Depois de quase 18 meses de trabalhos e cinco prorrogações de prazo, a comissão criada no Senado para discutir a regulação de inteligência artificial encerrou seus trabalhos nesta quinta-feira (5). O relatório final do PL 2.338/23, apresentado pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO), foi aprovado e tramita em regime de urgência no plenário da Casa, com votação prevista para a próxima terça-feira (10).
O texto final preserva uma proposta de regulação baseada em riscos, conforme proposto pelo projeto original de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). E faz acenos ao setor privado ao incluir mecanismos de incentivo à inovação e restringir o escopo da lei.
Entre essas concessões está a retirada dos modelos de IA para recomendação automática de conteúdos do rol de sistemas de alto risco. Na prática, a mudança poupa algoritmos de plataformas digitais de obrigações de transparência e respeito a direitos fundamentais.
A mudança, feita sob o falso argumento de preservação da liberdade de expressão, já havia sido incorporada ao texto na última terça-feira (3), mas foi aprofundada no complemento de voto apresentado hoje (5).
Acatando emendas apresentadas pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), o relator Eduardo Gomes incluiu no relatório final artigo que garante que a regulação de “aspectos associados à circulação de conteúdo online” só pode ser feita através de legislação específica. Também incisos que incluíam a análise de “risco à integridade de informação” para classificação de novos sistemas de IA.
Assim, a regulação aprovada não teria efeito sobre sistemas de IA usados para moderação ou recomendação de conteúdo.
As emendas, contudo, foram questionadas pelos senadores Randolfe Rodrigues (PT-AP) e Humberto Costa (PT-PE), que disseram pretender levá-las como destaque para a discussão em plenário.
“Nós não estamos discutindo aqui nem tema de fake news nem disseminação dessas informações, mas estamos tentando regular quem produz a inteligência artificial. Quem reúne essas informações e prepara um produto a partir disso é preciso que tenha o compromisso com a integridade daquela informação”, argumentou Costa.
Direitos autorais. O lobby do setor privado também pressionava pela retirada de mecanismos de proteção aos direitos autorais do projeto. A Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais), que promove interesses do setor, chegou a afirmar em nota que esses dispositivos poderiam “inviabilizar o desenvolvimento da IA no Brasil”.
“O direito autoral tem problemas contemporâneos, não pode encontrar um repositório de resolução dessas questões no PL de inteligência artificial”, defendeu Marcelo Almeida, diretor de relações públicas da Abes (Associação Brasileira das Empresas de Softwares) em entrevista ao Aos Fatos.
Contudo, atendendo a pedidos de associações de artistas, o senador Eduardo Gomes manteve no texto final aprovado previsões de remuneração de artistas que tenham suas obras usadas para o treinamento de sistemas de IA.
Tramitação. Imediatamente após a aprovação na comissão, o projeto foi levado ao plenário do Senado que analisou nesta quinta-feira (5) o regime de urgência da matéria. A previsão é que os senadores votem a proposta na próxima terça-feira (10), com a análise de novas emendas.
O adiamento dá espaço a mais pressões sobre o projeto e foi alvo de críticas de senadores. “Parece que está em curso um movimento protelatório que esconde o sentimento real que é não ter regulação nenhuma da inteligência artificial”, ressaltou o senador Randolfe Rodrigues.
O caminho da apuração
Aos Fatos acompanhou, pelo canal da TV Senado, a reunião da comissão e discussão no plenário do Senado nesta quinta (5). Também analisamos as últimas mudanças feitas ao relatório final do PL 2.338/23. Por fim, contextualizamos a tramitação do projeto de regulação frente ao lobby de setores interessados.