vacina contra a Covid-19 desenvolvida pelo Instituto Butantan e pelo laboratório chinês Sinovac, deu força à desconfiança sobre o imunizante no Twitter, mostra levantamento do Radar Aos Fatos com publicações coletadas entre dezembro e janeiro.

Depois de um adiamento e de uma entrevista coletiva sem a divulgação dos dados, no dia 7 de janeiro o governo paulista divulgou que a CoronaVac tinha eficácia de 78% para casos leves de Covid-19. No entanto, a ausência de informações sobre a eficácia geral da vacina foi criticada por cientistas. Cinco dias depois, enfim veio o anúncio da eficácia global de 50,38%, acima do mínimo exigido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

O Radar vem acompanhando a discussão sobre vacinação no Twitter desde 30 de novembro, e uma análise dos posts mostra que o grupo de perfis que desconfiam da vacinação ganhou relevância logo após esse último anúncio.

Os gráficos abaixo ilustram como a presença desse grupo —composto principalmente por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro— evoluiu ao longo do tempo no debate sobre vacinação na rede.

Nos três primeiros períodos, a presença do grupo bolsonarista, mais crítico ao imunizante, estava em queda: somaram, respectivamente, 33%, 37% e 21% do total de interações sobre o assunto. De 7 a 9 de janeiro, logo após o anúncio da eficácia de 78%, veio então a queda mais brusca — o grupo concentrou apenas 6,9% do debate.

A tendência, contudo, foi revertida depois da divulgação da eficácia global de 50,38%, menor do que a esperada, no dia 12. Entre os dias 12 e 14, os bolsonaristas abocanharam 41% das interações, a maior parcela em todos os períodos analisados.

Esse número só voltou a cair entre 15 e 17 de janeiro, fim de semana em que a CoronaVac foi aprovada pela Anvisa e o estado de São Paulo iniciou o plano de imunização com a vacinação da enfermeira Mônica Calazans.

Desconfiança. No período de maior predomínio bolsonarista (12 a 14 de janeiro), uma das narrativas mais frequentes nos tweets do grupo foi a de contestar a confiabilidade do dado geral de eficácia global da CoronaVac diante do fato que um outro percentual de eficácia (78% para casos leves) tinha sido anunciado dias antes.

Também foram comuns posts que afirmavam que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), havia colocado o Butantan em descrédito.

Já o principal contraponto ao discurso bolsonarista nesse período veio de órgãos de imprensa e divulgadores científicos, que concentraram 33,1% das interações.

Eles explicaram o que significavam os vários números divulgados e até criticaram a comunicação do governo de São Paulo, mas sem tentar desacreditar a pesquisa do Butantan ou a vacina. Como no exemplo abaixo, do médico Marcio Bittencourt:

A análise ainda mostra que esse grupo pró-vacina (em laranja no gráfico abaixo) teve quase o dobro do tamanho do "cluster" bolsonarista em número de perfis (34.323 contra 66.274), mas gerou muito menos engajamento por usuário. O grupo de apoiadores do presidente teve média de 4,58 retweets por perfil, bem acima do 1,91 obtido no grupo que foi às redes para defender a vacina.

Nova queda. Apesar do crescimento no debate logo depois dos anúncios do Butantan, a análise do Radar mostra que a presença do grupo bolsonarista voltou a cair logo depois do início da vacinação.

No intervalo entre 15 e 17 de janeiro, que inclui o dia da primeira vacina contra o coronavírus aplicada no Brasil, o grupo bolsonarista foi o terceiro em número de retweets (em rosa, com 7,41% das interações), atrás do grupo formado pela imprensa e por opositores do governo federal (em laranja, 37,75%) e do cluster em que apareceram o Butantan e influenciadores digitais (em verde, 15,81%).


Em nota enviada para o Aos Fatos, o Instituto Butantan afirmou que “não há nenhuma margem de dúvida quanto aos resultados divulgados no último dia 12/1, e qualquer interpretação diferente é de quem desconhece a epidemiologia e os métodos científicos reconhecidos mundialmente.”

“O estudo foi submetido e aprovado por um comitê internacional independente, e apresentado à Anvisa rigorosamente conforme as normas estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde. Os resultados não teriam sido enviados à Anvisa se o índice mínimo de eficácia global não tivesse sido atingido. Quem põe em dúvida o resultado apresentado especula contra a ciência e só favorece teorias conspiratórias”, disse o instituto.

Metodologia. Para entender a evolução do debate sobre vacinas no Twitter e o comportamento dos grupos envolvidos, o Radar coletou 1,2 milhão de posts de seis períodos de dezembro de 2020 a janeiro de 2021 nos quais houve notícias relevantes sobre o tema:

7, 8 e 9 de dezembro: o governador paulista, João Doria (PSDB), diz que a vacinação no estado começará em janeiro; Reino Unido inicia a vacinação em massa;

16, 17 e 18 de dezembro: STF decide que vacinação contra a Covid-19 pode ser obrigatória; governo federal inclui CoronaVac no Plano Nacional de Imunização;

28, 29 e 30 de dezembro: Bolsonaro diz que fabricantes de vacinas devem procurar o Brasil, não o contrário; Reino Unido aprova vacina de Oxford, que será fabricada pela Fiocruz no Brasil;

7, 8 e 9 de janeiro: governo de São Paulo anuncia eficácia de 78% da CoronaVac para casos leves de Covid-19;

12, 13 e 14 de janeiro: governo de São Paulo anuncia eficácia global de 50,4% da CoronaVac contra a Covid-19;

15, 16 e 17 de janeiro: primeira pessoa é vacinada contra a Covid-19 no Brasil e recebe a CoronaVac.

As publicações sobre vacina foram coletadas por meio da API do Twitter, após uma busca por palavras-chave relacionadas ao tema. Depois da coleta, os perfis que publicaram posts com as palavras-chave nos períodos escolhidos para análise foram divididos em grupos (clusters) por meio do Gephi, software que agrupa usuários de acordo com o nível de interação entre eles. Perfis que se retweetaram com frequência tendem a ficar no mesmo grupo.

Em todos os períodos, o Radar dividiu o debate em seis grupos cujos usuários, somados, receberam pelo menos 90% do total de compartilhamentos do universo analisado.

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