Em entrevista ao Flow Podcast, na noite da última sexta-feira (27), a deputada federal e candidata à Prefeitura de São Paulo Tabata Amaral (PSB) repetiu uma informação falsa que havia sido desmentida pelo Ministério Público de São Paulo no mesmo dia.
Ao comentar ações para desarticular o tráfico de drogas na Cracolândia, a candidata disse que a gestão do adversário Ricardo Nunes (MDB) não foi informada pelas autoridades policiais e não colaborou com a apuração — e insinuou que o motivo para isso geraria suspeitas.
“A prefeitura, por alguma razão que seria leviano — eu tenho a minha tese, mas eu não posso dizer… A prefeitura optou por não afastar os agentes públicos e por não fechar os hotéis e ferro velho”, afirmou Tabata Amaral.
A declaração foi desmentida pelo próprio Ministério Público, na sexta-feira (27), em nota ao Aos Fatos. O órgão afirma que “não aponta evidências de omissão da Prefeitura de São Paulo, até o momento”. Segundo os promotores, “durante a operação, a prefeitura auxiliou na lacração de imóveis e tem colaborado com as investigações”.
A candidata do PSB também enganou ao dizer que a capital paulista foi “a que mais andou pra trás na educação” e ao comentar os cenários de segundo turno das pesquisas eleitorais.
Confira o que checamos:
- É FALSO que a Prefeitura de São Paulo não afastou agentes públicos investigados por participarem de uma milícia em atuação na Cracolândia e não lacrou imóveis usados pelo tráfico;
- Também não é verdade que a Prefeitura de São Paulo “sabia e não fez nada” para combater a existência de uma milícia na Cracolândia formada por agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) e que não colabora com a investigação;
- Tabata Amaral erra ao dizer que São Paulo teria sido a capital brasileira que mais regrediu em rankings de educação. A cidade de fato teve uma piora nos anos finais do ensino fundamental durante a gestão Nunes, mas outras capitais apresentaram desempenho ainda pior;
- Os cenários de segundo turno das principais pesquisas não mostram que Guilherme Boulos “perde para todo mundo” e que Tabata Amaral “ganha de todo mundo”;
- Apesar de ser verdadeiro que Ricardo Nunes “não conseguiu entregar metade” das metas definidas por ele, é impreciso afirmar que o atual prefeito alterou “para baixo” as metas definidas por Bruno Covas;
- É VERDADEIRO que Tabata Amaral foi a única deputada entre os mais votados em 2018 que conseguiu aumentar o número de votos recebidos na eleição seguinte;
- É VERDADEIRO que a fila das creches em São Paulo foi zerada por Covas, não por Nunes, como costuma afirmar o candidato à reeleição.
“A Polícia Civil tem há anos levantamentos de quais são estabelecimentos que alimentam a Cracolândia: tem hotel com prostituição, tem ferro velho, tem agente público envolvido (…). A Polícia Civil vinha fornecendo isso para a prefeitura. A prefeitura, por alguma razão que seria leviano — eu tenho a minha tese, mas eu não posso dizer… A prefeitura optou por não afastar os agentes públicos e por não fechar os hotéis e ferro velho.”
É FALSO que a Prefeitura de São Paulo não afastou agentes públicos investigados por participarem de uma milícia em atuação na Cracolândia. Tabata Amaral também engana ao dizer que o governo municipal não fechou estabelecimentos usados por traficantes na região.
O Ministério Público de São Paulo investiga a participação de 26 agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) em uma milícia que atuava extorquindo comerciantes na Cracolândia. Quatro foram presos na operação Salus et Dignitas, deflagrada em agosto pelo Gaeco (Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado). Desses, três sofreram sanções na gestão de Ricardo Nunes e o outro havia sido expulso da corporação no governo de Bruno Covas.
Os demais 22 agentes foram afastados do trabalho nas ruas e ficarão em atividades administrativas enquanto durarem as investigações, segundo a prefeitura, que entrou com um pedido no Judiciário para atuar como assistente de acusação contra os investigados.
De acordo com o Ministério Público, a prefeitura colaborou com as investigações e auxiliou na lacração de imóveis durante a Operação Salus et Dignitas.
Além disso, no início da gestão de Nunes, a prefeitura realizou diversas ações de despejo na Cracolândia, o que incluiu a lacração de hotéis usados como pontos de venda de drogas.
