A alegação falsa de que a primeira-dama, Rosângela da Silva, mais conhecida como Janja, teria sido flagrada com malas de dinheiro na Rússia acumulava mais de 250 mil interações em redes como Facebook, Instagram e X (ex-Twitter) nesta terça-feira (13). O alcance da desinformação — compartilhada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados — foi tão grande que a AGU (Advocacia-Geral da União) acionou as plataformas para pedir a exclusão do conteúdo.
A mentira viral é fruto de uma série de distorções ou pura invenção de fatos, que se espalharam nas redes nos últimos dias. A desinformação se apoia em duas convicções dos opositores do governo: a de que Janja gastaria dinheiro público demais e a de que o escândalo dos descontos ilegais em benefícios do INSS seria culpa do presidente Lula (PT).
A viagem de Janja
No sábado passado (3), a primeira-dama viajou para Moscou com assessores de Lula para compor a comitiva presidencial. Como Janja chegou cinco dias antes do mandatário, a oposição criticou a viagem e protocolou uma ação que questiona a legalidade e os custos do trajeto.
Segundo o governo federal, Janja foi antes para se encontrar com a comunidade brasileira na Rússia e cumprir agenda de eventos relacionados à educação, cultura e a Aliança Global Contra a Pobreza.
Além da viagem antecipada, foi noticiado que o avião da FAB (Força Aérea Brasileira) que levou a primeira-dama sofreu um atraso porque dois países — Letônia e Estônia — recusaram os pedidos do governo brasileiro para que a aeronave sobrevoasse seus territórios durante o trajeto. Já a Lituânia nem mesmo respondeu à solicitação.
Apesar das justificativas dadas pelos países, funcionários da diplomacia brasileira ouvidos pela Folha avaliaram que o fator político da viagem pode ter pesado. Letônia, Estônia e Lituânia costumam adotar um comportamento restritivo para aeronaves com destino à Rússia.
Distorções e ilações
Além dos questionamentos em relação a quem estava no avião com Janja e o que ela poderia estar levando ao país, na manhã do dia 9 passaram a circular nas redes publicações que afirmavam, sem apresentar evidências, que a primeira-dama estaria fazendo o papel de “mula” de malas de dinheiro.
Alguns posts, inclusive, citavam outra peça de desinformação — também desmentida pelo Aos Fatos — de que um avião da comitiva presidencial com malas de dinheiro havia sido interceptado pelo FBI no Vaticano.
No mesmo período, foi ao ar uma entrevista do deputado federal Paulo Bilynskyj (PL-SP), em entrevista à rádio AuriVerde. Nela, o parlamentar fez especulações sobre a viagem de Janja à Rússia:
“O avião que a Janja utilizou é um avião de carga, carga, qual que é o ponto estranho, a passagem do avião da Janja em alguns países, né, sobrevoo do avião da Janja por alguns países foi negado, ele teve que dar algumas voltas, por que que foi negado? (...) Então, o sistema bancário da Rússia, ele é trancado do resto do mundo, ele não comunica com o resto do mundo. Claro que tem coisa errada aí.” — deputado Paulo Bilynskyj, em entrevista em 9.mai.2025.
A partir da tarde daquele dia, o interesse sobre o termo “janja malas” começou a crescer e, junto com ele, o engajamento de publicações que sugeriam que a primeira-dama estaria levando dinheiro vivo, em malas, para esconder na Rússia.
A viralização ocorre a partir de segunda (12), quando o site Revista Brasil publica um texto com o título “O escândalo das 200 malas”, que sugere que essa teria sido a “quantidade absurda” de bagagem levada por Janja à Rússia. Essas malas teriam sido, inclusive, registradas por vídeos de “funcionários do aeroporto”. A publicação não mostra tais vídeos, que também não foram encontrados por Aos Fatos em buscas na internet.
O texto foi, então, compartilhado por congressistas bolsonaristas e pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro no X (ex-Twitter), acumulando dezenas de milhares de compartilhamentos só nesta rede.
E o INSS?
A desinformação sobre as malas de Janja pegou carona ainda na crise do INSS. Algumas publicações passaram a relacionar o suposto dinheiro levado pela primeira-dama com os descontos indevidos de segurados, apontados por investigações da PF e da CGU (Controladoria Geral da União).
De fato, a PF indicou, em relatório, que investigados pela fraude podem ter levado malas de dinheiro ao exterior — mais precisamente a destinos como Miami, nos Estados Unidos, e Panamá — com dezenas de milhões de reais em espécie.
Até o momento, no entanto, não há nenhuma prova ou citação que relacione Lula ou Janja aos investigados pela fraude.
Ao Aos Fatos, a Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência da República disse que a viagem de Janja foi realizada "dentro dos trâmites legais" em uma aeronave da FAB. O órgão afirmou ainda rejeitar "categoricamente a invenção absurda de que teria sido levada uma 'elevada quantidade de malas', bem como qualquer menção a incidentes com a bagagem — nada disso ocorreu, nem foi registrado por qualquer autoridade responsável".
Portanto, a alegação de que a primeira-dama teria sido barrada com 200 malas cheias de dinheiro na Rússia é falsa e fruto de diversas distorções:
- Janja não foi sozinha e tinha eventos marcados na Rússia;
- A aeronave foi impedida de sobrevoar Letônia, Estônia e Lituânia por diferentes razões, mas nenhuma delas tem a ver com malas de dinheiro extraviado;
- As 200 malas citadas provavelmente se referem ao número de lugares disponíveis no avião da FAB que realizou a viagem;
- A PF acredita que investigados no esquema de fraudes do INSS levaram malas de dinheiro ao exterior, mas nem Janja ou Lula são citados nas investigações.
Outro lado
Aos Fatos entrou em contato com a assessoria do deputado Bilynskyj para que ele pudesse comentar a reportagem, mas não recebeu nenhuma resposta. Aos Fatos não conseguiu localizar o contato dos responsáveis pelo site Revista Brasil.
O caminho da apuração
Aos Fatos fez buscas reversas pelas publicações enganosas que diziam que Janja havia sido barrada na Rússia com malas de dinheiro e também as que criticavam a primeira-dama pela viagem. Depois, fizemos uma linha do tempo para explicar as distorções que foram sendo feitas até a viralização na última segunda-feira (12).
