No Roda Viva, Marçal repete mentira sobre pagamentos por cortes e distorce promessas de adversários

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Em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda-feira (3), o candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) voltou a repetir a mentira de que não teria oferecido remuneração a seguidores que compartilhassem seus vídeos durante a pré-campanha. A prática, proibida pela Lei Eleitoral, motivou um pedido de suspensão de candidatura pelo MPE (Ministério Público Eleitoral) e uma decisão provisória de bloqueio de seus perfis nas redes.

Ao longo da sabatina, Marçal também citou dados errados sobre a população periférica da capital, omitiu as promessas de preservação ambiental presentes nos planos de governo de adversários e enganou ao mencionar uma suposta conversão de Guilherme Boulos (PSOL) à religião evangélica.

Veja abaixo, em resumo, o que checamos:

  1. Marçal mente ao afirmar que não pagou apoiadores que divulgaram seus vídeos durante a pré-campanha. Aos Fatos e outros veículos de imprensa documentaram provas que atestam que houve, sim, remuneração;
  2. Também não é verdade que o candidato seja o único que prometeu limpar os mananciais paulistanos. Os outros quatro principais postulantes à prefeitura também fizeram propostas semelhantes em seus planos de governo;
  3. Diferentemente do que afirmou Marçal, há 3,4 milhões de pessoas morando em favelas em todo o estado de São Paulo, e não apenas na capital;
  4. O candidato também deu uma declaração falsa ao dizer que Guilherme Boulos (PSOL) teria se convertido à religião evangélica na Assembleia de Deus. O psolista, na verdade, apenas participou de um encontro com representantes da igreja;
  5. Outro dado incorreto citado por Marçal foi o total de bancos em funcionamento nos Estados Unidos. Ele disse que havia 10 mil instituições do tipo no país, quando na verdade o número atual é próximo dos 4.000;
  6. O candidato também repetiu uma desinformação sobre o elevador da Torre Eiffel, em Paris, receber mais turistas estrangeiros do que todo o Brasil. Enquanto o monumento recebeu 5,2 milhões de turistas internacionais, o país recebeu 6 milhões em 2023;
  7. Marçal também distorceu uma fala de Lula (PT) para sugerir que o presidente teria desprezo por pessoas de renda mais alta;
  8. Por fim, o candidato citou um dado correto sobre o rombo fiscal: de fato, a soma do déficit do governo federal com os juros da dívida pública acumula mais de R$ 1 trilhão nos últimos 12 meses.

“Não configura porque não tem esse pagamento, né? Eu nunca deixei de falar e propagar isso. Só que dentro do período eleitoral tanto de pré-campanha e campanha, não houve pagamento.”

Marçal repete uma declaração FALSA já desmentida pelo Aos Fatos. Diferentemente do que alega o candidato, diversas reportagens publicadas pela imprensa atestam que sua equipe pagou, sim, pelos cortes de vídeos produzidos durante um campeonato ocorrido durante a pré-campanha. O caso fez com que o Ministério Público Eleitoral pedisse a suspensão da candidatura do ex-coach por suspeita de abuso de poder econômico.

Na disputa realizada entre 24 de junho e 7 de julho na comunidade Cortes do Marçal, no Discord, os participantes precisavam compartilhar vídeos do candidato acompanhados da hashtag #prefeitomarçal. Uma lista publicada no canal previa pagamentos entre R$ 50 e R$ 5.000, dependendo do número de visualizações ou volume de postagens (veja abaixo).

Lista divulgada na comunidade Cortes do Marçal, no Discord, anuncia prêmios entre R$ 500 e R$ 5.000 pela divulgação de vídeos do candidato
Comunidade Cortes do Marçal, no Discord, traz lista de prêmios oferecidos a seguidores que compartilharem conteúdo nas redes (Reprodução/Discord)

Aos Fatos também divulgou um áudio em que um funcionário de uma das empresas de Marçal, Jefferson Zantut, explicava que o pagamento pelos cortes era feito por uma prestadora de serviços. Em comentário sobre a reportagem publicado nas redes, um dos administradores da comunidade do Discord admitiu que houve pagamentos ilegais durante a pré-campanha.

