Checamos a entrevista de Lula ao Jornal Nacional

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Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o terceiro presidenciável recebido pelo Jornal Nacional em uma sequência de entrevistas feita pelo telejornal por ocasião das eleições deste ano. Aos Fatos checou em tempo real as declarações do petista ao programa da TV Globo.

As análises são publicadas à medida que as apurações, conduzidas por repórteres e editores, ficam prontas. Aos Fatos está aberto a contestações da assessoria de imprensa do candidato e registrará o outro lado caso necessário.

A íntegra da transcrição do programa foi feita automaticamente pelo Escriba, ferramenta do Aos Fatos para agilizar a documentação em texto de arquivos com áudio.

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Jornal Nacional

Boa noite! Nós estamos entrevistando nesta semana os candidatos à Presidência mais bem colocados na pesquisa Datafolha de intenção de voto divulgada no dia 28 de julho. Pela ordem determinada em sorteio com a presença dos assessores do partido, Luiz Inácio Lula da Silva do PT é o entrevistado de hoje. Amanhã será a vez de Simone Tebet, do MDB. E o candidato a reeleição Jair Bolsonaro do PL e o candidato do PDT Ciro Gomes já foram entrevistados na segunda e na terça-feira, respectivamente. Em 40 minutos, nós vamos abordar os temas que marcam essas candidaturas e o candidato vai ter um minuto pras considerações finais.

Candidato Lula, boa noite, obrigada pela presença.

Luiz Inácio Lula da Silva

Boa noite, Renata.

Jornal Nacional

Obrigado por ter vindo, candidato, e nós vamos começar então essa entrevista a partir de agora contando o tempo. E vamos começar falando de corrupção. O Supremo Tribunal Federal lhe deu razão. Considerou o então juiz Sérgio Moro parcial, anulou a condenação do caso do triplex, e anulou também outras ações por ter considerado a vara de Curitiba incompetente. Portanto, o senhor não deve nada à Justiça. Mas houve corrupção na Petrobras. E, segundo a Justiça, com pagamentos a executivos da empresa, a políticos de partidos como o PT, como o então PMDB e o PP. Candidato, como é que o senhor vai convencer os eleitores de que esses escândalos não vão se repetir?

Luiz Inácio Lula da Silva

Foi no meu governo que a gente criou o Portal da Transparência...

O Portal da Transparência do governo federal, em que é possível encontrar informações de como o dinheiro público é usado, foi lançado em 2004, primeiro mandato de Lula, pela CGU (Controladoria-Geral da União). Em 2018, no governo Michel Temer (MDB), o portal foi atualizado com mais informações sobre a gestão pública.

... que a gente colocou a CGU como ministro para fiscalizar...

... que a gente com a Lei de Acesso à Informação, ...

O projeto de lei que regulamenta o acesso à informação foi apresentado pelo Executivo durante o governo Lula, em 2009. Ele foi, posteriormente, anexado a um projeto apresentado em 2003. Foi aprovado na Câmara dos Deputados em 2010, último ano de Lula na Presidência, e no Senado em 2011, primeiro ano do governo Dilma Rousseff (PT). Em 18 de novembro de 2011, foi sancionado e se tornou a lei nº 12.527, conhecida hoje como Lei de Acesso à Informação.

... a gente que com a lei anticorrupção, a lei contra o crime organizado, ...

... a lei contra a lavagem de dinheiro, ...

A Lei nº 9.613/1998, que tipificou o crime de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, foi sancionada no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em março de 1998. A gestão Dilma Rousseff (PT) sancionou a Lei nº 12.683/2012, que alterou o texto de 1998 para tentar tornar mais eficiente a persecução penal da lavagem de dinheiro, que é ocultar ou dissimular a origem ilícita de bens ou valores fruto de infrações penais.

... criamos o COAF para cuidar de movimentações financeiras atípicas...

O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) foi criado em 1998, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando foi sancionada a lei que tipificou o crime de lavagem de dinheiro. Em 2003, Lula estabeleceu a norma que obriga os bancos a informar ao órgão quaisquer saques e depósitos acima de R$ 100 mil.

... e colocamos um CADE para combater os cartéis...

ou seja, foram todas medidas tomadas no meu governo, além de que o Ministério Público era independente, e além do que a Polícia Federal recebeu no meu governo mais liberdade do que em qualquer outro momento da história. Porque você está lembrado que, em 2005, quando surgiu a questão do Mensalão, eu cheguei a dizer o seguinte: só existe uma possibilidade de alguém não ser investigado nesse país. É não cometer erro.

Se cometer erro vai ser investigado. E foi isso que nós fizemos. Olha, se alguém comete um erro, alguém comete um delito, investiga-se apura, julga, condena ou absolve e está resolvido o problema. O que que foi o equívoco da Lava Jato? É que a Lava Jato enveredou por um caminho político delicado.

A Lava Jato, ela ultrapassou o limite da investigação e entrou no limite da política. E o objetivo era o Lula. O objetivo era tentar condenar o Lula. Não sei se você está lembrado que no primeiro depoimento que eu fui dar ao Moro eu falei: Moro, você está condenado a me condenar porque você já permitiu que a mentira foi longe demais.

E você sabe do que que eu estou falando. E aconteceu exatamente o que eu previa. Quando nós entramos com o habeas corpus na Suprema Corte foi antes e bem antes do hacker. E se você pegar o nosso habeas corpus a gente está dizendo coisa que depois se descobriu com o hacker investigado pela Polícia Federal.

Então eu vou te dizer uma coisa, ô Bonner, vou dizer pra você olhando nos olhos do povo brasileiro não há hipótese não há hipótese. Eu quero voltar à Presidência da República. E qualquer qualquer hipótese de alguém cometer qualquer crime por menor ou por maior que seja essa pessoa será investigada, essa pessoa será julgada e essa pessoa será punida ou absolvida. É assim que você combate a corrupção num país.

Jornal Nacional

Agora, candidato, o senhor elencou aqui diversas medidas adotadas em governos do PT como instrumentos, mecanismos de controle da corrupção. Mas, é fato que a corrupção a despeito disso, ocorreu, e ocorreu em grande escala. Por isso, eu retomo a pergunta original, que é: como o senhor pode assegurar que elas não se repetirão? Alguma medida nova foi estudada para evitar que aconteça?

