Em entrevista ao Flow Podcast, o candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, mentiu ao dizer que nunca remunerou seguidores nem fez campeonatos de cortes em suas redes — práticas proibidas pela Justiça Eleitoral e que motivaram uma decisão provisória determinando a suspensão das redes dele.
Marçal também voltou a distorcer dados sobre o processo criminal em que foi condenado por furto qualificado, como integrante de uma quadrilha de fraudes bancárias. O candidato disse que apenas consertava os computadores do grupo, mas a sentença mostra provas de que ele sabia como operava o esquema. A condenação é de 2010 e prescreveu sem que ele tenha sido preso.
O candidato do PRTB enganou ao afirmar que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi o único em que não houve aumento de impostos. Aos Fatos identificou iniciativas de redução de tributos em outros governos.
A entrevista durou mais de três horas, e o vídeo ultrapassa 2,3 milhões de visualizações no YouTube.
A seguir, um resumo do que checamos:
- É FALSO que Marçal não pagou seguidores para produzirem cortes de seus vídeos. Diversas provas de que os pagamentos ocorreram foram documentadas pela imprensa. Para a Justiça Eleitoral, não faz diferença se os pagamentos ocorreram na pré-campanha ou na campanha. Em outra entrevista, Marçal afirmou que há “garotos de 18 anos ganhando R$ 400 mil com os meus cortes”.
- É FALSO que Marçal era apenas o encarregado de consertar os computadores de quadrilha que atuava praticando fraudes bancárias. O processo mostra que ele tinha tarefas específicas no grupo.
- É FALSO que Bolsonaro foi o único presidente brasileiro que não subiu impostos. Houve iniciativas de redução tarifária em outros governos.
- É FALSO que mais de 30% da cidade de São Paulo tem problemas de saneamento básico. Pelos dados oficiais disponíveis, só 0,71¨% da população não tem acesso ao abastecimento de água, e só 2,69% não têm esgoto.
- É FALSO que beneficiários do Bolsa Família não podem ter renda. Há um limite para a renda per capita da família, e o beneficiário precisa cumprir outros critérios.
- É VERDADEIRO que existem cerca de 2,2 milhões de empresas na capital paulista, pelos dados atualizados até junho deste ano do CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica).
“Eu não pago [pelos cortes], não. [Foi] antes da eleição, isso é aberto para todo mundo. Na eleição e na pré-campanha, zero. Eu não coloquei [dinheiro]. Zero. Eu sei que o que derruba um rico na eleição é abuso de poder econômico. Estão querendo emplacar e eu não fiz, tanto é que não tem prova. Foi uma reportagem que eles pegaram. Não tem nada, o comprovante.”
Marçal faz referência a uma competição promovida por sua equipe durante a pré-campanha no Discord para disseminar cortes de suas entrevistas acompanhadas da #prefeitomarçal. Reportagens publicadas pelo Aos Fatos e por outros veículos de imprensa mostram que é FALSO que não houve pagamento aos vencedores do campeonato.
Em 18 de julho, o Aos Fatos mostrou que a Comunidade Cortes do Marçal prometia prêmios de até R$ 5.000 aos usuários que conseguissem mais visualizações ao compartilharem vídeos do então pré-candidato (veja abaixo). A reportagem cita uma entrevista em que o ex-coach afirma que “tem garotos de 18 anos ganhando R$ 400 mil com os meus cortes”.
Um mês depois, em 20 de agosto, Aos Fatos publicou um áudio em que um funcionário de uma das empresas de Marçal, Jefferson Zantut, explicava que o pagamento pelos cortes era feito por uma prestadora de serviços. Em comentário sobre a reportagem publicado nas redes, um dos administradores da comunidade do Discord admitiu que houve pagamentos ilegais durante a pré-campanha.
Por fim, reportagem publicada pelo UOL no último dia 21 mostrou que o influenciador Daniel Sorriso postou em suas redes um comprovante de pagamento recebido pela divulgação de cortes de vídeos de Marçal. Dias antes, o Ministério Público Eleitoral havia pedido a suspensão da candidatura do ex-coach por conta do caso. A suspeita é que ele tenha cometido abuso de poder econômico.
“Ali era uma relação de trabalho. Os computadores ficavam em alguns ambientes, ele me ligava ‘parou de funcionar’, eu ia, desligava os cabos, limpava a memória, colocava o computador para funcionar, abria um programa e deixava aberto, ele fazia acesso remoto, e eu ia embora. Eu não ficava o tempo inteiro. Por R$ 350 tomei um processo de 13 anos e tenho que ficar ouvindo que sou ladrão por isso.”
A declaração é FALSA, porque, embora Marçal fosse encarregado principalmente da manutenção dos computadores da quadrilha, há provas de que ele sabia qual o esquema operado pelos criminosos. Além disso, segundo depoimento de um dos policiais, a assistência técnica não era uma função lateral na atividade. O agora candidato foi condenado a quatro anos de prisão em 2010 por furto qualificado, mas a sentença prescreveu.
No esquema, a quadrilha enviava mensagens infectadas com vírus para tentar roubar os dados bancários das vítimas. Como os computadores dos criminosos também acabavam contaminados no processo, a função de Marçal era formatá-los para que continuassem funcionando.
A sentença de condenação também traz depoimentos em que outros membros da quadrilha afirmam que o agora candidato fazia a captação de listas de emails para onde seriam enviados os vírus. A informação é corroborada pela transcrição de escutas telefônicas dos investigados.
Um áudio obtido pela PF na época e divulgado pelo Globo mostra que Marçal conversou com um dos membros da quadrilha sobre a entrega de listas de emails. Em depoimento, o líder do grupo criminoso teria dito que o ex-coach atuava, sim, na captação das contas, apesar de não saber para qual finalidade seriam usadas.
