O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursou na tarde desta quarta-feira (10) pela primeira vez após a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin que anulou na segunda-feira (8) todas as condenações do petista no âmbito da Operação Lava Jato.
Na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), falou por cerca de 1h30, e o Aos Fatos checou algumas de suas declarações. Veja abaixo o que verificamos.
- É falso que Lula nunca falou em privatização, pois durante suas gestões houve concessões e leilões de empresas e patrimônios públicos. O Banco do Estado do Maranhão e o Banco do Estado do Ceará, por exemplo, tinham sido federalizados e foram vendidos em 2004 e 2005, respectivamente.
- Não é verdade que a indústria automobilística vendia 4 milhões de carros em 2008 e agora vende 2 milhões. Segundo a Anfavea, foram vendidos 2.820.354 veículos, entre carros, comerciais leves, caminhões e ônibus, em 2008. Considerando apenas carros, foram 2.341.304 unidades. Em 2020, foram vendidos 2.058.437 veículos, sendo 1.615.942 carros.
- O ministro do STF Edson Fachin anulou as condenações de Lula no âmbito da Lava Jato por considerar que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o órgão competente para julgar as ações penais contra o ex-presidente. Agora, o caso deve ser julgado pela Justiça do Distrito Federal. Portanto, não é verdade que o ministro reconheceu que Lula nunca cometeu crimes, como disse o petista.
- Também é falso que o Brasil começou a importar gasolina e diesel dos Estados Unidos recentemente. Apesar de haver aumento na importação desde 2017, a compra do combustível no exterior já era realizada durante o governo petista.
- Segundo Lula, o Planalto não tinha um avião presidencial até o seu governo. Mas, como ele mesmo comentou no decorrer do próprio discurso, havia uma aeronave de uso da Presidência, ainda que fosse velha e apresentasse problemas. O chamado “Sucatão” foi substituído em 2005 com a chegada da nova aeronave comprada por Lula no ano anterior.
- Não é verdade que Lula foi o presidente que mais investiu no Exército, como afirmou no discurso. O painel que monitora o Orçamento Federal desde o ano 2000 mostra que a declaração é falsa, seja em valores gastos em um ano, seja em relação ao montante total dos mandatos.
- É verdade que a Justiça negou pedidos de Lula para ir ao enterro de seu irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, que morreu em 2019, quando o petista ainda estava preso. Somente após recursos, o STF autorizou que o caixão fosse levado a uma unidade das Forças Armadas para que o ex-presidente pudesse se despedir do irmão. Entretanto, Lula não aceitou a condição.
- De fato, a Petrobras foi considerada a quarta maior empresa de energia do mundo, segundo um ranking da agência Platts em 2010, durante a gestão de Dilma Rousseff. No ano anterior, a instituição ocupava a sexta posição.
- Também é verdade que a campanha de vacinação contra a H1N1 realizada no último mandato de Lula imunizou mais de 80 milhões de pessoas entre março e junho de 2010.
Vocês nunca ouviram da minha boca falar em privatização.
A declaração é FALSA porque, durante o governo Lula, houve sim concessões e leilões de empresas e patrimônio público. Segundo o histórico do PND (Programa Nacional de Desestatizações), programa instituído em 1990, entre 2003 e 2011, a União vendeu usinas hidrelétricas, bancos e aeroportos.
São exemplos de privatizações feitas durante o governo Lula o Banco do Estado do Maranhão (vendido em 2004), o Banco do Estado do Ceará (vendido em 2005). Apesar de originalmente estaduais, os dois bancos tinham sido federalizados, ou seja, passaram para a gestão do Banco Central em 2000 e 1999, respectivamente.
Durante o governo Lula também foi concedida à iniciativa privada a administração de 2,6 mil quilômetros de rodovias federais por 25 anos. O leilão dos sete trechos foi realizado em outubro de 2007.
É fato, no entanto, que Lula já se posicionou diversas vezes contra a política de privatizações, inclusive do atual governo, que ele considera que “só pensa em vender coisas que não são deles, são do povo brasileiro”. No plano de governo de Lula para as eleições de 2018 —que acabou não podendo disputar— uma das bandeiras era “conter a privatização e a precarização no serviço público”. O documento prometia interromper essas concessões e adotar iniciativas para recuperar o pré-sal, o sistema de partilha e a capacidade de investimento da Petrobras e demais empresas do Estado.