Luiz Inácio Lula da Silva

Bonner, primeiro, as medidas estão colocadas. Tá? Veja eu poderia ter escolhido um procurador engavetador. Sabe aquele amigo que você escolhe, que nenhum processo vai pra frente? Eu poderia ter feito isso, não fiz.

Eu escolhi da lista tríplice.

Criada em 2001 pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), a lista tríplice para escolha do procurador-geral da República não tem força de lei e, por isso, pode ou não ser seguida pelo presidente da República. Na primeira vez em que foi organizada, a votação não foi levada em conta pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que reconduziu Geraldo Brindeiro ao cargo. Em seu primeiro mandato, Lula anunciou a escolha de Cláudio Fonteles como procurador-geral da República no dia 5 de junho de 2003, 25 dias antes da votação da lista tríplice pela ANPR, que aconteceu em 30 de junho. Fonteles acabou sendo o mais votado, com 297 votos dos colegas, mas já comandava o MPF (Ministério Público Federal). Nas outras duas vezes em que indicou procuradores-gerais, Lula respeitou a lista tríplice ao escolher Antonio Fernando de Sousa, em 2005, e Roberto Gurgel, em 2009.

Eu poderia ter impedido que a Polícia Federal tivesse um delegado que eu pudesse controlá-lo. Não fiz.

E permitir que efetivamente as coisas acontecessem do jeito que precisava acontecer. Olha, nós vamos continuar criando um mecanismo pra investigar qualquer delito que aconteça na máquina pública brasileira. Porque eu já disse 500 vezes de que a corrupção...

Eu poderia por exemplo fazer decreto de 100 anos. Sabe decreto de sigilo, que está na moda agora? Eu poderia para não apurar nada, decreto de 100 anos de sigilo para o Pazuello. Decreto pros meus filhos. Decreto pros meus assessores.

Ou eu poderia não investigar. Pega um tapetão coloca em cima de qualquer denúncia aí nada vai ser apurado e não vai ter corrupção. E a corrupção ela só aparece quando você governa de forma republicana que você permite que as pessoas sejam investigadas independentemente de quem seja.

E eu tive a alegria, eu tive a sorte de ter um ministro do porte do Márcio Thomas Bastos, sabe? Que era uma figura inatacável nesse país do ponto de vista da competência e da seriedade. Por isso, pode ficar tranquilo, sabe?

Jornal Nacional

Houve um momento, em mais de um momento aliás, o Partido dos Trabalhadores chegou a dizer que o prejuízo acumulado pela Petrobras com o escândalo do Petrolão tinha sido reconhecido pela empresa e colocado no balanço da Petrobras por uma imposição da Lava Jato. Isso foi dito pelo Partido dos Trabalhadores. Hoje, e escrito, hoje o partido reconhece então que efetivamente houve este prejuízo?

Luiz Inácio Lula da Silva

Mas deixa eu lhe falar uma coisa. Você não pode dizer que não houve corrupção se as pessoas confessaram. O que é mais grave é que as pessoas confessaram e por conta das pessoas confessarem ficaram rico por conta de confessar. Ou seja, foi uma espécie de uma delação premiada. Você não só ganhava liberdade por falar o que queria o Ministério Público, como você ganhava metade do que você roubou. Ou seja, o roubo foi oficializado pelo Ministério Público. O que eu acho uma insanidade e uma aberração com esse país.

Ou seja, o correto era você fazer a investigação que tinha que fazer da forma mais correta possível, como fizeram no meu tempo que eu era presidente. E depois essa pessoa foi inocente, você absolve. Se a pessoa for culpada, você se condena. O que acontece é que aqui no Brasil, Bonner, nós temos um problema sério. É que as pessoas são condenadas pelas manchetes de jornais e depois não se volta atrás.

Jornal Nacional

É, mas voltaram US$ 6,2 bilhões de dólares para a Petrobras, foram devolvidos muito desse dinheiro, inclusive por diretores da Petrobras, que eu não tinham como juntar uma fortuna dessas.

Luiz Inácio Lula da Silva

Pior foi o Ministério Público que queria pegar R$ 2,5 bilhões pra eles.

Em 2019, um acordo assinado pela Petrobras e por procuradores da Lava Jato previa a criação de um fundo privado com R$ 2,5 bilhões pagos pela empresa, correspondente a 80% nas penalidades definidas em um acerto entre a petroleira e autoridades dos EUA. Depositado em uma conta da 13ª Vara Federal de Curitiba, o montante seria administrado por um fundo privado, sob responsabilidade do MPF (Ministério Público Federal), e também serviria para ressarcimento de investidores nacionais. O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes suspendeu o acordo em março daquele ano.

Criar um fundinho pra eles. Né? Desses 6 bilhões. E mais ainda: a gente olha o que eles devolveram, mas vamos olhar os prejuízos que foram dados.

Por conta da Lava Jato nós tivemos 4,4 milhões de desempregados nesse país. Por conta da Lava Jato, nós tivemos 270 bilhões que deixaram de ser investido nesse país. E por conta da Lava Jato a gente deixou de arrecadar 158 bilhões.

O que eu quero te dizer é o seguinte: é que você pode fazer investigação com a maior seriedade como foi feito na Coreia, na Samsung. Como foi feito na França, na Austin, como foi feito na Alemanha. Você investiga se o empresário roubou, você prende, condena, mas você permite que a empresa continue funcionando. Aqui no Brasil, se quebrou as indústrias de engenharias que nós levamos quase que um século para construir.

E nós agora até que vamos ter o prejuízo, porque, se eu ganhar as eleições, a gente vai ter que fazer um grande plano de investimento de infraestrutura. A gente vai ter que recuperar muitas obras. Eu vou fazer uma reunião com os 27 governadores para saber quais são as obras prioritárias de cada estado. E esse país vai voltar a andar.

Jornal Nacional

Nós vamos falar de economia daqui a pouco, mas antes de passar a palavra pra Renata Vasconcellos, eu gostaria de fazer só uma observação sobre os números que o senhor mencionou. Muitos economistas afirmam que esses milhões de empregos não criados, os investimentos que não foram realizados seriam consequência não da Lava Jato, mas da crise econômica herdada da gestão de Dilma Rousseff.