Apesar de ter alegado em sua defesa na época que achava que os emails eram usados para distribuir propaganda para um médico, Marçal entrou em contradição mais tarde ao mencionar que um dos criminosos do banco teria tido acesso a "todas as contas bancárias que seriam fraudadas”.
“Isso, dependendo de gostar do Bolsonaro ou não, foi o melhor governo do Brasil até hoje. O único que baixou imposto.”
É FALSO que o governo Bolsonaro tenha sido o único a diminuir impostos no Brasil. Aos Fatos identificou iniciativas de redução na carga tributária nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
- Em janeiro de 2000, por exemplo, a gestão FHC reduziu de 9% para 6% a alíquota de importação de petróleo e derivados para cumprir um acordo feito no âmbito do Mercosul.
- Reduções nos impostos sobre os combustíveis também ocorreram nas gestões de Dilma Rousseff, quando houve diminuição na Cide, e de Michel Temer, que reduziu por dois meses o PIS/Cofins sobre o óleo diesel.
- Além disso, houve redução no IPI nos governos FHC, Lula e Dilma; diminuição em impostos de importação e desoneração de produtos da cesta básica na gestão Dilma; e redução temporária das alíquotas sobre remessas ao exterior no mandato de Temer.
As reduções de impostos realizadas durante o governo Bolsonaro também não foram suficientes para reduzir a carga tributária do país — relação entre tributos recolhidos e PIB (Produto Interno Bruto). No último ano de seu mandato, em 2022, o índice foi de 22,41% do PIB, um pouco acima do índice de 2018 (22% do PIB), quando Bolsonaro assumiu a presidência.
A alegação falsa foi repetida nove vezes por Jair Bolsonaro durante seu mandato de presidente, segundo agregador de declarações do ex-presidente mantido pelo Aos Fatos.
“Mais de 30% da cidade está com problema de saneamento básico.”
Não é verdade que mais de 30% da cidade de São Paulo tem problema de saneamento básico, como afirmado por Pablo Marçal. Dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações de Saneamento), ano base 2022 — o último disponível — mostram que apenas 0,71% dos paulistanos não têm acesso à água, 2,69% a coleta de esgoto, e 1,73% a coleta de lixo domiciliar.
Ainda segundo o SNIS, o menor percentual de esgotamento sanitário da capital paulista é o índice de esgoto tratado referido à água consumida. Nesse quesito, que expressa o percentual do volume de esgoto submetido a tratamento em relação ao volume de esgoto gerado, a capital paulista tem um percentual de 73,08%.
A cidade de São Paulo ocupa o sétimo lugar entre as cem cidades mais populosas com o melhor saneamento básico do Brasil, de acordo com o ranking criado pelo Instituto Trata Brasil.
“O Bolsonaro foi orientado a dar o Bolsa Família e deixar a pessoa ter uma outra renda. O Lula chegou e já cortou. Se tiver Bolsa Família, não pode ter renda.”
A declaração de Marçal é FALSA, porque desde a primeira versão do Bolsa Família os beneficiários que conseguissem emprego com carteira assinada não necessariamente perdiam o direito ao auxílio. O que define o direito ao benefício é o total da renda per capita da família. Mesmo com um aumento de renda, os beneficiários podem ficar no programa, desde que cumpram com os requisitos pré-estabelecidos pelo governo federal.
Em 2010, por exemplo, a família que, de forma voluntária, atualizasse seus dados cadastrais e passasse a apresentar renda per capita superior aos limites de renda do programa, desde que inferior a meio salário mínimo — o equivalente a R$ 205 naquele ano — poderia continuar a receber o benefício por até dois anos.
O Auxílio Brasil, criado no governo Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, possuía regra semelhante. As famílias que tivessem uma renda mensal per capita que ultrapassasse a linha da pobreza — estabelecida na época em R$ 210 — também recebiam o benefício por mais dois anos. O pagamento era suspenso caso os valores superassem essa linha em duas vezes e meia.
Já o novo Bolsa Família, estabelecido a partir de 2023, introduziu um mecanismo denominado “Regra de Proteção” para famílias que tiverem um aumento da renda mensal acima da linha de pobreza — reajustada para R$ 218.
A “Regra de Proteção” permite que famílias que elevam a renda para até meio salário mínimo mensal (atualmente R$ 706) por integrante, de qualquer idade, passem a receber 50% do valor regular do Bolsa Família, por um período de até dois anos. Se a família perder a renda depois dos dois anos, ou tiver pedido para sair do programa, ela tem direito ao Retorno Garantido, e o benefício volta a ser pago.
Temos 2,2 milhões de empresas aproximadamente na cidade de São Paulo.
Dados do CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) atualizados até junho de 2024 mostram que há 2.129.935 empresas ativas na capital paulista, sendo 1.001.416 na formatação jurídica MEI (Microempreendedor Individual).
Outro lado. Aos Fatos procurou a assessoria de Marçal para que ele pudesse comentar as checagens, mas não recebeu resposta até a publicação do texto.
O caminho da apuração
Aos Fatos acompanhou a entrevista de Pablo Marçal ao Flow Podcast ao vivo na noite da última quarta-feira (28). Enquanto um dos editores selecionava declarações checáveis, um repórter verificava as informações a partir de bases públicas de dados, afirmações anteriores do candidato e reportagens.
Na manhã desta quinta-feira (29), a equipe revisou toda a apuração da noite anterior e complementou as checagens com informações adicionais.
Aos Fatos também procurou a assessoria de imprensa do candidato via mensagem de WhatsApp para que pudessem comentar as checagens.