Outro lado. Segundo a assessoria do ex-presidente afirmou, em nota enviada por WhatsApp, concessão é diferente de privatização, e o governo finalizou a venda de bancos estaduais iniciada pelo governo anterior.
Em 2008, a indústria automobilística vendia 4 milhões de carros, hoje, 13 anos depois, vende 2 milhões.
Segundo dados da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) foram vendidos 2.820.354 veículos, entre carros, comerciais leves, caminhões e ônibus, em 2008. Considerando apenas o número de carros foram vendidos 2.341.304 unidades. Os números correspondem a quase metade do número mencionado pelo ex-presidente. Por isso, a declaração foi considerada FALSA.
Já em 2020, diante da pandemia de Covid-19, foram vendidos 2.058.437 veículos, sendo 1.615.942 carros. Em 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro, pré-pandemia, a indústria automotiva vendeu 2.787.850 veículos, 2.262.069 deles, carros.
Ao compararmos o número de venda de automóveis, que foi citado por Lula, a diferença entre 2008 e 2020 é de aproximadamente 4%, e não 50%.
Outro lado. A assessoria de Lula disse que "houve um equívoco no ano, o número que falou é de 2013".
Esse dia chegou com o voto do Fachin, de reconhecer que nunca teve crime cometido por mim, de reconhecer que nunca teve envolvimento meu com a Petrobras.
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin não determinou se Lula cometeu crimes ou não nos processos que responde no âmbito da Operação Lava Jato. Na verdade, a decisão do magistrado foi que a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba não era o juízo competente para processar e julgar o caso do ex-presidente e, por isso, as condenações imputadas a ele foram anuladas. De acordo com a decisão de Fachin, esse julgamento caberá à Justiça Federal do Distrito Federal. Até o momento, não foi definido qual juiz será responsável pelos casos.
Segundo nota divulgada em 8 de março pelo gabinete do magistrado, casos que não tinham relação com os desvios que envolvem a Petrobras foram retirados do julgamento 13ª Vara Federal. Os supostos atos ilícitos de Lula, como cita a nota, se enquadram neste quesito por não envolverem diretamente a empresa.
Outro lado. De acordo com a assessoria de Lula, "Fachin anulou as condenações, não há crime. Quando não se determina se é inocente ou não, a pessoa é inocente".
A gente fez as nossas refinarias serem padrão mundial e a gente agora tá importando gasolina dos EUA e óleo diesel dos EUA. Não tem lógica.
Ainda que o volume de gasolina e diesel importado dos EUA tenha crescido desde 2017, é FALSO insinuar que essa compra passou a ocorrer só agora. Dados dos Anuários Estatísticos da ANP (Agência Nacional de Petróleo), que detalham a importação dos derivados do petróleo, mostram que o Brasil vinha importando os combustíveis desde quando o PT estava no poder (veja gráfico abaixo).
A importação de gasolina no período entre 2001 e 2010 não está detalhada por origem nos documentos, mas os anuários mostram que ela não era tão comum no período: a média foi de 101,5 mil m³ por ano. Em 2001 e 2009 não foi registrada nenhuma importação do combustível.
Outro lado. A assessoria do petista disse apenas que, como o Aos Fatos informou, as importações têm aumentado.
Não tinha avião presidencial. Decidi comprar um avião.
Lula disse que o país não possuía um avião presidencial antes de seu governo, o que não é verdade. Em sua própria fala no evento, o ex-presidente fez referência a problemas na aeronave que a Presidência utilizava na época, o Boeing 707 (KC-137), apelidado de “Sucatão”.
Usado como avião oficial de presidentes brasileiros entre 1986 e 2005, o Boeing era considerado obsoleto pelas Forças Armadas e tinha dificuldades para pousar em aeroportos com regras rígidas.
O que Lula fez foi comprar um novo avião, em 2004. Batizado de “Santos Dumont”, mas apelidado de “Aerolula”, o Airbus A319 custou US$ 56,7 milhões aos cofres públicos à época — algo que gerou críticas do Congresso. Em uso até hoje, o avião tem capacidade para 55 passageiros e vida útil estimada em até 30 anos.
Embora fosse parte da FAB (Força Aérea Brasileira), o “Sucatão” era usado somente como avião presidencial, mas após ser substituído passou a ser usado em missões militares até a aposentadoria oficial em 2013.