O senhor mencionou mecanismos de controle da corrupção no seu governo e, de fato, o senhor e a sua sucessora Dilma Rousseff sempre escolheram como Procurador Geral da República o primeiro da lista tríplice elaborada pelo Ministério Público Federal que em tese dá mais independência ao escolhido. Ano que vem termina o mandato de Augusto Aras, na PGR. Mas, ultimamente, perguntado, quando o senhor é perguntado sobre se vai cumprir respeitar a lista tríplice, o senhor tem evitado responder. Por quê?

Luiz Inácio Lula da Silva

Eu quero que ele fique com uma pulguinha atrás da orelha. Eu não quero definir agora o que que eu vou fazer. Primeiro eu preciso ganhar as eleições. Esse negócio da gente ficar prometendo fazer as coisas antes da gente ganhar a gente comete um erro. Veja, eu respeito muito o Ministério Público. Uma das queixas que eu tenho da força tarefa da Lava Jato é que eles quase jogam o nome do Ministério Público na lama. Porque houve muito equívoco e muita aberração. O Ministério Público é uma instituição séria. Que eu sempre valorizei, da mesma forma a Polícia Federal. Se um dia, Renata, eu pudesse contar pra você usar os depoimentos que eu prestei pra delegado, as perguntas insanas que era feita numa instituição que eu respeito muito e eu acho que o estado brasileiro tem que ter instituições muito forte para que o governo possa exercer a democracia.

Jornal Nacional

E a lista tríplice da da PGR, ela justamente evita uma situação que, aliás, ocorre atualmente, em que o procurador-geral da República é criticado, é acusado de lealdade ao presidente da República, seja essa acusação justa ou não. Não estou entrando aqui nesse mérito. O senhor não teme que isso aconteça?

Luiz Inácio Lula da Silva

Não, eu não quero procurador leal a mim. O procurador tem que ser leal ao povo brasileiro. Ele tem que ser leal à instituição. Agora, pode ficar certa que, se eu ganhar as eleições, antes da posse eu vou ter várias reuniões com o Ministério Público pra discutir os critérios que eu acho que é importante pra eles e pro Brasil. Pra mim, o que precisa é dar segurança pro povo. Como eu dei quando era presidente. O meu primeiro diretor-geral da Polícia Federal foi o Paulo Lacerda, que não era meu amigo e que trabalhava com Tuma, que foi o cara que procurou a investigação do Collor. Ou seja, eu não quero amigo, eu quero pessoas sérias, responsáveis, que falem em nome da instituição, porque as instituições que garantem o funcionamento da democracia, que tem que ser forte, Renata.

Jornal Nacional

É um assunto tão importante, o senhor vai manter suspense sobre uma questão tão fundamental e é, de fato, as críticas, a falta de independência do Ministério Público, da Procuradoria Geral da República é motivo de preocupação pros brasileiros. Por que manter esse defesa eu tenho três indicações?

Luiz Inácio Lula da Silva

Em minha defesa, eu tenho três indicações. Você está lembrada que eu indiquei pro Ministério Público procurador geral que estava julgando o Palocci. E eu mantive ele. Porque eu não quero amigo. Eu não quero amigo no Ministério Público, eu não quero amigo na Polícia Federal, eu não quero amigo no Itamaraty, eu não quero amigo em nenhuma instituição, eu quero pessoas competentes, pessoas ilibadas, pessoas republicanas e pessoas que pensam sobretudo no povo brasileiro.

Jornal Nacional

Então, como fazer? Porque associações policiais federais têm se queixado de tentativas de interferência na instituição, na PF. Como fazer pra que esse tipo de interferência não ocorra?

Luiz Inácio Lula da Silva

Não, interferência não. Teve muitas interferências. O Bolsonaro troca qualquer diretor da hora que ele quer. Basta que ele não goste.

E eu não fiz isso...

Em 2007, Lula trocou o comando da PF (Polícia Federal) após sua voz ter sido gravada em escuta da Operação Xeque-Mate, que investigou a máfia dos caça-níqueis. Para o lugar do delegado Paulo Lacerda foi designado o ex-secretário nacional de Segurança Pública Luiz Fernando Corrêa. Segundo a Folha de S.Paulo, a substituição aconteceu após avaliação do Palácio do Planalto de que a PF estava “fora de controle” e que as autoridades do governo tomavam conhecimento de assuntos sensíveis apenas por meio da imprensa.

... e não vou fazer. O delegado não está lá pra fazer as coisas que eu quero. Oh, Renata, você se lembra que em 2005 a polícia, eu estava na Índia, a Polícia Federal foi na casa do de um irmão meu, esse que morreu quando eu estava preso. Sabe esse cara ganhava R$ 2,9 mil, aposentado na prefeitura. A Polícia Federal invadiu a casa dele. E eu sabia antes e eu falei: não vou interferir, porque quem ficou sabendo não é o Lula. Foi o presidente da República. Ela que cumpre com as suas funções. Sabe? Então, pra mim, a seriedade das instituições é o que vai garantir o exercício da democracia nesse país.

Então você pode ficar certa que as coisas irão acontecer da forma mais republicana possível que possam acontecer. Eu estou querendo voltar porque eu quero ser melhor do que eu fui. Eu quero ser melhor melhor, eu quero voltar porque eu quero fazer coisa que eu deveria ter feito, mas não sabia que era possível fazer. É por isso que eu fui escolher uma pessoa como o Alckmin de vice. Pra juntar duas grandes experiências na minha vida. Um cara que foi governador de São Paulo de 16 anos e vice seis anos e o cara que foi considerado o melhor presidente da história do Brasil. É esses dois que vão governar esse país.

Jornal Nacional

Economia então agora, candidato. Todos os economistas atualmente estão dizendo que o próximo governo vai ser obrigado a lidar com uma bomba fiscal, um desequilíbrio das contas públicas enorme. O senhor não não tem sido claro quando fala dos seus planos para economia. Mas o senhor ao mesmo tempo tem feito promessas. Como é que o senhor pretende recuperar o equilíbrio das contas?

Luiz Inácio Lula da Silva

Bonner, é que você não deve lembrar o que os meus economistas diziam pra mim nas eleições de 2002.

Naquela época, o Brasil estava quebrado.

Naquela época, vocês lembram?

Vocês lembram que o Brasil quebrou duas vezes no governo Fernando Henrique Cardoso?

