Em entrevista coletiva no Japão, no domingo (21), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou argumentos enganosos para minimizar os possíveis impactos ambientais decorrentes da exploração de petróleo na costa do Amapá. Ao afirmar que a perfuração proposta pela Petrobras não causaria problemas por conta da distância até a Amazônia, Lula ignorou que a exploração pode impactar biomas e afetar indígenas que vivem nas proximidades.
Essa, no entanto, não foi a única vez que o presidente se municiou de desinformação durante as recentes viagens ao exterior. Em Portugal, por exemplo, Lula enganou ao afirmar que nunca equiparou as responsabilidades de Rússia e Ucrânia na guerra que teve início em fevereiro do ano passado. Já na Espanha, a fim de defender Dilma Rousseff (PT), ele subestimou a taxa de desemprego brasileira durante o governo dela.
Em cinco meses de mandato e com a política externa resumida sob o mote “o Brasil voltou”, Lula já visitou nove países. Ele havia ido ao exterior antes mesmo de tomar posse, quando participou da COP27 no Egito, para onde viajou no avião do empresário José Seripieri, dono da empresa QSaúde.
Há ao menos outras três viagens internacionais na agenda de Lula para este ano: a reunião dos Brics, na África do Sul, a conferência da ONU, nos Estados Unidos, e o encontro do G20, na Índia.
O Aos Fatos checou uma série de declarações dadas pelo presidente da República desde abril durante viagens internacionais. Confira abaixo um resumo do que verificamos:
- A distância entre o poço de exploração de petróleo proposto pela Petrobras e a Amazônia não é de 500 km, como afirmou o presidente, e sua perfuração pode afetar outros biomas e regiões além da floresta;
- Lula sugeriu em ao menos três declarações públicas que os presidentes Vladimir Putin, da Rússia, e Volodimir Zelenski, da Ucrânia, seriam igualmente culpados pela guerra — ao contrário do que disse em Portugal, ao negar esse posicionamento;
- Também não é verdade que a taxa de desemprego era de 4,3% quando Dilma Rousseff (PT) deixou o governo;
- Lula inflou os dados de exportação de manufaturados para a Argentina;
- Ao afirmar que 80% da energia brasileira é limpa, o presidente confundiu matriz energética, que inclui o consumo de combustíveis e outras fontes, e matriz elétrica, que diz respeito apenas à geração de eletricidade.
“Se explorar esse petróleo tiver problemas para a Amazônia, certamente não será explorado. Mas eu acho difícil, porque é a 530 km de distância da Amazônia” — entrevista coletiva no Japão, 21.mai.2023.
Lula não só aumenta a distância entre o poço proposto pela Petrobras na costa do Amapá e a Amazônia como também ignora que o bioma não é o único local que pode sofrer consequências com a construção de uma nova base ou em caso de um possível acidente ou vazamento de petróleo.
O poço FZA-M-59 fica a cerca de 500 km da bacia da foz do rio Amazonas, mas está mais próximo da floresta amazônica (veja abaixo).
Conforme apontado pelo parecer do Ibama e pelo relatório do presidente da instituição, Rodrigo Agostinho, a atividade de perfuração proposta está localizada a cerca de 170 km da costa de Oiapoque (AP), município que fica na extremidade norte do Brasil e faz divisa com a Guiana Francesa, e do Parque Nacional do Cabo Orange, uma unidade de conservação de Proteção Integral e zona de ocorrência dos biomas Marinho Costeiro e Amazônico.
Em um eventual vazamento, o óleo poderia, portanto, chegar à costa: “Esse litoral é de alta sensibilidade ambiental, incluindo áreas de manguezal, áreas úmidas e áreas de restinga (...)”, apontou o relatório do Ibama.
O órgão ambiental também atenta para o fato de que a perfuração pode prejudicar o próprio ecossistema marinho do local e os territórios indígenas localizados na região. Documentos divulgados pelo Ibama e ambientalistas consultados pelo Aos Fatos indicam que:
- A área do bloco FZA-M-59 está localizada numa bacia sedimentar com alto nível de sensibilidade ambiental e alta biodiversidade — a região abriga o Grande Sistema de Recifes do Amazonas e a maior zona contínua de manguezais do mundo;
- Boa parte da fauna sequer é conhecida: em 2016, por exemplo, um estudo publicado na Science encontrou novas espécies de corais no local;
- Como o projeto prevê um aumento de 3.000% no número de voos na região, é esperado que os sobrevoos sobre as terras indígenas causem impactos nas comunidades e no equilíbrio do ecossistema, uma vez que os ruídos afugentam animais;
- O processo de perfuração causa abalos sísmicos que podem influenciar a vida marinha — principalmente de animais maiores e que se comunicam via sonar — e atrapalhar as atividades de pesca;
- Por fim, é possível que um eventual vazamento atinja águas da Guiana Francesa e de outros países da costa sul-americana, o que tornaria necessária uma articulação internacional para planejamento de contingência de acidentes.
Agostinho explicou que a negativa se deu porque o pedido da Petrobras, do ponto de vista técnico, era falho. Ressaltou também que a estatal precisa realizar uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar para as bacias sedimentares que ainda não contam com tais estudos e que, mais tarde, poderá apresentar novas propostas para avaliação.
