No Roda Viva, Boulos distorce dados sobre segurança em escolas e tratamento de lixo em São Paulo

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Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, na noite da última segunda-feira (26), o deputado federal e candidato à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) enganou ao afirmar que a Guarda Civil Metropolitana deixou de realizar rondas para garantir a segurança das escolas. As operações, que são atribuição da instituição desde 2000, foram reforçadas pela gestão de Ricardo Nunes (MDB) em 2023.

O psolista também omitiu que a prefeitura já tem iniciativas para compostagem de resíduos orgânicos produzidos por feiras livres e exagerou ao comparar o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) das regiões mais pobres de São Paulo ao da Somália.

Veja um resumo do que checamos:

  1. É FALSO que a GCM (Guarda Civil Metropolitana) não realiza mais rondas escolares. Criadas em 2000, as operações continuam ocorrendo e foram reforçadas no ano passado por um programa criado pelo governo Nunes;
  2. Ao dizer que todos os resíduos orgânicos de feiras livres são enterrados em aterros, Boulos omite que a prefeitura tem, desde 2015, um programa que recolhe e encaminha as sobras de 17% das feiras da cidade para cinco pátios de compostagem;
  3. Diferentemente do que sugeriu o candidato no programa, o governo federal já havia anunciado mudanças na estrutura dos apartamentos do programa Minha Casa Minha Vida antes de firmar compromisso com o MTST para a construção do Copa do Povo;
  4. Ao comparar os IDHs de regiões paulistanas aos de outros países, Boulos exagerou ao dizer que a situação dos bairros mais pobres da cidade é semelhante à da Somália;
  5. Boulos também enganou ao dizer que a última pesquisa Datafolha indica que Ricardo Nunes (MDB) não disputaria o segundo turno. O levantamento aponta empate técnico entre o prefeito, Boulos e Pablo Marçal (PRTB);
  6. Sobre Marçal, o psolista também citou uma informação incorreta: o ex-coach foi condenado em 2010 por furto qualificado, e não por fraude bancária;
  7. O candidato acertou ao dizer que a Prefeitura de São Paulo registrou déficit de R$ 5,5 bilhões em 2023;
  8. Por fim, também é verdade que o ex-secretário do Clima na gestão de Nunes negou a influência humana nas mudanças climáticas.

“A GCM não [está] fazendo ronda escolar.”

A declaração de Boulos é FALSA. As rondas escolares são atribuição da GCM (Guarda Civil Metropolitana) desde 2000, quando o então prefeito Celso Pitta (PTB) criou a Ronda Ostensiva Municipal Escolar. O programa foi inclusive reforçado pela gestão Nunes desde o ano passado.

Em 2023, em meio a um contexto de atentados em escolas, Nunes criou o programa Proteção Escolar de Cultura e Paz, que previa o aumento de 50% no total de operações de ronda escolar realizadas pela GCM. Com a nova medida, houve um acréscimo de 32 viaturas na frota e 96 carros passaram a patrulhar as escolas.

Procurada pelo Aos Fatos, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana afirmou que, atualmente, 192 agentes e 90 viaturas realizam diariamente o serviço de patrulhamento comunitário em unidades escolares. De acordo com o órgão, também é feito o monitoramento via 15 mil câmeras de segurança instaladas pela cidade, que "já resultaram em prisões em flagrante em ocorrências de invasão a escolas e creches".

Antes da gestão Nunes, a prefeitura também anunciou mudanças que visavam reforçar o programa de rondas escolares:

  • Em 2005, durante a gestão de José Serra (PSDB), a administração municipal anunciou a entrega de dezenas de veículos destinados à função;
  • Já em 2007, durante o governo de Gilberto Kassab (PSD), foi criado o Programa de Proteção Escolar Integrado, que previa o incremento da ronda escolar com o aumento do efetivo de pessoal e de viaturas;
  • Dois anos depois, foi implementado um sistema que visava a permanência de viaturas em horários pré-determinados em escolas que não possuíam policiamento fixo.

Outro lado. Procurada pelo Aos Fatos, a assessoria do candidato afirmou que ele se referia à "queda acentuada" no total de ações de patrulhamento em escolas. A campanha enviou uma coluna publicada pelo jornalista Marcelo Godoy no Estado de S. Paulo que afirma, com base em dados obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação), que as ações de policiamento em instituições de ensino caíram de 11.536 para 3.517 entre 2020 e 2023.

“Por exemplo, resíduo de poda de árvore e resíduo de feira livre que é o orgânico já puro. Você não precisa separar. Aquilo tinha que ir direto pro pátio de compostagem. Sabe o que faz hoje? A prefeitura paga pra uma empresa pegar aquilo e enterrar num aterro.”