Outro lado. Segundo a assessoria do ex-presidente, afirmar que “não tinha avião presidencial” era uma figura de linguagem, porque o avião que existia era "muito ruim".
Nunca teve um presidente que investisse no Exército como eu investi.
A declaração é FALSA. Segundo os dados do SIOP (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento) disponibilizados desde 2000, Lula não foi o presidente que fez mais investimentos no Exército, seja em valores gastos em um ano, seja em relação ao montante total dos mandatos.
Como é possível verificar no gráfico abaixo, o ano com mais investimentos foi 2012, quando a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) estava no poder e foram gastos R$ 952 milhões. O primeiro mandato da petista também totalizou o maior investimento com o Exército: R$ 3,2 bilhões entre 2011 e 2014.
Mesmo se considerarmos todos os oito anos dos dois mandatos de Lula, que totalizou um montante de R$ 2,9 bilhões investidos, ele ainda não supera o investimento dos seis anos de Dilma: R$ 4,1 bilhões.
Aos Fatos levou em consideração os valores pagos em investimentos no Comando do Exército e no Fundo do Exército desde 2002. As cifras foram corrigidas segundo o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de janeiro de 2021.
Outro lado. A assessoria do ex-presidente não comentou sobre esta checagem.
Eu fui proibido de visitar meu irmão dentro de um caixão.
De fato, duas instâncias da Justiça negaram o pedido de Lula de saída temporária da prisão para ir ao enterro de seu irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, que morreu no dia 29 de janeiro de 2019. Após recursos apresentados pela defesa do petista, o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou o ex-presidente a se encontrar com familiares e se despedir do irmão, desde que o caixão fosse levado a uma unidade das Forças Armadas na região. Lula decidiu não ir à cidade sob essas condições.
Preso desde abril do ano anterior em Curitiba, Lula não obteve autorização da Justiça em primeira instância para participar da cerimônia. O pedido de saída temporária foi negado pela juíza Carolina Lebbos, da Justiça Federal de Curitiba, e um recurso da defesa de Lula também foi rejeitado pelo desembargador Leandro Paulsen, do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª região).
Um segundo apelo da defesa foi aceito pelo ministro Dias Toffoli, do STF, que autorizou a ida do ex-presidente a São Bernardo com a condição de que o caixão de Vavá fosse levado a uma unidade militar. Ao invés de acompanhar o sepultamento, Lula poderia, segundo o habeas corpus, apenas se reunir com familiares diante do caixão dentro de uma instalação paulista das Forças Armadas. Lula agradeceu a Toffoli mas decidiu não ir a São Bernardo do Campo mediante as condições impostas pelo magistrado.
No nosso governo, a Petrobras se tornou a quarta maior empresa de energia do mundo.
Em um ranking das 250 principais empresas globais de energia divulgado pela agência Platts, uma das líderes mundiais em informações sobre energia e commodities, em 2010, ainda na gestão de Dilma Rousseff (PT), a Petrobras apareceu como a quarta maior empresa de energia do mundo, e também foi a única empresa latino-americana listada entre as dez primeiras. No ano anterior a estatal ocupava o sexto lugar.
Ainda naquele ano, uma avaliação da consultoria PFC Energy, uma consultoria de energia com atuação em empresas e governos em todo o mundo, também colocou a Petrobras em quarto lugar em um ranking das 50 maiores empresas de energia do mundo. A consultoria destacou também o rápido crescimento da companhia, que saiu da 23ª colocação para o quarto lugar, em apenas oito anos.
Eu era presidente da República, a gente vacinou 83 milhões de brasileiros [contra H1N1] em três meses.
A declaração é VERDADEIRA. A campanha de vacinação contra a H1N1 foi iniciada no dia 8 de março de 2010 e, no dia 17 de junho, já havia imunizado 81 milhões de pessoas.
Segundo o Ministério da Saúde, o vírus chegou ao Brasil em maio de 2009 e vitimou o primeiro brasileiro no dia 28 de junho daquele ano, em Erechim (RS). Até dezembro, foram confirmados 50.482 casos da infecção do H1N1, e 2.060 pessoas morreram em decorrência dela.
Um ano depois, os registros caíram para 9.385 casos e 113 óbitos. Uma análise da pasta divulgada em julho de 2010 considerou que a diminuição dos números estava relacionada à vacinação.