Segundo a Polícia Civil, a política da prefeitura de fechar as hospedarias na Luz no segundo semestre de 2021 fez com que o PCC adquirisse hotéis em outros pontos do centro, direcionando uma mudança de local do “fluxo” de dependentes. O novo esquema foi desmontado em junho deste ano pela Operação Downtown.
Outro lado. Procurada, a campanha de Tabata Amaral argumentou que as ações da Prefeitura teriam sido tomadas após a deflagração da operação Salus et Dignitas — o que não é verdade, como explicado acima. Algumas das medidas, como o afastamento de um dos agentes e o fechamento de hospedarias, ocorreram antes do início da operação.
“Veio uma megaoperação agora, que tem o nome em latim, eu acho, e falou: para tudo. E aí a mulher que é responsável pela operação deu uma declaração para a imprensa dizendo: ‘A Prefeitura de São Paulo não vai participar da operação, porque a Prefeitura de São Paulo está sendo conivente. A Prefeitura de São Paulo sabia e não fez nada’. Aí tem uma operação na Cracolândia, que envolve órgãos federais, estaduais e municipais e que não quis envolver a prefeitura porque entende que a prefeitura está sendo omissa por alguma razão.”
A candidata repete acusação FALSA que já havia feito na véspera, em entrevista ao podcast Inteligência Ltda. Não é verdade que a Prefeitura de São Paulo “sabia e não fez nada” para combater a existência de uma milícia na Cracolândia formada por agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) e que não colabora com a investigação.
A gestão de Ricardo Nunes tomou medidas em relação ao caso tanto antes como após o Gaeco (Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público de São Paulo, deflagrar a Operação Salus et Dignitas.
Em nota ao Aos Fatos, o Ministério Público de São Paulo informou que “não aponta evidências de omissão da Prefeitura de São Paulo, até o momento”. Segundo os promotores, “durante a operação, a prefeitura auxiliou na lacração de imóveis e tem colaborado com as investigações”.
Dos 26 agentes da GCM investigados, quatro estão presos e já foram expulsos da corporação. Desses, três sofreram as sanções na gestão de Nunes.
- Rubens Alexandre Bezerra havia sido expulso da GCM em 2019, no governo de Bruno Covas (PSDB);
- Também preso na operação, Elisson de Assis havia sido afastado em junho de 2023, sob Nunes, por suspeita de cobrar taxas de comerciantes;
- Outros dois guardas civis foram afastados e tiveram processo de expulsão iniciado após a operação.
Os demais 22 agentes que também são alvo da investigação foram afastados do trabalho nas ruas e ficarão em atividades administrativas enquanto durarem as investigações, segundo a prefeitura, que entrou com um pedido no Judiciário para atuar como assistente de acusação contra os investigados.
A candidata errou ainda ao atribuir a frase “a Prefeitura de São Paulo está sendo conivente” a uma pessoa ligada à investigação. A candidata faz referência a uma mulher, sem citar nomes.
Na verdade, um dos promotores do caso, Juliano Atoji, disse em entrevista à CNN Brasil que “houve, sem dúvida alguma, conivência por parte do poder público, ou omissão”.
Em seguida, ele ponderou também que “não se pode, neste momento, afirmar se houve dolo omissivo [por parte da prefeitura] ou uma simples omissão de fiscalização desses guardas civis”, posicionamento que foi reiterado pelo Ministério Público de São Paulo na nota enviada ao Aos Fatos.
Outro lado. Questionada anteriormente, a campanha de Tabata Amaral disse que a afirmação dela é baseada em declarações do promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco, à Folha de S.Paulo: “Não dá para chamar [para a operação] quem se omitiu por décadas”, afirmou o membro do Ministério Público de São Paulo — sem, no entanto, personalizar a crítica ao atual prefeito, como deu a entender a candidata do PSB.
Procurada novamente, a assessoria da candidata reforçou que sua afirmação foi referente à fala de Gakiya.
“Minha cidade foi a capital que mais andou pra trás na educação [na gestão Ricardo Nunes].”
Tabata Amaral erra ao dizer que São Paulo teria sido a capital brasileira que mais regrediu em rankings de educação. A cidade de fato teve uma piora nos anos finais do ensino fundamental desde que Nunes assumiu a prefeitura — indo de uma nota 5,1 no Ideb, em 2021, para 4,8 em 2023.
