Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Março de 2017. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Checamos dois argumentos contra a terceirização tal como era

Por Ana Rita Cunha e Tai Nalon

24 de março de 2017, 16h50

Quando, na última quarta-feira (22), a Câmara dos Deputados aprovou projeto que permite a terceirização de atividades-fim no setor privado, Aos Fatos recebeu pedidos de leitores para checar questões relativas à reforma nas relações de trabalho.

Por meio da nossa ferramenta #vamosaosfatos, um leitor de Aracaju (SE) indicou dados citados na entrevista do procurador do Trabalho Ângelo Fabiano Farias da Costa à revista Carta Capital. Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, ele disse que o trabalhador terceirizado "ganha menos, tem jornadas maiores e estão mais vulneráveis a acidentes de trabalho".

Aos Fatos apurou em estudos da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos) que parte dessa afirmação é VERDADEIRA: as pesquisas indicam que terceirizados tendem a ganhar menos e trabalhar mais, embora haja nuances.

No entanto, é FALSO dizer que existem mais mortes de terceirizados — mais ainda na proporção mencionada. A parcela citada se refere a uma quantidade limitada de trabalhadores e não há estudos que permitam ao procurador extrapolar essa visão.

Veja, abaixo, o que checamos.


VERDADEIRO

[O trabalhador terceirizado] ganha menos e tem jornadas maiores. — Ângelo Fabiano Farias da Costa, procurador do Trabalho

Em relação à questão salarial, existem diferenças de impacto demonstradas em dois estudos independentes analisados por Aos Fatos. Um deles tem problemas metodológicos que distorcem o resultado, mas foi nele que o procurador baseou sua afirmação.

Estudo de agosto de 2015 publicado pela Escola de Economia da FGV-SP revela que, embora de fato haja perda salarial para trabalhadores terceirizados em relação àqueles com registro formal, isso acontece de maneira diferente a depender da qualificação do empregado.

Conforme os pesquisadores, terceirizados ganham em média 17% menos do que trabalhadores contratados pela empresa. Se for excluído o impacto do nível de escolaridade dos trabalhadores, idade, tempo de serviço entre outras características observáveis, essa diferença cai para 3%.

Os autores do estudo também observam que os efeitos da terceirização são heterogêneos. "Atividades que requerem baixa qualificação parecem resultar em remunerações inferiores para os terceirizados. Já nas atividades de alta qualificação, o diferencial caminha na direção contrária e a remuneração dos terceirizados é estatisticamente igual ou até maior", afirmam os pesquisadores.

O estudo leva em consideração ocupações tipicamente abraçadas por empresas prestadoras de serviços, como, por exemplo, atividades de limpeza, de vigilância, segurança privada e transporte de valores, tecnologia da informação e telemarketing.

De acordo com os pesquisadores, esses terceirizados são, em média, mais de três anos mais novos que os trabalhadores formais, e uma menor proporção deles tem ensino superior completo. Eles também explicitam que a duração média dos vínculos é consideravelmente maior no caso dos trabalhadores diretamente contratados. Por causa dessas diferenças, os autores avaliam que "é natural que a remuneração média observada dos terceirizados seja menor".

"O maior diferencial nos salários foi encontrado para os trabalhadores de telemarketing que transitam entre as duas formas de contratação com -12% no salário mensal. Trabalhadores de limpeza e conservação, montagem e manutenção de equipamentos e TI também apresentam um diferencial negativo, todos ao redor de -5%. Por outro lado, os trabalhadores das atividades de segurança/vigilância recebem, em média, 5% a mais quando são terceirizados", diz o estudo.

Já de acordo com levantamento do Dieese usando dados de 2013, os trabalhadores terceirizados ganham 24,7% menos do que os contratados diretamente pela empresa. Esse estudo também aponta que trabalhadores terceirizados têm uma jornada semanal maior, de 43h, frente a jornada de 40h dos trabalhadores próprios das empresas. Não há informações claras, contudo, sobre como o estudo chegou a essas conclusões.