A declaração de Boulos é imprecisa, porque omite que a Prefeitura de São Paulo tem desde 2015 um programa de compostagem voltado ao aproveitamento de resíduos de feiras livres, o Feiras e Jardins Sustentáveis. Segundo a administração municipal, ao fim das feiras, os agentes de limpeza passam para recolher restos orgânicos separados pelos próprios comerciantes e os encaminham para pátios de compostagem, onde são misturados com restos de poda de árvore picada e palha.

De acordo a prefeitura, a cidade possui atualmente cinco pátios de compostagem, com capacidade para receber 15.600 toneladas de frutas, legumes e verduras por ano e de processar até 3.120 toneladas de composto orgânico. Em 2023, todos os pátios receberam, juntos, quase 7.000 toneladas de resíduos orgânicos, que produziram cerca de 1.300 toneladas de composto orgânico.

Corrigido durante o programa pela apresentadora Vera Magalhães, que leu ao vivo a checagem enviada pelo Aos Fatos, Boulos alegou posteriormente que, apesar de existir, o programa da prefeitura tem um alcance pequeno e recolhe resíduos de apenas 20% das feiras livres da cidade. De fato, de acordo com dados divulgados pela gestão municipal em 2021 — últimos disponíveis —, apenas 17% das feiras de São Paulo são beneficiadas pela iniciativa.

Após o posicionamento da assessoria, o selo da checagem foi alterado de FALSO para NÃO É BEM ASSIM, uma vez que a iniciativa existe, mas sua implementação ainda abrange menos de 20% das feiras.

Aos Fatos entrou em contato com a Selimp (Secretaria Executiva de Limpeza Urbana) para questionar se há dados mais recentes e se os resíduos não contemplados pela política são mesmo enterrados em aterros. Até a publicação desta checagem, no entanto, não houve retorno.

“Os primeiros apartamentos do Minha Casa Minha Vida com varanda, elevador e com três dormitórios da faixa um do Minha Casa Minha Vida — que é a popular — foram feitos pelo Movimento Sem Teto em parceria com Minha Casa Minha Vida.”

Diferentemente do que sugere o candidato, o governo federal já havia anunciado mudanças na estrutura dos apartamentos do programa Minha Casa Minha Vida meses antes de firmar compromisso com o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) para a construção do empreendimento Copa do Povo, em São Paulo.

Em setembro de 2023, o governo determinou que todas as novas unidades do Minha Casa Minha Vida a partir de então seriam construídas com varandas, ganchos para redes e estrutura para instalação de ar condicionado. As mudanças beneficiaram famílias que integram a Faixa 1 do programa, destinada aos que recebem até dois salários mínimos por mês.

Em novembro daquele ano, foi anunciada a primeira seleção de propostas direcionada à Faixa 1, com 187.500 unidades aprovadas para construção em 560 municípios.

Dois meses depois, em dezembro, o governo federal firmou compromisso para a construção do empreendimento Copa do Povo, que vai beneficiar famílias ligadas ao MTST. O terreno em que as 648 unidades habitacionais serão construídas foi ocupado pelo movimento em 2014, às vésperas da Copa do Mundo. A previsão é de R$ 573 milhões de investimento.

Outro lado. Em mensagem enviada ao Aos Fatos, a assessoria de Guilherme Boulos citou outros empreendimentos realizados em parceria do MTST com o Minha Casa Minha Vida, em Taboão da Serra em 2014 e em Santo André, em 2019, que possuíam varanda e metragem maior que o padrão da maioria das construções do programa de 39m2 até então. Os projetos, contudo, faziam parte do braço “entidades” do MCMV, não da faixa 1, como informou o candidato em sua fala.

“De um lado [de São Paulo] IDH da Suécia, no outro IDH da Somália, dos países mais pobres do mundo.”

De acordo com dados de 2010 da Prefeitura de São Paulo — os últimos disponíveis — o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da subprefeitura de Pinheiros, que inclui os bairros Jardim Paulista, Alto de Pinheiros, Pinheiros e Itaim Bibi, era de 0,942. O número é um pouco maior do que o índice da Suécia — 0,910 em 2010, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas).

Já o menor IDH do município é o de Parelheiros, que era de 0,680 em 2010. Diferentemente do que alega Boulos, no entanto, o índice corresponde a quase o dobro do registrado pela Somália, que tinha um 0,380 de IDH em 2022 — único ano que teve dados coletados pela ONU.

“Se dependesse da pesquisa Datafolha, hoje o Ricardo Nunes nem estaria no segundo turno.”

A declaração de Boulos é enganosa, porque a pesquisa mais recente do Datafolha, divulgada na última sexta-feira (23), trouxe Boulos, Pablo Marçal (PRTB) e Ricardo Nunes (MDB) em empate técnico.