Em nota divulgada em seu site oficial, a Petrobras afirmou ter ficado surpresa com a rejeição do pedido, porque teria atendido “rigorosamente todos os requisitos do processo de licenciamento”. A estatal disse ainda que pretende “exercer o direito de pedir reconsideração em âmbito administrativo”.
Na terça-feira (23), a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), afirmou que o governo federal vai respeitar a decisão do Ibama e negar a perfuração proposta pela estatal.
“Eu nunca igualei os dois países [Rússia e Ucrânia] porque eu sei o que é invasão, eu sei o que é integridade territorial” — encontro bilateral com o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, 24.abr.2023.
Ao negar ter igualado a responsabilidade da Rússia e da Ucrânia no conflito que se estende desde fevereiro de 2022, Lula omite ao menos três declarações públicas nais quais sugeriu que os presidentes de ambas as nações, Vladimir Putin e Volodimir Zelenski, seriam culpados tanto por iniciar a guerra quanto por continuar com ela.
- Em maio de 2022, Lula disse à revista Time que “esse cara [Zelenski] é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado”.
- Após reunião com o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, em janeiro de 2023, o petista afirmou que a Rússia cometeu um erro “clássico” ao invadir o território de um país, mas que ainda pensava que “quando um não quer, dois não brigam”.
- Outra declaração que nivela a responsabilidade dos dois países foi feita em 16 de abril, quando o presidente estava em Abu Dhabi. Na ocasião, ele disse que tanto Putin quanto Zelenski não tomavam a iniciativa para tentar dar um fim ao conflito e que “a decisão da guerra foi tomada por dois países”.
“Quando a Dilma deixou o governo, a gente tinha 4,3% de desemprego” — entrevista ao jornal El País, em Madri, 26.abr.2023.
O presidente faz referência aos dados da PME (Pesquisa Mensal de Emprego), que apontaram uma taxa de desemprego de 4,3% em dezembro de 2014, último mês do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Lula omite na declaração, no entanto, que a desocupação cresceu a partir do segundo mandato da petista e que a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), pesquisa que traz informações mais precisas sobre o mercado de trabalho, sempre apontou taxas de desocupação maiores.
Entre fevereiro e abril de 2015, último trimestre completo de governo de Dilma Rousseff, o Brasil registrou uma taxa de desocupação de 8,1%, de acordo com a PNAD Contínua. Isso significa que havia, naquele momento, um total de 8 milhões de pessoas sem trabalho. Já no último trimestre de 2014, fim do primeiro mandato da petista, a desocupação era de 6,6%, maior do que a apontada pela PME.
Descontinuada em 2016, a PME sempre apresentou taxas de desocupação sistematicamente menores do que a PNAD Contínua, iniciada em 2012 e realizada até hoje. Dentre as várias diferenças metodológicas que ajudam a explicar a discrepância está a diferença na cobertura amostral: enquanto o primeiro levantamento coletava dados em apenas seis regiões metropolitanas, o segundo considera informações de 3.500 municípios.
“O Brasil só de manufaturado tem quase US$ 20 bilhões de exportação com a Argentina” — entrevista coletiva no Japão, 22.mai.2023.
Na declaração, Lula inflou as exportações de manufaturados à Argentina. De acordo com dados do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), o Brasil exportou US$ 15,3 bilhões em produtos para o país vizinho em 2022, dos quais US$ 14,4 bilhões são itens da indústria de transformação e outros manufaturados. O valor é 28% menor do que o citado pelo presidente.
No ano passado, os produtos mais exportados para a Argentina foram partes e acessórios de veículos automotivos (US$ 1,63 bilhões), veículos automóveis de passageiros (US$ 1,53 bilhão) e outros produtos da indústria de transformação (US$ 691 milhões). Fora da indústria de transformação, o produto mais exportado é a energia elétrica, que rendeu US$ 334 milhões ao Brasil em 2022.
“O Brasil tem um potencial energético extraordinário: 80% da energia brasileira é limpa” — entrevista à emissora CCTV, na China, em 13.abr.2023.
Ao comentar sobre a participação de fontes renováveis na geração de energia no Brasil, o presidente confunde a composição das matrizes elétrica e energética. Apesar de serem usados para gerar 78,1% da energia elétrica produzida no país, os recursos renováveis são responsáveis por apenas 44,7% da geração total de energia — que inclui, além da eletricidade, os combustíveis usados para movimentar carros, por exemplo. Os dados são da edição de 2022 do Balanço Energético Nacional, da EPE (Empresa de Pesquisa Energética).
De acordo com o relatório, os principais recursos usados para a geração de energia são a biomassa da cana-de-açúcar (16,4%), a água (11%) e a lenha e o carvão vegetal (8,7%). Dentre os não-renováveis, que compõem 55,3% do total da matriz, o petróleo e os seus derivados são os mais comuns (34,4%).
É fato, no entanto, que o Brasil se destaca em relação a outros países no que se refere à geração de energia por fontes limpas. Ainda de acordo com o balanço da EPE, enquanto a participação de renováveis na produção nacional chegou a 44,7% em 2021, a média mundial alcançou apenas 14,1%. Com relação especificamente à energia elétrica, as taxas são de 78,1% no Brasil e 26,6% no restante do mundo.
OUTRO LADO
Aos Fatos entrou em contato com a assessoria do Palácio do Planalto no início da tarde desta quarta-feira (24) para que a Presidência pudesse comentar as checagens, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.