O presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou, na última terça-feira (7), um decreto (nº 9,785/2019) que altera, sobretudo, regras sobre o porte de armas de fogo. É o segundo texto assinado por Bolsonaro que trata sobre o uso de armas no Brasil: em janeiro, outro decreto facilitou a posse (autorização de manter uma arma de fogo em casa).
Segundo o próprio presidente, o governo foi "no limite da lei" ao editar o decreto. De acordo com Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, o decreto tem o objetivo de permitir que os cidadãos sejam "livres para a defesa de sua propriedade e de sua família contra agressão injusta, atual e iminente".
Mas, o que muda com o novo decreto? Aos Fatos desenhou.
Do que trata o decreto? O texto assinado por Bolsonaro regulamenta a aquisição, o cadastro, o registro, o porte, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição.
No Brasil, existem dois sistemas de registros de armas: o Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, comandado pelo Exército), e o Sinarm (Sistema Nacional de Armas, da Polícia Federal). Enquanto o Sigma diz respeito às licenças dos CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores) e dos militares, o Sinarm serve o restante da população civil. O decreto traz mudanças para os dois sistemas.
Quais as principais mudanças? Entre elas, está a nova validade para o porte de armas: o prazo de validade do Certificado de Registro passou de cinco para dez anos. Vale lembrar que, no decreto assinado em janeiro, Bolsonaro já tinha estendido a validade da posse de armas pelo mesmo período.
Outra grande mudança do texto é a adição de 15 categorias àquelas que possuem pressuposta a efetiva necessidade de portar armas: instrutores de tiro ou armeiros, colecionadores ou caçadores, agentes do sistema socioeducativo, fiscais em geral, agentes de trânsito, políticos detentores de mandato eletivo, advogados que atuam como agentes públicos, oficiais de justiça, proprietários de estabelecimento que venda arma de fogo ou clube de tiro, dirigentes de clube de tiro, residentes de área rural, profissionais de imprensa que atuem na cobertura policial, conselheiros tutelares, motoristas de empresas e caminhoneiros e funcionários de empresas de segurança privada e transporte de valor.
Essas categorias, no entanto, ainda devem seguir os outros requisitos para conseguir o porte, como ter ao menos 25 anos de idade, comprovar idoneidade moral e não ter antecedentes criminais.
Segundo estimativa do Instituto Sou da Paz, o novo decreto permite que, pelo menos, 19,1 milhões de pessoas passem a ter porte de armas no Brasil. Desse número, 18,6 milhões representam residentes da área rural.
Para fins comparativos, no fim de 2018, a Polícia Federal divulgou que havia 36,7 mil portes de armas válidos no Brasil.
Os CACs. Uma categoria que ganhou com a desburocratização de regras foi a dos CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores). O decreto permite que essas pessoas agora portem armas quando estiverem em deslocamento "para treinamento ou participação em competições".
Além disso, os CACs — junto a militares, policiais, agentes de segurança e guardas municipais — passaram a não ter mais limite para a compra anual de munições.
Vale ressaltar que, segundo levantamento do Instituto Sou da Paz, os CACs já compram mais munições do que as Forças Armadas atualmente. Entre 2016 e 2018, a categoria adquiriu 57 milhões de balas, enquanto os militares requisitaram pouco menos de 38 milhões de munições no período.
Em relação às outras categorias civis, o texto também aumentou o limite de munições de 50 cartuchos por ano para 1.000, em caso de uso restrito, e 5.000, em caso de uso permitido.
Armas liberadas. Outra mudança importante do decreto é a liberação de novos modelos de armas de fogo. Antes do texto, só eram permitidas armas com potência de até 407 joules. Agora, armas com potência de até 1.620 joules passam a ser permitidas. Armas com potência maior são mais difíceis de manusear, uma vez que geram "coices" de maior intensidade.
Uma reportagem do jornal O Globo listou os principais modelos que vão ser permitidos, como a Magnum .44, a Magnum .357 e a 9mm EXPP.
Além disso, o decreto pôs fim à restrição da importação de armas. Antes, só era permitido adquirir armas no exterior quando não houvesse produto similar no Brasil.
O que diz o governo? A proposta de flexibilizar o porte de armas era uma promessa de governo de Jair Bolsonaro. Segundo o assessor da Presidência, Felipe Martins, o decreto atende os anseios da população, que decidiu a favor do comércio de armas de fogo no referendo de 2005, e a decisão segue a agenda da defesa de direitos: "para que haja defesa dos direitos naturais, é necessário se proteger contra violência e exceções, inclusive as praticadas por autoridades. As armas estão nessa tradição".
Bolsonaro também disse que o decreto tem o intuito de quebrar o monopólio de armas de fogo no Brasil: "A quebra do monopólio é bem-vinda e, dentro de uns 60 dias, vai entrar em vigor. Já conversei com o Paulo Guedes [ministro da Economia] para tratar da questão de impostos para que as armas lá de fora não cheguem bem mais baratas que as nacionais. Não queremos com isso criar barreiras para importação".
Próximos obstáculos do decreto. O decreto assinado pelo presidente foi analisado tanto por uma comissão da Câmara dos Deputados quanto do Senado. Ambas disseram ter encontrado irregularidades no texto e que alguns pontos violam outras leis, como o Estatuto do Desarmamento e o Estatuto dos Militares.
O caso também já chegou no STF (Supremo Tribunal Federal). A ministra Rosa Weber deu ao presidente Jair Bolsonaro o prazo de cinco dias para que ele explique o texto.
Colaborou Ana Rita Cunha.
Referências:
1. Governo Federal
2. G1 (Fonte 1, 2, 3 e 4)
3. BBC
4. Instituto Sou da Paz
5. O Globo (Fonte 1 e 2)
6. Folha de S.Paulo