Naquela época, o Malan, que era um homem sério, ele todo final de ano ia pra Washington tentar pegar dinheiro para fazer fechar o balanço. O caixa do governo. Tão lembrado de duas pessoas do FMI que vinha pro Brasil investigar o Brasil todo dia e os meus economistas diziam: o Brasil está quebrado o Brasil está quebrado. Eu falava: então por que que vocês querem que eu ganhe as eleições?

Então eu vou dar um dado para você para você ver o seguinte: ...

... quando eu tomei posse em 2003, o Brasil tinha 10,5% de inflação.

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a inflação medida pelo IPCA ao longo de 2002 foi de 12,53%, taxa próxima à citada pelo ex-presidente.

O Brasil tinha 12% de desemprego.

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que a taxa de desocupação em dezembro de 2002, último mês da gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), era de 10,5%.

O Brasil devia 30 bilhões ao FMI.

Nós tínhamos uma dívida pública de 60,4%.

O que que nós fizemos? Primeiro, nós reduzimos a inflação para meta, sabe? Que era 4,5 mais dois menos dois durante todo o meu período de governo.

O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial de inflação do país, ficou dentro das metas estipuladas pelo BC (Banco Central) ao longo dos dois mandatos de Lula como presidente. Em 2003 e em 2004, a meta era de 8,5% e 5,5%, respectivamente, com margem de 2,5 pontos, e a inflação ficou em 9,3% e de 7,6%. A partir de 2005, a meta passou a ser de 4,5%, com tolerância entre 2 e 2,5 pontos percentuais. A variação de preços ficou dentro desses parâmetros deste ano em diante: 5,69% em 2005, 3,14% em 2006, 4,46% em 2007, 5,9% em 2008, 4,32% em 2009 e 5,91% em 2010.

Segundo, nós reduzimos a dívida pública de 60,4% para 39%.

Os dados verdadeiros são próximos aos citados por Lula. Em 2002, último ano de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) na Presidência, o percentual da dívida pública era de 57,75% do PIB (Produto Interno Bruto). Quando Lula concluiu seu segundo mandato, em 2010, era de 38,48%, segundo dados do Banco Central. Ao final do governo de Dilma Rousseff (PT), em maio de 2016, a dívida representava 40,97% do PIB.

Nós fizemos uma reserva de 370 bilhões de dólares.

Em 31 de dezembro de 2010, último dia do segundo mandato de Lula, o Brasil tinha US$ 288,57 bilhões em reservas, segundo relatório do BC (Banco Central). A cifra citada pelo petista neste trecho da entrevista é próxima da alcançada em 31 de dezembro de 2015, último ano completo do governo de Dilma Rousseff (PT): US$ 368,74 bilhões.

E nós ainda emprestamos 15 bilhões pro FMI. Não sei se você está lembrado disso.

Em 2009, cinco anos após quitar suas dívidas com o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Brasil de fato fez um empréstimo à instituição, mas o valor era mais baixo do que o citado por Lula: US$ 10 bilhões.

Além do quê, nós fizemos a maior política de inclusão social que a história desse país conheceu. É assim que nós vamos governar esse país. Eu digo sempre, Bonner, tem três palavras mágicas para governar o país. Três. A primeira dela é credibilidade. A segunda delas é previsibilidade. E a terceira é estabilidade. Você tem que garantir primeiro que, quando você falar, as pessoas acreditam no que você fala.

Quando você fala na previsibilidade, é porque ninguém pode ser pego de surpresa dormindo com mudança do governo. E a estabilidade é para você convencer o governo cumprido com a sua tarefa, que os empresários privados do Brasil e os empresários estrangeiros tenham condições e saibam que tem estabilidade para investimento aqui dentro. E você sabe eu vou terminar dizendo o seguinte: nunca antes na história do Brasil esse governo teve uma chapa como Lula e Alckmin para poder ganhar credibilidade interna e externa para fazer acontecer as coisas no Brasil.

Jornal Nacional

Mas ainda na economia, depois dos seus dois mandatos, candidato, veio o governo Dilma. E o governo Dilma se notabilizou por tentar induzir o crescimento da economia brasileira fazendo aumentando gastos públicos e também segurando aumentos de preços de combustíveis, aumento de preços de energia. O resultado disso, a maior recessão em 25 anos e uma explosão da inflação. Daí a pergunta: o senhor, uma vez eleito presidente da República mais uma vez, vai implantar na política, econômica, qual das receitas petistas? A do seu primeiro mandato ou a receita petista do mandato de Dilma Rousseff?

Luiz Inácio Lula da Silva

Sábado eu tive com a Dilma no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, e a Dilma sabia que eu vinha aqui. E a Dilma falou assim pra mim: Ô presidente, se perguntar do meu governo, não responda. Fala pra me convidarem que eu vou lá para discutir com eles. Tá?

Mas o que que eu quero dizer pra você? Eu quero dizer pra você primeiro que a Dilma é uma das pessoas que eu tenho mais profundo respeito pela competência e pela ajuda que ela me deu quando era chefe da Casa Civil. A Dilma fez um primeiro mandato presidencial extraordinário, porque a crise se agravou, a crise internacional e mesmo assim ela se endividou para poder manter as políticas sociais e para poder manter o emprego em 4.5%, que foi o menor desemprego que nós tivemos na história desse país, era como se fosse o padrão Noruega, padrão holandesa.

Eu acho que a Dilma se cometeu equívoco na questão da gasolina. Ela sabe que eu penso isso. Eu acho que cometeram equívoco na hora...

... que fizeram 540 bilhões de desoneração e isenção fiscal de 2011 a 2004.

Lula cita um valor inferior ao concedido pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em benefícios fiscais. Segundo dados do Ministério da Economia, o país deixou de arrecadar R$ 813,7 bilhões de 2011 a 2014 com as medidas.

Sabe? E eu acho que quando ela tentou mudar ela tinha uma dupla dinâmica contra ela. Eduardo, sabe? O presidente da Câmara, e o Aécio no Senado, que trabalharam o tempo inteiro para que ela não pudesse fazer nenhuma mudança. Ela mandou medida provisória para mudar. Como aconteceu com Fernando Henrique Cardoso.

Quando o Fernando Henrique Cardoso teve o segundo mandato, ele mandou medida pra poder evitar que o Brasil quebrasse...