Porém, ao menos 7 das 23 capitais brasileiras com dados disponíveis registraram queda maior: Belo Horizonte, Campo Grande, Florianópolis, João Pessoa, Natal, Porto Alegre e Salvador. A capital potiguar foi a que mais regrediu, caindo de 4,1 para 3,3.
Também não é possível considerar que São Paulo teria tido a maior queda em índices de alfabetização — afirmação já repetida pela candidata anteriormente —, pois os indicadores disponíveis para o período da gestão de Nunes seguem metodologias diferentes e não são comparáveis entre si.
Outro lado. A assessoria da candidata afirma que, apesar das ponderações, os indicadores de alfabetização já foram citados em conjunto pela imprensa.
“O Boulos perde para todo mundo no segundo turno. Eu sou a única que ganha de todo mundo no segundo turno.”
Tabata Amaral engana ao falar de possíveis cenários de segundo turno para a Prefeitura de São Paulo.
É FALSO que Boulos “perde para todo mundo no segundo turno” nas projeções divulgadas até agora. Segundo levantamentos recentes do Datafolha e do Paraná Pesquisas, o candidato do PSOL venceria Pablo Marçal (PRTB). Na pesquisa da Quaest Consultoria, Boulos aparece em empate técnico com o ex-coach.
As pesquisas testaram apenas três cenários de segundo turno, que não incluem Tabata Amaral — Nunes e Boulos; Nunes e Marçal; e Boulos e Marçal.
Já no levantamento da AtlasIntel, que testou seis cenários de segundo turno, Amaral venceria Nunes e Marçal. Ela também aparece numericamente à frente de Boulos — mas dentro da margem de erro de dois pontos percentuais, o que representa um empate técnico, e torna a declaração da candidata imprecisa.
Outro lado. Procurada, a assessoria da candidata argumentou que “Tabata está numericamente à frente de Boulos e, em um segundo turno, teria muito mais chance de aglutinar votos de centro e direita do que o candidato do PSOL, que tem uma rejeição muito maior”.
“[Ricardo Nunes] teve a coragem de alterar as metas do Bruno Covas para baixo e ainda assim não conseguiu entregar metade.”
A declaração é imprecisa. Ainda que tenha sido criticado por alterar o plano de metas de Bruno Covas (PSDB) para reduzir o alcance de algumas de suas promessas, Nunes também acrescentou novos objetivos aos planos da prefeitura para a gestão de 2021–2024.
- Na versão inicial do programa de metas, apresentada em abril de 2021, ainda sob a gestão de Bruno Covas (PSDB), foram definidos 75 objetivos em seis eixos estratégicos;
- Após consultas e audiências públicas, a versão final do programa foi publicada em junho de 2021 — já com Ricardo Nunes à frente da prefeitura —, com 77 metas nos mesmos seis eixos estratégicos;
- Em abril de 2023, a prefeitura apresentou uma alteração e acrescentou outras nove metas ao plano, totalizando 86;
- Outras 48 metas foram alteradas, sendo que nove foram ampliadas, uma foi excluída e dez foram reduzidas — o restante sofreu apenas mudanças operacionais ou de redação.
A revisão feita por Nunes em 2023 foi alvo de críticas por suavizar diversas promessas feitas por seu antecessor. Um dos casos foi a meta que previa a redução no índice de mortes no trânsito para 4,5 por 100 mil habitantes, alterada para a promessa de “realizar 18 ações para a redução do índice de mortes no trânsito”.
Outro objetivo reduzido foi o de “atingir 100% de cumprimento das metas individuais de redução da emissão de poluentes e gases de efeito estufa pela frota de ônibus”, alterado para a formulação genérica de “reduzir a emissão de poluentes e gases de efeito estufa pela frota de ônibus do transporte público municipal”.
Já a meta excluída do plano dizia respeito à ampliação de vias de ônibus. A prefeitura afirmou que retirou o objetivo para promover uma “revisão mais ampla da rede de ônibus, que aborda não apenas a extensão das vias atendidas, mas também diversos outros aspectos do sistema”.
Por outro lado, o prefeito prometeu ampliar a entrega de obras na cidade, como a implementação de 15 novas UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e três centros de reabilitação, além de reformas ou adequações em 1.915 unidades escolares e 46 CEUs (Centros Educacionais Unificados).
Também foi incluída a promessa de implementar 200 novos quilômetros do programa Faixa Azul, “com foco na promoção da segurança viária”.
