O que é verdadeiro e falso no discurso de Lula na ONU

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou nesta terça-feira (24) na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Em pouco menos de 20 minutos, o chefe de Estado brasileiro falou a seus pares sobre temas como a emergência climática, o aumento da desigualdade, conflitos geopolíticos e novas tecnologias. Também cobrou mudanças na ONU e criticou as plataformas digitais “que se julgam acima da lei”.

Foi a nona participação do petista no evento, que pela primeira vez teve a presença de uma delegação palestina, saudada por Lula no início de sua fala. A comitiva brasileira no plenário contou com o chanceler Mauro Vieira; o ex-chanceler e chefe da assessoria especial de Lula, Celso Amorim; o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); e a primeira-dama Rosângela da Silva.

A fim de exaltar os governos do PT, o presidente repetiu uma informação falsa que faz parte de seu repertório há anos — a de que ele e Dilma Rousseff acabaram com a fome no Brasil. Na verdade, o país nunca deixou de registrar milhões de pessoas na categoria insegurança alimentar grave, classificação dada a quem de fato não tem o que comer.

Lula também disse que “o Brasil condenou de maneira firme a invasão do território ucraniano”, mas omitiu que ele próprio deu declarações em que relativizou a invasão russa.

Ao comentar os incêndios florestais que devastam diferentes regiões do país, Lula citou a estatística correta sobre a área atingida — foram 5,65 milhões de hectares queimados apenas em agosto, o equivalente à área do estado da Paraíba.

Confira, abaixo, o que checamos.

  1. Lula repetiu a desinformação de que os governos petistas conseguiram acabar com a fome no Brasil. O país nunca deixou de registrar milhões de pessoas em insegurança alimentar;
  2. O presidente também omitiu que, no início do conflito entre Rússia e Ucrânia, ele relativizou a situação ao culpar os dois presidentes — Putin e Zelenski — pela guerra;
  3. O petista foi impreciso ao citar o número de emendas à Carta da ONU e sua datas de aprovação;
  4. Lula, no entanto, citou dados verdadeiros sobre a redução de desmatamento da Amazônia em seu primeiro ano de governo;
  5. Ele também acertou a extensão da área destruída no Brasil pelas queimadas recentes;
  6. Outro dado correto citado pelo presidente foi o gasto militar mundial, que chegou a US$ 2,4 trilhões em 2023.

“Esse é o compromisso mais urgente do meu governo. Acabar com a fome no Brasil, como fizemos em 2014.”

Lula volta a repetir uma desinformação recorrente em suas falas. A alegação de que os governos do PT teriam acabado com a fome no Brasil é FALSA, porque o país nunca deixou de registrar milhões de pessoas na categoria insegurança alimentar grave, classificação dada a quem de fato não tem o que comer.

Em 2013, ano em que o país chegou à mínima histórica nos números da fome, 7,2 milhões de pessoas — cerca de 3,6% da população da época — sofriam com insegurança alimentar grave, de acordo com o IBGE.

Além da insegurança alimentar grave, há ainda pessoas que estão nas categorias leve e moderada. Em 2013, 25,8% dos brasileiros viviam algum grau de insegurança alimentar, que considera desde quem reduziu o número de refeições ou foi obrigado a optar por alimentos mais baratos e menos nutritivos até quem não tinha acesso a comida.

Para justificar a alegação de que os governos do PT venceram a fome, o presidente recorrentemente cita o fato de o Brasil ter deixado o Mapa da Fome da ONU em 2014. Isso ocorreu, no entanto, por uma alteração na metodologia do levantamento, aliada à queda nos índices de insegurança alimentar. O país voltou ao Mapa da Fome em 2022, último ano da gestão

“Brasil condenou de maneira firme a invasão do território ucraniano.”

A afirmação carece de contexto, porque, embora o Brasil tenha condenado a invasão do território ucraniano pela Rússia em diversas ocasiões, o próprio Lula já relativizou o conflito ao apontar que a Ucrânia também teria uma parcela de culpa pela guerra.

Pouco depois da invasão, em março de 2022, o petista afirmou em discurso que os motivos para a guerra seriam resolvidos em uma mesa de bar. Dois meses depois, ele afirmou em entrevista à Time que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, era tão culpado pelo conflito quanto o russo Vladimir Putin, porque nenhum dos dois estaria se esforçando para garantir a paz.

O presidente voltou a repetir essa alegação depois de empossado, em abril de 2023. Em discurso em Portugal, ele condenou a violação da integridade territorial da Ucrânia, mas ressaltou que os dois países seriam responsáveis pelo conflito e por seu prolongamento.

A declaração mais recente de Lula sobre a invasão russa é de junho de 2024, quando o mandatário afirmou na Cúpula do G7, como agora, que o “Brasil condenou de maneira firme a invasão da Ucrânia pela Rússia”.

