Em entrevista ao Flow Podcast, o deputado federal e candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, citou informações falsas para justificar por que fez um relatório pela absolvição do aliado André Janones (Avante-MG) no Conselho de Ética da Câmara, mesmo após virem a público áudios em que ele admite um esquema de rachadinha — ou seja, de desvio de dinheiro público.
Boulos disse que não poderia dar prosseguimento à denúncia contra Janones porque o Conselho de Ética não pode agir em casos de supostos crimes fora da atual legislatura. Além disso, segundo ele, deputados bolsonaristas investigados por envolvimento com o 8 de Janeiro teriam se livrado de acusações sob o mesmo argumento. Ambas as alegações são falsas.
O candidato do PSOL também foi impreciso ao atacar adversários — ao dizer que Pablo Marçal (PRTB) foi condenado na Justiça “por roubar velhinha” e que o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), “foi preso por dar tiro em porta de boate”.
Confira o que checamos:
- Boulos distorceu as regras do Conselho de Ética a fim de justificar seu voto pelo arquivamento da denúncia contra Janones. No relatório, o psolista comparou o caso ao de Rui Costa (PT-BA), que foi engavetado porque a suposta irregularidade teria ocorrido antes de se tornar deputado, situação diferente à de Janones;
- Diferentemente do que afirmou Boulos, processos contra deputados do PL por incentivos ao 8 de Janeiro não foram enviados ao Conselho de Ética porque se trataram de atos ocorridos em redes sociais;
- Também é incorreto dizer que Nunes foi preso por atirar na porta de uma boate. No caso, ocorrido em 1996, Nunes foi levado a uma delegacia por porte de armas irregular, mas não chegou a ser preso;
- Boulos também errou ao dizer que Marçal foi condenado “por roubar velhinhas” em um esquema de fraude bancária. O ex-coach foi condenado em 2010 por furto qualificado;
- O candidato acertou ao dizer que há uma disparidade na oferta de empregos entre os distritos de Barra Funda e Cidade Tiradentes;
- E também citou dados corretos ao dizer que o maior crescimento do PIB dos últimos 30 anos se deu durante o governo Lula.
“Meu voto falou: eu não vou entrar no mérito se ele cometeu rachadinha ou não. Eu vou entrar no mérito do que é a regra do Conselho de Ética. O que vale pra um tem que valer pro outro. Não dá pra uns caras serem livrados por um argumento de que foi antes da legislatura e esse outro [Janones], porque é de outro campo político, ser acusado.”
O candidato distorce as regras e o entendimento do Conselho de Ética para justificar seu voto pelo arquivamento das denúncias contra o aliado André Janones (Avante-MG). Por isso, a declaração é FALSA.
Em seu relatório, Boulos comparou o caso do parlamentar ao de Rui Costa (PT-BA), cujo processo foi rejeitado em 2014 por analisar fatos ocorridos antes de o político assumir mandato como deputado federal. Ele argumentou que Janones não estava no cargo de deputado na época em que os crimes teriam ocorrido.
No caso do deputado mineiro, no entanto, os indícios apontam que ele já ocupava seu primeiro mandato como deputado no momento em que os supostos desvios teriam ocorrido, no início de 2019, conforme mostrou reportagem da Folha de S.Paulo. Um áudio revelado pelo Metrópoles, cuja autenticidade Janones já confirmou, teria sido gravado em fevereiro daquele ano — já após a posse como deputado, portanto.
Questionado sobre a contradição, Boulos mudou de discurso e passou a citar uma suposta “jurisprudência” do Conselho de Ética que limitaria os processos a casos ocorridos na legislatura em curso. Porém, não há norma que determine isso no Regimento Interno da Câmara e nem no Código de Ética e Decoro Parlamentar.
Caso a suposta regra citada por Boulos existisse, o Conselho de Ética não poderia ter recomendado a cassação do mandato de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), preso acusado de ser mandante do assassinato de Marielle Franco.
O crime contra a vereadora do PSOL aconteceu em março de 2018, quando Brazão também era vereador na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, não deputado federal — fora, portanto, da atual legislatura. Brazão tomou posse como deputado federal em fevereiro de 2019
“A atual legislatura começou em 1º de fevereiro de 2023. O 8 de Janeiro foi 20 dias antes da atual legislatura. E com esse argumento, sumariamente se botou na gaveta processos contra 10, 15 deputados bolsonaristas. Eu sou contra, eu acho que deviam ser julgados. Aí, esses mesmos deputados do PL, quando sai a denúncia da rachadinha contra o Janones, esses mesmos deputados entram no mesmo Conselho de Ética dizendo que o Janones tem que ser cassado.”
É FALSO que processos contra deputados bolsonaristas que apoiaram os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 foram arquivados por tratarem de acontecimentos anteriores ao mandato.