Mesmo com a alteração dos objetivos, a gestão Nunes conseguiu entregar apenas metade do que prometeu. O painel de monitoramento do Programa de Metas da Prefeitura de São Paulo indica que 43 delas já foram alcançadas por completo ou superadas — 50% do total.
Outro lado. Procurada, a campanha alegou que a candidata se referia ao conteúdo, e não ao número de metas alteradas. A assessoria citou como um dos exemplos o objetivo de reduzir o índice de mortes no trânsito, alterado para “realizar 18 ações para redução do índice de mortes no trânsito”.
“Eu fui a única deputada dos mais votados [em 2018] que conseguiu aumentar de votação.”
Tabata Amaral acerta ao dizer que foi a única deputada entre os mais votados em 2018 que aumentou de votação na eleição seguinte, em 2022.
- Em 2018, Tabata Amaral recebeu 264.450 votos e foi a sexta deputada federal mais votada em São Paulo;
- Em 2022, a agora candidata à Prefeitura de São Paulo melhorou o desempenho, com 337.873 votos, que garantiram também a sexta posição entre os mais votados.
O restante do ranking, no entanto, foi alterado. Entre os dez candidatos a deputado que tiveram maior votação em 2018, somente ela teve mais votos.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PL), recordista em 2018 com mais de 1,8 milhão de votos, caiu para a terceira posição e reduziu seu eleitorado em quase 50% — somando pouco mais de 740 mil votos em 2022.
Celso Russomano (Republicanos), Kim Kataguiri (União), Tiririca (PL), Sâmia Bomfim (PSOL), Marco Feliciano (PL), Capitão Augusto (PL) e Baleia Rossi (MDB) também diminuíram de votação entre as eleições.
Segunda e sétima deputadas mais votadas em 2018, Joice Hasselmann (PSDB) e Katia Sastre (PL) não se elegeram em 2022.
Uma versão anterior desta checagem havia atribuído o selo FALSO para a declaração de Tabata Amaral. No entanto, a assessoria da candidata argumentou que ela se referia aos deputados mais votados em 2018, não em 2022, como fora interpretado pelo Aos Fatos. Desta forma, a declaração foi considerada VERDADEIRA, e o selo foi corrigido.
“O Ricardo Nunes bate no peito para falar: eu zerei a fila em creche. Eu acho que ele falou isso aqui. Mentira. Eu espero que o Aos Fatos cheque isso. Quem zerou a fila das creches foi o Bruno Covas. Hoje tem menos matrículas em creche do que tinha em 2020.”
A candidata acerta ao afirmar que o prefeito Ricardo Nunes não foi o responsável por zerar a fila das creches.
Aos Fatos desmentiu a declaração do prefeito ainda durante a pré-campanha. Em sabatina realizada pela Folha de S.Paulo e pelo UOL, em junho, o prefeito afirmou que teria sido responsável por zerar a espera por vagas em creches na cidade. Porém, a fila está zerada desde 2020, durante o primeiro mandato de Bruno Covas, que assumiu em 2018 após João Doria deixar o cargo para concorrer ao governo paulista — na época, Nunes ainda era vereador.
É fato, no entanto, que a fila continuou zerada durante o governo Nunes. Segundo texto institucional publicado pela prefeitura na Folha de S.Paulo, no final de 2023, a rede municipal não registra fila de espera desde 2020.
ATUALIZAÇÃO: Este texto foi atualizado às 18h49 de 30.set.2024 para incluir os posicionamentos enviados pela equipe da candidata.
ERRAMOS: Uma versão anterior deste texto atribuiu o selo FALSO à frase: “Eu fui a única deputada dos mais votados que conseguiu aumentar de votação”. No entanto, a assessoria de Tabata Amaral argumentou que ela se referia aos deputados mais votados em 2018, não em 2022, como fora interpretado pelo Aos Fatos. Desta forma, a declaração foi considerada VERDADEIRA, e o selo foi corrigido.
O caminho da apuração
Com a ajuda da ferramenta Escriba, Aos Fatos transcreveu a íntegra da entrevista de Tabata Amaral ao Flow. As declarações checáveis foram separadas e verificadas pela equipe a partir de bases de dados públicas, pesquisas de opinião, entrevistas da candidata e outras reportagens publicadas na mídia. Também procuramos a assessoria da candidata para que ela pudesse comentar as checagens.