Como o conflito começou antes do atual mandato, as primeiras respostas do governo brasileiro a nível institucional, no entanto, vieram da gestão de Jair Bolsonaro (PL). Logo no início do conflito, o então presidente disse que adotaria um posicionamento neutro, porque não queria “trazer as consequências do embate para o país”. Em julho, o chefe do Executivo voltou a demonstrar posicionamento semelhante.

Na ONU, no entanto, o país votou em fevereiro de 2022 a favor de uma resolução que condenou a invasão da Ucrânia. Na época, o então vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou que o Brasil não era neutro e não concordava com o conflito.

“Prestes a completar 80 anos, a Carta das Nações Unidas nunca passou por uma reforma abrangente. Apenas 4 emendas foram aprovadas, todas elas entre 1965 e 1973.”

O presidente Lula foi impreciso ao listar as mudanças na Carta das Nações Unidas, tratado assinado em 1945 que é um marco da fundação da organização.

É verdade que o documento jamais passou por uma reforma abrangente. Entretanto, o número de emendas aprovadas desde a assinatura é cinco — e não quatro, como afirmou Lula.

O presidente também confundiu o intervalo de anos em que as emendas foram aprovadas: a aprovação ocorreu entre 1963 e 1971. O período de 1965 a 1973, citado por Lula, corresponde às datas em que as alterações na Carta da ONU entraram em vigor.

Apesar de terem sido aprovadas cinco emendas, apenas quatro artigos sofreram alteração, já que duas das mudanças foram feitas no mesmo trecho do documento:

  • 17.dez.1963: a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou as emendas aos artigos 23, 27 e 61, que entraram em vigor em 31 de agosto de 1965;
  • 20.dez.1965: foi aprovada uma emenda ao artigo 109, que entrou em vigor em 12 de junho de 1968;
  • 20.dez.1971: a Assembleia Geral voltou a mexer no artigo 61, e a nova mudança passou a vigorar em 24 de setembro de 1973.

As emendas alteraram o número de membros do Conselho de Segurança e do Conselho Econômico e Social da ONU, as regras para a convocação de conferências gerais e o número de membros do Conselho de Segurança com direito a voto.

“Reduzimos o desmatamento na Amazônia em 50% no último ano.”

Lula acerta ao falar da redução do desmatamento da Amazônia em 2023. De acordo com os dados mais atualizados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais), a região registrou, entre agosto de 2023 e julho de 2024, uma queda de 45,8% na área desmatada em comparação com o período compreendido entre agosto de 2022 e julho de 2023.

Levando em consideração o período anual iniciado em janeiro, a queda é de 50%: foram 10.278 km² desmatados em 2022 e 5.154 km² desmatados em 2023.

O desmatamento registrado no período entre janeiro e setembro de cada ano mostra uma queda ainda maior na comparação entre 2022 e 2024: 60,6%.

“Incêndios florestais se alastraram pelo país e já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto.”

Lula acertou ao citar o tamanho da destruição causada pelas queimadas que atingem o país. Segundo dados do Monitor do Fogo, do projeto MapBiomas — conduzido por universidades, ONGs e empresas de tecnologia —, foram queimados no mês de agosto 5,65 milhões de hectares, o equivalente à área do estado da Paraíba.

Na comparação com o mesmo período de 2023, a área devastada aumentou 149%, tornando o último mês de agosto o pior mês da série histórica, iniciada em 2019.

“Os gastos militares globais cresceram pelo nono ano consecutivo e atingiram US$ 2,4 bilhões.”

A declaração é VERDADEIRA. De acordo com levantamento do Sipri (Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo), os gastos militares em todo o mundo totalizaram US$ 2,44 trilhões em 2023. Também é fato que o montante cresceu nos últimos nove anos, saindo de US$ 1,88 trilhão em 2019 para os valores mencionados por Lula.

O caminho da apuração

Aos Fatos transcreveu todo o discurso de Lula na ONU com a ajuda do Escriba e selecionou as falas passíveis de verificação. Os repórteres apuraram as alegações por meio de dados disponíveis em bases públicas, verificações feitas anteriormente e reportagens publicadas na imprensa.

Aos Fatos também procurou a assessoria do presidente no início da tarde desta terça-feira para abrir espaço para comentários.

Referências

  1. Aos Fatos (1 e 2)
  2. IBGE
  3. Casa Civil
  4. g1 (1, 2, 3, 4 e 5)
  5. UOL
  6. CNN Brasil (1 e 2)
  7. Ansa Brasil
  8. Correio Braziliense
  9. ONU (1 e 2)
  10. Inpe
  11. Mapbiomas
  12. Sipri

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