Por fim, reportagem publicada pelo UOL no último dia 21 mostrou que o influenciador Daniel Sorriso postou em suas redes um comprovante de pagamento recebido pela divulgação de cortes de vídeos de Marçal.

“Eu sou o único candidato a falar nisso, não tem nenhum outro que está falando isso. Limpar os mananciais.”

A declaração é FALSA, porque a recuperação de mananciais consta em outros planos de governo dos principais candidatos à prefeitura:

  • O ponto 32 das metas de Guilherme Boulos (PSOL) traz a promessa de recuperar mananciais por meio da articulação entre agentes públicos e sociedade civil, o fortalecimento da fiscalização e a destinação de mais recursos ao Programa Mananciais. O objetivo seria “garantir a segurança hídrica, a qualidade dos mananciais, a readequação ambiental dos assentamentos existentes e a compatibilização de usos sustentáveis”;
  • Já o atual prefeito, Ricardo Nunes, prometeu integrar o “desenvolvimento das Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais (APRM) com habitação social, lazer e empregos verdes” e atuar nos assentamentos das represas Billings e Guarapiranga;
  • Tabata Amaral (PSB) também prometeu “fortalecer as ações de proteção e regeneração das áreas de mananciais da cidade, fundamentais para abastecimento de água e sustentabilidade ambiental”, por meio de ações que envolvam soluções habitacionais, políticas de pagamento por serviços ambientais e incentivos à preservação;
  • Por fim, consta no plano de governo de José Luiz Datena (PSDB) a promessa de atuar em parceria com a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) para conservar a qualidade das águas e dos mananciais, e de ampliar e fortalecer o programa Córrego Limpo, despoluir corpos d’água, e implantar barreiras coletoras de resíduos sólidos nos córregos da cidade.

Já Marçal promete, no ponto 42 de seu plano de governo, “limpar definitivamente o Tietê, implementando tecnologias de pronta para a remoção de poluentes e tratamento das águas” e evitar que lixo e esgoto sejam despejados nos rios transformando “os resíduos em riqueza por meio do biosaneamento”.

“Deve ter de 3,5 milhões a 4 milhões de pessoas em situação de periferia, favela e comunidade [na capital paulista].”

A declaração é FALSA, porque os dados citados pelo candidato dizem respeito a todo o estado de São Paulo, e não apenas à capital. De acordo com levantamento publicado em 2023 pelo Data Favela em parceria com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), havia 3,4 milhões de pessoas vivendo em favelas e comunidades no estado paulista.

Aos Fatos não encontrou estudos que estimem o total de moradores que ocupam zonas periféricas na capital. Os dados mais próximos disponíveis são do Mapa da Desigualdade 2023, que mostra que cerca de 6,7% das residências estão na periferia. Cruzando esse número com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2022, que apontam a existência de 4.996.495 domicílios na cidade, haveria cerca de 334 mil domicílios em favelas e comunidades.

“Alguém [Boulos] que agora se converteu na Assembleia de Deus.”

Conforme destacado pela apresentadora Vera Magalhães durante o programa, a declaração de Marçal de que Guilherme Boulos (PSOL) teria se convertido à religião evangélica para fins eleitorais é FALSA. Aos Fatos não encontrou registro de que o psolista tenha declarado algo semelhante ou participado de cultos na Assembleia de Deus, por exemplo.

O candidato, na verdade, apenas participou de um encontro em São Paulo no final de agosto com representantes de igrejas como Aviamento, Universal e Assembleia de Deus. Na reunião, Boulos chamou Marçal e o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), de “falsos profetas”.

Print de vídeo mostra Boulos na frente de plateia; ao fundo, um cartaz com o letreiro “Encontro de Evangélicos com Boulos e Marta”
Encontro com evangélicos ligados à esquerda foi organizado com a ajuda do deputado Paulo Fiorilo (PT) (Reprodução/CBN)

“Os Estados Unidos têm 10 mil bancos aproximadamente.”

De acordo com os dados mais recentes do FDIC (Corporação Federal de Seguro de Depósito, em português), de 2023, os Estados Unidos possuem 4.036 bancos e, por isso, a declaração de Marçal foi considerada FALSA.