... e ele tinha presidente da Câmara, o Temer, que ajudou a aprovar as coisas. Não trabalhou contra. E o presidente da Câmara, da Dilma, ele trabalhou contra o tempo inteiro a Dilma.

Jornal Nacional

Presidente Dilma, candidato, não agiu sozinha. Havia uma equipe cuidando de economia pra ela e tudo. Então, este erro que o senhor reconhece terá havido lá. Não foi um erro pessoal, solitário dela, mas de uma corrente do PT, por isso a pergunta se impõe: se a corrente do PT, que amparou as decisões que o senhor reconhece terem sido equivocadas da ex-presidente Dilma, fizer valer a sua opinião num governo seu, vai-se por esse caminho. Daí a pergunta: o senhor não está dizendo então que o seu governo vai ser diferente?

Luiz Inácio Lula da Silva

Se um dia entrar alguém no teu lugar pra fazer o Jornal Nacional...

Jornal Nacional

Entrará.

Luiz Inácio Lula da Silva

Você vai perceber o que que é rei morto, rei posto. Você vai descobrir. Ou seja, quando você deixa o governo, quem ganha vai governar do jeito que entender. Quem está de fora não vai mandar. Eu vou voltar a governar esse país, se o povo assim permitir, para fazer as coisas melhor do que eu fiz. A minha obsessão, Bonner, a minha obsessão. Um homem de 76 anos de idade. Que digo todo dia que tem energia de 30, de voltar a governar esse país, é porque eu acho que é possível recuperar, sabe, esse país, a economia voltar a crescer, a gerar empregos, a gerar melhoria nas condições de vida da pessoa. Eu estou convencido disso, se eu não acreditasse disso, eu não voltava, eu preferia ficar em casa, sabe? Vivendo os louros de ser o melhor presidente da história do Brasil. Não, eu vou voltar para provar que é possível fazer mais. E eu espero que quando eu estiver no governo, vocês me convidem pra vir aqui. Uma vez por mês, para poder checar o que que está acontecendo nesse país.

Jornal Nacional

É, só relembrando então os números ruins ao fim do governo Dilma, né? Inflação em 2013 estava em 5,9%. Ela chegou a 2015 a 10,6%. O PIB tinha subido 3% em 2013 e caiu 3,5% em 2015. Então, assim, os números falam por si.

Luiz Inácio Lula da Silva

Renata…

Jornal Nacional

Candidato…

Luiz Inácio Lula da Silva

Eu peguei a inflação a 12 e reduzi para 4,5.

Jornal Nacional

Antes...

Luiz Inácio Lula da Silva

Não, mas nós vamos fazer o mesmo. Se tem uma coisa que eu sei fazer, Renata, é cuidar do povo.

Jornal Nacional

Não, o senhor deixou claro que pretende fazer uma gestão na economia diferente da que...

Luiz Inácio Lula da Silva

Não, pretendo fazer uma gestão de acordo com aquilo que nós construímos. Eu hoje tenho dez partidos junto comigo e ainda tenho a experiência do ex-governador Alckmin comigo. Muita gente pensava, um ano atrás, que era impossível o Lula se juntar com Alckmin. E eu me juntei pra dar uma demonstração pra sociedade brasileira. Que política não tem que ter ódio. Política, sabe? É a coisa mais extraordinária pra você estabelecer convivência entre os contrários.

Jornal Nacional

É de política e de alianças que nós vamos falar agora. O senhor tem dito que o Centrão se formou lá atrás na constituinte e que participou da base de todos os governos, no de Fernando Henrique Cardoso, do seu, de Dilma, de Temer e agora de Jair Bolsonaro. Só que o relacionamento de governos do PT com o Congresso resultou em escândalos de corrupção como o mensalão por exemplo. Como evitar que isso aconteça novamente?

Luiz Inácio Lula da Silva

Você acha que o mensalão que tanto se falou é mais grave do que o orçamento secreto?

Jornal Nacional

Vamos falar de orçamento secreto.

Luiz Inácio Lula da Silva

Deixa eu lhe falar uma coisa.

Jornal Nacional

Vamos falar de orçamento secreto.

Luiz Inácio Lula da Silva

Deixa eu lhe falar uma coisa. A vida política estabelecida em regime democrático é a convivência democrática na diversidade. Nenhum presidente da República num regime presidencialista governa se não estabelecer relação com o Congresso Nacional. O Centrão não é um partido político. O Centrão não é um partido político, até porque hoje só tem partido político no Brasil, o PT. O PC do B, talvez o PSOL, o PSB. Porque quase todos os outros partidos são cartoriais. Ou seja, são cooperativas de deputado, que se junta em determinadas circunstâncias. Ora, então quem ganhar as eleições, quem ganhar as eleições se for a Renata ou se for o Bonner ou se for Lula, vai ter que conversar com o Congresso Nacional.

Não conversar com o Centrão, porque o Centrão não é um partido político. Você vai conversar com os partidos separados e depois obviamente...

... que o nome Centrão foi cunhado pra poder derrotar a gente na constituinte de 88, que a gente estava avançando muito na área social.

“Centrão” foi o apelido dado a uma união de parlamentares de centro e de direita no Congresso Nacional durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Segundo o CPDOC-FGV (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas), o grupo foi um dos responsáveis por assegurar a vitória do sistema presidencialista e o mandato de cinco anos, e ajudou a barrar algumas propostas defendidas por movimentos sindicais e sociais.

Jornal Nacional

Mas como evitar escândalos de corrupção como que houve?

Luiz Inácio Lula da Silva

Você punindo as pessoas, denunciando as pessoas. O que eu acho maravilhoso é denunciar a corrupção. O que é grave é quando a corrupção fica escondida. Por isso que eu acho importante uma imprensa livre. Por isso que eu acho importante uma Justiça eficaz. Porque, se tiver um problema de corrupção, Renata, tem que ser denunciado. Em qualquer lugar tem que ser denunciado na empresa privada, na empresa pública.

Não é possível você ficar guardando a corrupção sem levar em conta o prejuízo que aquilo traz à sociedade brasileira. Então, minha cara, é o seguinte, toda essa monte de coisa que eu li pra vocês aqui, isso vai ser aperfeiçoado para fazer mais e melhor para que a gente possa até descobrir, mas quando eu descobrir as pessoas serão punidas. Pode ficar certa disso.