Diferenças de metologia. Os estudos apresentam recortes distintos de uma mesma base, ainda que endossem o argumento da diferença salarial entre os dois tipos de relação de trabalho. O problema está no fato de que não há um banco de dados público aberto sobre essa população.

Como explica a nota técnica do Dieese, é vedado pelo governo federal o acesso de instituições de pesquisa ao Cadastro Nacional de Informações Sociais, fonte de dados primários que permitiria diferenciar com clareza os trabalhadores terceirizados dos não terceirizados.

Os dois estudos usam como base a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho e Emprego. Essa base de dados não permite identificar quais trabalhadores são terceirizados. Com isso, cada pesquisa possui critérios próprios de seleção de quais atividades devem ter seus trabalhadores tratados como terceirizados.

O estudo da FGV tem como base uma sondagem da CNI (Confederação Nacional da Indústria) sobre terceirização feita em 2014. Nele, os pesquisadores comparam os vencimentos de atividades tipicamente terceirizadas com as remunerações da mesma atividade quando o trabalhador, de mesma qualificação, é contratado diretamente.

O estudo do Dieese, por sua vez, usa o resultados de estudos anteriores do próprio instituto de pesquisa para definir seus critérios. Ali, compara, por exemplo, os vencimentos de atividades tipicamente terceirizadas com os ganhos de atividades tipicamente contratantes. A comparação, no entanto, se dá entre ocupações distintas, com diferentes graus de qualificação. Segundo especialistas, não é um cruzamento com método adequado, já que iguala atividades cujas qualificações e remunerações são essencialmente diferentes.


FALSO

[O trabalhador terceirizado] está muito mais vulnerável a acidentes de trabalho. De cada cinco acidentes com morte, quatro são com terceirizados.

A informação mencionada por Ângelo da Costa a respeito de acidentes fatais no trabalho se refere apenas às ocorrências na Petrobras e no setor elétrico — e não à totalidade de trabalhadores, como ele dá a entender.

De 1995 até 2013, ocorreram 310 acidentes de trabalho com morte na Petrobras, no Brasil, segundo estudo do Dieese com a Federação Única dos Petroleiros. Do total de acidentes fatais, 80% das vítimas eram trabalhadores terceirizados, contra 20% de mortes entre trabalhadores próprios, ou seja, 4 em cada 5 mortes foram de terceirizados.

No setor elétrico, de 2003 a 2011, houve 683 acidentes fatais de trabalho, segundo relatório de estatísticas de acidentes do setor elétrico brasileiro, produzido pela Fundação Comitê de Gestão Empresarial. Desse total de acidentes, 81% foram com trabalhadores terceirizados, contra 19% com trabalhadores contratados diretamente pelas empresas.

Não foram encontrados estudos que apresentassem dados gerais sobre acidentes com trabalhadores terceirizados. Segundo o Dieese, as estatísticas oficiais de acidentes do trabalho não identificam se a empresa é terceirizada.

Além disso, todos os estudos foram concluídos dentro da atual legislação, de modo que o resultado das pesquisas têm como base funções terceirizadas que não desempenham a atividade-fim da empresa contratante. O impacto da nova lei não pode ser quantificado e Aos Fatos, conforme sua metodologia, não checa previsões nem faz projeções.

Selos. A reportagem preferiu partir a declaração ao meio, de modo que ficasse claro que o argumento do procurador não é totalmente correto. Quanto às jornadas maiores e à remuneração reduzida típicas do trabalho terceirizado, trata-se de uma afirmação coerente com os estudos disponíveis, de modo que Aos Fatos concede o selo VERDADEIRO. É FALSA, entretanto, a afirmação de que quatro em cinco acidentes de trabalho com morte no país têm como vítimas trabalhadores terceirizados, já que os únicos dados existentes referem-se a uma parcela limitada de empregados.


A reportagem foi alterada às 13h05 do dia 30 de março de 2017 para detalhar questões relativas à metodologia de ambos os estudos citados e demonstrar por que o estudo Dieese/CUT apresenta problemas.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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