Segundo o levantamento, os candidatos têm atualmente 23%, 21% e 19% das intenções de voto, respectivamente. Considerando a margem de erro de três pontos percentuais, ainda não é possível apontar quem irá para o segundo turno.

“Ele próprio [Pablo Marçal é] condenado por fraude bancária, por golpe contra aposentado.”

A declaração é imprecisa, porque distorce o crime atribuído a Pablo Marçal (PRTB). O ex-coach foi condenado em 2010 por furto qualificado, e não fraude bancária. Considerado culpado por participar de um esquema que enviava mensagens infectadas com vírus para tentar roubar os dados bancários das vítimas, ele foi sentenciado a quatro anos de prisão, mas a pena prescreveu.

Segundo a sentença de condenação, Marçal usava um programa que criava as listas de emails para os quais os vírus seriam enviados e consertava os computadores da quadrilha — que precisavam ser formatados com frequência, já que também acabavam infectados.

Embora não seja possível excluir que aposentados tenham sido vítimas do golpe, as decisões da Justiça mencionam apenas os prejuízos que o esquema gerou aos bancos responsáveis pelas contas invadidas. Uma das decisões, por exemplo, explicita que a Caixa Econômica Federal precisou ressarcir os clientes que caíram no golpe.

Outro lado. Em nota, a assessoria do candidato disse que a condenação de Marçal por furto qualificado "se deu no contexto da prática de fraude bancária" e que é possível inferir que pessoas idosas foram alvo da quadrilha porque elas estão "entre as principais vítimas no Brasil".

“Você sabia que nós tivemos déficit no ano passado? Mesmo com orçamento gigante, o maior da história, esse prefeito conseguiu fazer déficit de R$ 5,5 bilhões.”

O dado citado por Boulos consta no Relatório Anual de Fiscalização do TCM (Tribunal de Contas do Município de São Paulo) de 2023 e, por isso, a declaração é VERDADEIRA.

De acordo com o documento, a prefeitura, sem considerar receitas intraorçamentárias, somou R$ 89,8 bilhões de arrecadação, contra R$ 95,2 bilhões de despesas. “Com isso, pela primeira vez nos últimos cinco anos, o resultado orçamentário foi negativo (déficit de R$ 5,4 bilhões)”, aponta o TCM.

“Ele [Ricardo Nunes] mantinha no ano até o ano passado um secretário de mudanças climáticas que era negacionista do aquecimento global.”

Boulos se refere ao ex-secretário do Clima da Prefeitura de São Paulo Antônio Fernando Pinheiro Pedro, que ficou no cargo entre junho de 2021 e julho de 2023.

Durante o Fórum Permanente sobre Mudanças Climáticas e Desastres Ambientais da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Pedro de fato negou a influência humana nas mudanças climáticas: “O planeta não será salvo por nós, ninguém salva o planeta Terra. Geralmente, ele se salva sozinho. Ele o faz há 4,3 bilhões de anos e muda o clima em todo esse período. Quando o planeta se salva, geralmente ele se livra do que está na superfície dele”.

Após a repercussão negativa da fala, Pedro foi demitido pela prefeitura. Na época, o ex-secretário disse que foi alvo de “difamação” e que não tentou diminuir a influência do ser humano nas mudanças climáticas do planeta.

O caminho da checagem

Ao longo do Roda Viva, a entrevista de Guilherme Boulos foi transcrita ao vivo com a ajuda do Escriba, ferramenta de transcrição automática desenvolvida pelo Aos Fatos. As declarações com informações verificáveis foram separadas e checadas pelos repórteres, com base em documentos públicos, pesquisas, levantamentos de órgãos oficiais e reportagens publicadas na imprensa.

Na manhã desta terça-feira (27), procuramos a assessoria de imprensa de Boulos via email e abrimos espaço para que o candidato comentasse as checagens.


Esta reportagem foi atualizada às 18h39 do dia 27 de agosto de 2024 para incluir o posicionamento do candidato Guilherme Boulos e as informações enviadas pela Secretaria Segurança de Segurança Urbana sobre ações de patrulhamento em escolas.

Esta reportagem foi atualizada às 12h15 do dia 28 de agosto de 2024 para incluir posicionamentos da equipe de Boulos em relação a outras duas checagens. Confira aqui a íntegra da nota.

Referências

  1. Leis Municipais de São Paulo
  2. Prefeitura de São Paulo (1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7)
  3. CNN Brasil (1 e 2)
  4. Ministério das Cidades
  5. EBC (1 e 2)
  6. ONU (1 e 2)
  7. Datafolha
  8. O Globo
  9. TRF1
  10. TCMSP
  11. Correio Braziliense
  12. Estadão (1 e 2)
  13. aqui

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