Jornal Nacional

O senhor falou em orçamento secreto e a gente falou também em corrupção que não tem como se comparar porque não existem níveis de corrupção, né? Corrupção é corrupção. Mas o senhor mencionou o orçamento secreto. Como negociar então com o Centrão sem moedas de troca, como essa do orçamento secreto, que o senhor critica tanto.

Luiz Inácio Lula da Silva

Não é moeda de troca, Renata, isso aqui é a usurpação do poder, ou seja, acabou o presidencialismo. Bolsonaro não manda nada. O Bolsonaro é refém do Congresso Nacional. O Bolsonaro sequer cuida do Orçamento, Renata, sequer cuida do Orçamento. O Orçamento quem cuida é o Lira. Ele que libera verba, o ministro liga pra ele, não liga para o presidente da República. Isso nunca aconteceu desde a Proclamação da República. E eu tenho consciência que uma das tarefas minha e do Alckmin, se a gente ganhar, é a gente tentar, primeiro, trabalhar durante o processo eleitoral para que a gente eleja muitos deputados e muitos senadores com outra cabeça. Segundo, acabar com essa história de semipresidencialismo, de semiparlamentarismo, no regime presidencial.

Jornal Nacional

Mas o senhor acha mesmo que vai conseguir?

Luiz Inácio Lula da Silva

O Bolsonaro parece o bobo da corte. Ele não coordena o Orçamento.

Veja que engraçado, ele agora acabou de aumentar o o auxílio emergencial para R$ 600, correto? Ele queria 200, a gente queria 600, ele mandou 500, agora mandou 600. Até quando? Até dia 31 de dezembro. Porque, na LDO que ele mandou pro Congresso Nacional agora, não tem a continuidade.

E ele então acaba de mandar LDO e vem aqui mentir e dizer: não eu vou continuar, eu vou continuar. Se você vai continuar, por que que ele não colocou ali, diretrizes orçamentárias.

De fato, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) publicada no Diário Oficial da União de quarta-feira (24) não garante a continuação do pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600. O aumento de R$ 400 para R$ 600 foi viabilizado pela emenda constitucional que prevê estado de emergência até o fim de 2022. O governo planeja uma proposta de lei orçamentária para 2023 que estenderia os R$ 600 para o próximo ano, mas o texto ainda não foi enviado ao Congresso.

Jornal Nacional

Mas o senhor acredita mesmo sobre o orçamento secreto? O senhor vai conseguir convencer o Congresso abrir mão de um mecanismo que está tanto poder aos parlamentares?

Luiz Inácio Lula da Silva

Vamos.

Jornal Nacional

Como?

Luiz Inácio Lula da Silva

Vamos. Conversando com eles. Primeiro, durante a campanha você vai perceber que eu vou trabalhar muito essa questão da eleição. Sabe, e hoje não é só o presidente da República, não. Os governadores do estado estão reféns dessas emendas secretas também. Porque antigamente o deputado ia conversar com o governador pra fazer aplicação de verba. Hoje, os deputados não conversam mais. Tem deputado liberando 200 milhões, 150 milhões, 100 milhões. Isso é um escárnio. Isso não é democracia. Então essas coisas pode ficar certa. Pode ficar certa, que nós vamos resolver. Eu estou olhando pra você dizendo, que eu quero que você me cobre. Nós vamos resolver conversando com os deputados.

E eu espero que a sociedade brasileira aprenda nessas eleições uma lição muito grande. O Congresso Nacional é o resultado da sua consciência política no dia das eleições. Então quando você for votar, sabe? Você coloque esperança, coloque otimismo e não coloque rancor na urna porque não dá certo.

Jornal Nacional

Candidato, o senhor está fazendo um discurso aqui muito claro em favor da negociação, da composição política pela governabilidade. É do que se tratam, não é? Negociações no Congresso nesse sentido. O senhor acha que a militância do seu partido concorda com essa necessidade de composição política? A minha pergunta é porque existe uma ala grande do seu partido que ainda não aceitou Geraldo Alckmin como o candidato a vice na sua chapa, e tem hostilizado o seu candidato a vice. O que que o senhor diria para esses militantes do PT que ainda se recusam a aceitar Alckmin depois das trocas de acusações pesadas que o senhor fizeram aí? Os senhores fizeram ao longo de alguns anos na política?

Luiz Inácio Lula da Silva

Bonner, nós não estamos vivendo no mesmo mundo. Eu estou até com ciúmes do Alckmin. Você tem que ver que sujeito esperto.

Jornal Nacional

Não tem vaia (...) às vezes?

Luiz Inácio Lula da Silva

Ele fez um discurso no dia 7 de maio, sabe? Quando ele foi apresentado oficialmente ao PT, que eu fiquei com inveja. Ele foi aplaudido de pé. Pergunta para esposa dele, para dona Lu, que anda com a Janja, para ver o como ela está gostando da coisa. O Alckmin já foi aceito pelo PT de corpo e alma. Sabe? O que eu não quero é que o PT peça para ele se filiar, porque a gente não quer brigar com o PSB.

Mas o Alckmin é uma pessoa que vai me ajudar. Eu tenho 100% de confiança que a experiência dele como governador de São Paulo e depois mais seis anos como vice do Mário Covas vai me ajudar a consertar esse país. É a única razão pela qual eu quero voltar a ser presidente é a de consertar esse país. Esse país tem que voltar a crescer. Tem que voltar a ser feliz. Tem que voltar a gerar emprego. Sabe? O povo. Eu digo sempre, o povo tem que voltar a comer um churrasquinho. A comer uma picanha e tomar uma cervejinha.

Jornal Nacional

Candidato, ainda há propósito desta intolerância manifestada em alguns momentos contra o seu candidato a vice, o senhor disse que isso está superado. Mas é fato que durante muito tempo, a militância do PT estimulada muitas vezes pelo senhor ou por outros líderes do partido, essa militância foi muito agressiva com quem pensava diferente. E não só na internet. Nas ruas também. Que lições o senhor e o PT tiraram disso?

Luiz Inácio Lula da Silva

Oh Bonner, feliz era o Brasil e a democracia brasileira quando a polarização desse país era entre PT e PSDB. A gente era adversário político, a gente trocava farpas, mas, se a gente se encontrasse num restaurante, eu não tinha nenhum problema de tomar uma cerveja com o Fernando Henrique Cardoso, com o José Serra ou com o Alckmin, porque a gente não se tratava como inimigo. A gente se tratava como adversário.