O país chegou a ter cerca de 30 mil bancos durante a década de 1920, mas o número caiu com o passar do tempo. O último ano em que foram registradas mais de 10 mil instituições financeiras foi 1994.

“O Brasil perde em turismo pra um elevador na França. O elevador da Torre Eiffel. Aqui tem menos turista internacional, tá? Do que o elevador da Torre Eiffel.”

Marçal repetiu um dado FALSO que já havia citado durante o debate da Band, no dia 8 de agosto. Diferentemente do que afirma o candidato, o elevador da Torre Eiffel não recebe mais turistas internacionais do que o Brasil.

Em 2023, o monumento francês foi visitado por 6,3 milhões de pessoas — 1,1 milhão de franceses e 5,2 milhões de estrangeiros. Os dados, no entanto, se referem ao total de visitantes do ponto turístico como um todo, e não apenas àqueles que usaram o elevador. Em contrapartida, o Brasil recebeu aproximadamente 6 milhões de visitantes internacionais no mesmo ano.

“A esquerda odeia que você entenda de dinheiro porque o próprio presidente Lula falou que quem ganha mais de R$ 4.000 não vota nesse tipo de partido.”

Marçal se refere a uma declaração do presidente Lula (PT) feita durante uma convenção do partido em 8 de dezembro de 2023. Diferentemente do que sugere o candidato, no entanto, o petista não demonstrou desprezo por pessoas com renda mais alta. Ele, na verdade, fez referência a uma pesquisa de opinião para criticar a dificuldade do próprio partido de dialogar com pessoas das classes média e alta.

A fala, na íntegra, foi:

“Quem vota majoritariamente no PT são pessoas que ganham até dois salários mínimos. Um metalúrgico de São Bernardo, que ganha R$ 8.000, já não quer mais votar na gente. Pega a pesquisa e vocês percebem que quem ganha acima de cinco salários mínimos já tem dificuldade de votar na gente. É por que essa pessoa ficou ruim? Não, é porque possivelmente essa pessoa elevou um milímetro padrão de vida dela, de aprendizado dela e nós não aprendemos a conversar com ela.”

“A gente tem que olhar o rombo de um trilhão que o Lula produziu nesses últimos dois anos.”

Marçal se refere ao rombo fiscal do setor público que, de fato, ultrapassou R$ 1 trilhão. Segundo relatório do Banco Central, o resultado nominal acumulado nos últimos 12 meses (entre agosto de 2023 e julho de 2024) foi de R$ 1,128 trilhão. Esse resultado é obtido pela soma do déficit do governo central (R$ 269 bilhões) com os juros da dívida pública (R$ 869,8 bilhões).

Desde que Lula assumiu seu terceiro mandato, portanto, o déficit do setor público cresceu. Ao final de 2022, o Banco Central calculou que o governo estava deficitário em R$ 460,4 bilhões no acumulado dos últimos 12 meses.


Outro lado. Procurada no início da tarde desta terça-feira (3), a assessoria de Marçal não respondeu o Aos Fatos.

O caminho da apuração

Durante a exibição do Roda Viva, na noite da última segunda-feira (2), Aos Fatos transcreveu as declarações de Pablo Marçal com a ajuda do Escriba, ferramenta de transcrição automática. As declarações com informações verificáveis foram separadas e checadas pelos repórteres, com base em documentos públicos, pesquisas, levantamentos de órgãos oficiais e reportagens publicadas na imprensa.

Na início da tarde desta terça-feira (3), procuramos a assessoria de imprensa de Marçal por email e abrimos espaço para que o candidato comentasse as checagens.

Referências

  1. CNN Brasil (1 e 2)
  2. g1
  3. UOL (1, 2, 3 e 4)
  4. Aos Fatos (1, 2, 3 e 4)
  5. TSE (1, 2, 3, 4 e 5)
  6. Metrópoles
  7. Nossa São Paulo
  8. IBGE
  9. O Globo
  10. FDIC
  11. NPR
  12. EBC
  13. BC (1 e 2)

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