Em fevereiro de 2023, o PSOL entrou com pedido de cassação contra quatro parlamentares — não dez, nem 15, como disse Boulos — por promoverem as manifestações que culminaram na invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes.
Os processos estão paralisados na Mesa Diretora e não foram encaminhados ao Conselho de Ética porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não considerou as denúncias relevantes, por se tratarem de atos ocorridos em redes sociais, não nas dependências do Legislativo.
Já o processo contra André Janones (Avante-MG) foi enviado ao Conselho de Ética e terminou arquivado sob a relatoria de Boulos.
“[Ricardo Nunes] foi preso por dar tiro em porta de boate.”
Boulos faz referência a um episódio ocorrido em 1996, mas que não resultou na prisão de Nunes.
Após ouvir tiros no estacionamento de uma boate em Embu das Artes (SP), um policial civil que trabalhava como segurança conduziu Nunes até a delegacia por portar uma arma sem licença e atirar em via pública — ambos considerados na época delitos de menor gravidade.
Em depoimento, Nunes negou a versão do policial e disse estar acompanhado de um amigo, que foi retirar a pistola de dentro do carro e disparou por acidente. A pistola estava registrada no nome do colega, mas ele não compareceu à delegacia.
Ricardo Nunes assinou um termo circunstanciado e foi liberado — portanto, não chegou a ser preso pelo incidente.
“Ele [Pablo Marçal] foi condenado pela Justiça por roubar velhinha num esquema de fraude bancária.”
A declaração de Boulos é imprecisa por distorcer o crime pelo qual Pablo Marçal (PRTB) foi condenado.
O ex-coach foi condenado em 2010 por furto qualificado. Ele foi sentenciado a quatro anos de prisão, mas a pena prescreveu. Outros membros da quadrilha, no entanto, foram condenados por fraude bancária.
O processo mostra que Marçal participava de um esquema que enviava mensagens infectadas com vírus para tentar roubar dados bancários. Não é possível, no entanto, determinar que as vítimas eram apenas idosos. Decisões da Justiça mencionaram somente os prejuízos provocados pelo esquema aos bancos titulares das contas invadidas, como, por exemplo, a Caixa Econômica Federal.
De acordo com a sentença, o ex-coach usava um programa que criava listas de emails para os quais os vírus para roubo de dados seriam enviados — a prática é conhecida como phishing. Além disso, era ele quem fazia a manutenção dos equipamentos usados pela quadrilha — os computadores precisavam de formatação frequente, já que também acabavam infectados no processo.
“Na Barra Funda, que é o distrito de São Paulo que concentra mais emprego por morador, você tem 700 empregos para 100 moradores. Na Cidade Tiradentes, que é o que tem menos, tem 3 empregos para 100 moradores.”
Boulos cita dados verdadeiros ao falar sobre a desigualdade na oferta de empregos na cidade de São Paulo.
De acordo com o Mapa da Desigualdade de 2023, divulgado pela Rede Nossa São Paulo, a Barra Funda registrou taxa de 70,06 empregos formais a cada 10 habitantes com idade igual ou superior a 15 anos — considerada população em idade ativa. O valor coloca o distrito no primeiro lugar do ranking.
Já o distrito de Cidade Tiradentes ficou na última posição, com uma taxa de 0,3 empregos formais a cada 10 habitantes em idade ativa — ou 3 a cada 100, como informado pelo candidato.
“Qual foi o maior crescimento do PIB nos últimos 30 anos? Foi no governo do Lula.”
O maior crescimento do PIB nos últimos 30 anos ocorreu no segundo mandato do presidente Lula (PT), entre 2007 e 2010. Na época, foi registrado um crescimento médio anual de 4,64%, de acordo com levantamento feito pelo Aos Fatos com base no Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Banco Central.
Ainda que fosse considerado apenas o percentual ano a ano desde 1994, o maior crescimento do PIB seria de 7,53% em 2010, último ano do segundo mandato de Lula.
Outro lado. Aos Fatos procurou a assessoria de Guilherme Boulos para que o candidato pudesse comentar as checagens, mas não houve retorno. O texto será atualizado em caso de resposta.
O caminho da apuração
Aos Fatos acompanhou a entrevista de Guilherme ao Flow Podcast ao vivo na noite da última segunda-feira (02). Enquanto um dos editores selecionava declarações checáveis, um repórter verificava as informações a partir de bases públicas de dados, afirmações anteriores do candidato e reportagens.
Na manhã desta terça-feira (03), a equipe revisou toda a apuração da noite anterior e complementou as checagens com informações adicionais.
Aos Fatos também procurou a assessoria de imprensa do candidato via mensagem de WhatsApp para que pudessem comentar as checagens.