Jornal Nacional

O senhor não teria problema, mas a militância do senhor...

Luiz Inácio Lula da Silva

É como torcida organizada. A torcida organizada não é a torcida do Flamengo, não é a torcida do Vasco, aquela que briga, aquela que vaia o time, não. Sabe, eu não sei se você viu o jogo do São Paulo ontem. O Rafinha que jogava no Flamengo ontem, ele engrossou lá no jogo contra o Flamengo e ele e o outro do Flamengo se abraçaram porque política é assim. Política é exatamente assim, você tem divergência, você briga, você diverge, você tem divergência programática. Mas você não é inimigo. Não é inimigo.

Jornal Nacional

Mas candidato o senhor passou anos repetindo uma expressão que se consolidou no seu governo dividindo o Brasil entre nós e eles. É um fato.

Luiz Inácio Lula da Silva

Você já foi em campo de futebol? Você torce pra algum time? Você já foi junto com outros companheiros? É nós e eles. A torcida do Vasco é nós, a do Flamengo é eles.

Jornal Nacional

Mas você não acha que isso estimula a polarização?

Luiz Inácio Lula da Silva

Eu acho que a polarização, ela é saudável. No mundo inteiro, tem polarização, tem nos Estados Unidos, tem na Alemanha, tem na França, tem na Noruega, tem na Finlândia, tem em tudo quanto é lugar. Sabe? Toda vez que tem mais que uma pessoa participando de alguma coisa não tem polarização no partido comunista chinês. Não tinha polarização no partido comunista cubano. Agora, quando você tem democracia, quando você tem mais que um disputando a polarização, é saudável. Ela é importante, ela é estimulante. Ela faz a militância ir pra rua, ela faz a militância carregar bandeira. O que é importante é que a gente não confunda a polarização com estímulo ao ódio. Eu me dou muito bem com os PSDB que foi meu principal adversário durante tanto tempo.

E depois é o seguinte, Bonner, eu aprendi na minha vida a conversar, eu aprendi a conversar. Se tem uma coisa que eu aprendi fazer foi negociar foi conversar com os contrários. Tem uma frase do Paulo Freire que é fantástica que eu utilizei pra mostrar os militantes do PT a entrada de Alckmin do PT: de vez em quando, a gente precisa estar junto com os divergentes para vencer os antagônicos. E agora nós precisamos vencer o antagonismo do fascismo da ultra-direita.

Jornal Nacional

Então candidato continuando vamos pro agronegócio. No seu governo a política agrícola contribuiu muito pro crescimento do setor do agronegócio no Brasil. E foi também um período em que os preços internacionais das commodities os grãos em geral, soja, milho estavam bem altos. O seu ministro da agricultura foi um grande produtor rural. Mas hoje grande parte do setor agro não o apoia. O senhor atribui esse afastamento a desconfianças talvez geradas pelo relacionamento do seu partido com o MST?

Luiz Inácio Lula da Silva

Não, Renata tem tem o seguinte, veja, eu queria que você trouxesse aqui o mais reacionário representante do agronegócio. E perguntasse pra ele o que o Bolsonaro fez pra eles que chegou perto daquilo que nós fizemos. Eu queria que você chamasse. Sabe por quê? Porque não tem nenhum governo que tratou do agronegócio como nós tratamos. Eu vou dizer pra você: nós fizemos uma medida provisória 432, se não me falha a memória, de 2008. Que fez uma negociação, sabe, com os produtores rurais de R$ 85 bilhões, senão eles tinham quebrado.

Jornal Nacional

Então a que que o senhor atribui que grande parte desse eleitorado não o apoia?

Luiz Inácio Lula da Silva

Eu vou dizer o que que eu atribuo. Aqui toda a nossa política em defesa, sabe, da Amazônia. A nossa política em defesa do Pantanal, a nossa política em defesa da Mata Atlântica, ou seja, a nossa luta contra o desmatamento faz com que eles sejam contra nós. Sabe, é isso?

Jornal Nacional

Mas agronegócio e meio ambiente anda junto.

Luiz Inácio Lula da Silva

Eles são contra. Outro dia eu fui numa reunião e eu perguntei pra um pra um fazendeiro falei o seguinte: eu queria que você me dissesse qual foi a terra produtiva que o sem-terra invadiu? Qual foi a terra produtiva que sem terra invadiu?

Porque os sem-terra invadiram terras improdutivas.

Ao relatar um questionamento que fez a um fazendeiro, Lula sugere que o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) invadiu apenas terras improdutivas durante o seu governo, o que é FALSO. O Aos Fatos identificou ao menos duas ocasiões durante o governo do petista em que integrantes do movimento ocuparam propriedades produtivas. Em 2004, famílias ligadas ao MST invadiram uma fazenda da Veracel Celulose, em Porto Seguro (BA), e derrubaram eucaliptos para protestar contra o ritmo das desapropriações no local. Em 2009, integrantes do movimento destruíram milhares de pés de laranja em uma fazenda da Cutrale em Borebi (SP), alegando que a terra pertencia à União.

Quem fiscalizava a terra era o Incra e quem pagava era o governo. Tinha hora que eu achava o seguinte: os sem-terra acho que estão fazendo favor pros fazendeiro porque está sabe invadindo a terra pro governo pagar.

Jornal Nacional

Agora, antes da gente abordar um pouquinho mais sobre o sem-terra, é preciso fazer esse esclarecimento porque, como o senhor colocou, parece que o setor do agronegócio é não tem a ver, é contrário faz oposição ao meio ambiente, ao meio ambiente sustentável.

Luiz Inácio Lula da Silva

Não, faz não. Você acabou de ver. Você ou veja o agronegócio sabe? Que é fascista e direitista. Porque os empresários sérios que trabalham no agronegócio. Que tem comércio com o exterior. Que exporta pra Europa, pra China. Eles não querem desmatar. Esses querem preservar o nosso rio, eles querem preservar as nossas águas, querem preservar nossas fauna. Esses não. Mas você tem um monte que quer. Você está lembrado que o atual presidente tinha um ministro do Meio Ambiente que dizia que era pra, sabe, invadir com a boiada pra desmatar a Amazônia. Mas nós não precisamos plantar milho soja ou cana na Amazônia. O que nós precisamos é explorar corretamente a biodiversidade da Amazônia para que a gente tire daquela riqueza da biodiversidade. Produtos para a indústria de fábrica ou para a indústria de comércio e gerar emprego pra aquelas pessoas.

Jornal Nacional

E qual será o do MST no seu governo?

Luiz Inácio Lula da Silva

O MST está fazendo uma coisa extraordinária. Está cuidando de produzir. Não sei se você sabe o MST hoje tem várias cooperativas.

O MST é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil.

Você tem você tem que visitar uma cooperativa do MST, Renata. Você vai ver que aquele MST de trinta anos atrás não existe mais.

Agora, o Bolsonaro está ganhando algum fazendeiro porque está liberando armas. Sabe? Tem gente que acha que é bom ter arma em casa. Que acha que é bom matar alguém. Não. O que nós queremos é pacificar esse país. Porque, pra mim, o pequeno produtor rural, o médio produtor rural tem que viver pacificamente com o grande negócio. O Brasil tem possibilidade de ter os dois. Um produz mais internamente. O outro produz mais externamente.

Ou seja, eu digo sempre o seguinte, o Blairo Maggi é o maior plantador de soja do Brasil, talvez ele não crie a galinha caipira que ele gosta de comer. Talvez ele não crie o porquinho orgânico que ele gosta de comer. Talvez ele vá comprar num pequeno proprietário. Então, é extremamente importante a convivência pacífica dessa gente. E nós já fizemos uma vez, Renata, e vamos fazer outra vez.

Jornal Nacional

Candidato, o nosso tempo está quase acabando e ainda dá pra fazer mais uma perguntinha. É sobre política internacional. Os seus adversários políticos costumam acusá-lo de apoiar ditaduras latino-americanas de esquerda. O senhor disse que se deve respeitar a soberania interna dos países e o senhor evita criticá-los. Pra um democrata, isso não soa como uma contradição, candidato?

Luiz Inácio Lula da Silva

Não. Primeiro, pra um democrata, a gente precisa respeitar a autodeterminação dos povos. Cada país cuida do seu nariz. É assim que eu quero pro Brasil, é assim que eu quero pros outros. Veja, você está lembrado que...

... em 2003, eu tinha apenas um mês de governo, eu criei o grupo de amigos junto com os Estados Unidos, junto com a Espanha pra resolver as pendegas entre a Venezuela e a Colômbia.

É verdade que, em 15 de janeiro de 2003, o então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, anunciou a criação do Grupo de Amigos do Secretário-Geral da OEA (Organização dos Estados Americanos) para a Venezuela, formado por Brasil, Chile, Espanha, Estados Unidos, México e Portugal. De acordo com registros da imprensa na época, porém, o objetivo não era resolver conflitos do país com a Colômbia, mas debelar uma crise interna na Venezuela que envolvia uma greve pela renúncia do então presidente Hugo Chávez.

Sabe, é o seguinte, você sabe que eu botei na minha cabeça o seguinte: não existe ninguém imprescindível, insubstituível. Quando o cara começa a pensar que ele é imprescindível e insubsituível, ele está virando um ditador. Tentar lembrar do que eu tinha 87% de bom e ótimo quando um deputado do PT resolveu propor uma emenda no Congresso Nacional por terceiro mandato e eu não quis. Eu estou favorável à rotação, sabe? Do poder.

Sabe, a alternância de poder é uma coisa importante. Hoje tem um cara de esquerda, amanhã tem um de direita, depois tem um de centro. É assim que a sociedade caminha. Por isso que eu estou muito tranquilo. Muito tranquilo. Sabe, com a minha relação internacional. Aliás, eu vou te dizer uma coisa. Se eu ganhar as eleições, você vai ver a enxurrada de amigos que estão desaparecidos que vão visitar o Brasil, porque o Brasil vai ser amigo de todo mundo. O Brasil não tem contencioso internacional.

Jornal Nacional

Candidato Lula, nós não temos mais tempo para novas perguntas, então chegou aquele momento em que o senhor tem direito a um minuto pra se dirigir aos eleitores como quiser pra pra suas considerações finais.

Luiz Inácio Lula da Silva

Nunca pensei que fosse tão rápida assim 40 minutos. Olha eu queria dizer ao povo brasileiro que nós já provamos que é possível cuidar do povo brasileiro. Eu não gosto de utilizar a palavra governar. Eu gosto de utilizar a palavra cuidar. Ou seja, tentar colocar o pobre no orçamento do país. Tentar fazer com que as pessoas possam chegar a universidade. E vocês sabem que eu tenho orgulho de ter passado para a história como presidente que mais fez universidade, que mais fez escola técnica.

Nós pegamos o Brasil com 3,5 milhões de estudantes universitários, deixamos com 8 milhões.

Em 2002, havia 3,4 milhões de matrículas no ensino superior, segundo dados do Censo de Educação Superior, do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Em 2015, último ano completo do PT no poder, esse número era de 8 milhões.

Ou seja, esse país é um país do futuro que nós precisamos construir. Não existe nenhuma experiência de país que ficou rico sem investir na educação. Então nós vamos votar para poder investir na geração de emprego.

Aliás, uma coisa importante:

Nós temos quase que 70% das famílias brasileiras endividadas.

Um levantamento da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) mostra que o percentual de famílias que relataram ter dívidas a vencer foi de 78% em julho de 2022, a maior proporção em 12 anos.

E a grande maioria delas é mulher, 22% endividada porque não pode pagar a conta d'água, a conta de luz, a conta do gás.

O levantamento da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) mostra que o percentual de mulheres com dívidas foi de 80,6% em julho de 2022 — 8,3 pontos percentuais a mais do que em julho de 2021.

Nós vamos negociar essa dívida. Pode ficar certo que nós vamos negociar. Sabe? Com aí o setor privado e com o sistema financeiro porque nós precisamos volte a viver com dignidade.

Jornal Nacional

Candidato, seu tempo terminou. Mas eu, antes de encerrar, eu preciso fazer uma correção. cometi um erro aqui. Eu me referi ao dinheiro devolvido à Petrobras como US$ 6,2 bilhões. Não foram de dólares. Foram de reais. Está feita a correção aqui. Muito obrigado mais uma vez. Obrigada. Por ter vindo o candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Está terminando aqui a nossa entrevista. E o Jornal Nacional volta daqui a pouco.

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