Os cinco principais candidatos à Prefeitura do Rio de Janeiro participaram na noite desta quarta-feira (3) do último debate antes do primeiro turno, organizado pela Globo.
Líder nas pesquisas, o prefeito Eduardo Paes (PSD) desinformou ao alegar que “o orçamento da Saúde na Prefeitura do Rio, para cuidar só da cidade do Rio de Janeiro, é maior do que o do estado para cuidar de todo o estado do Rio de Janeiro”. Na verdade, o orçamento da pasta estadual é cerca de R$ 1,7 bilhão maior que o da municipal.
Adversários citaram dados incorretos para criticar a atual gestão. O deputado Alexandre Ramagem (PL) enganou ao dizer que o candidato à reeleição cortou em 40% as verbas destinadas ao meio ambiente.
Tarcísio Motta (PSOL) também desinformou para fustigar o prefeito — ao dizer que, em 2022, Paes só apoiou Lula (PT) às vésperas do primeiro turno daquele ano.
Os candidatos distorceram ainda estatísticas sobre políticas públicas. Não é verdade, por exemplo, que as notas no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) de matemática e português “caíram em relação a 10 anos atrás”, como alegou Marcelo Queiroz (PP).
E o deputado estadual Rodrigo Amorim (União Brasil) — cuja candidatura foi indeferida pelo TRE-RJ horas antes — buscou nacionalizar o debate ao afirmar que Lula já defendeu “roubar celular para tomar cerveja”, o que é mentira.
Confira o que checamos:
1. Eduardo Paes (PSD)
“Hoje, o orçamento da Saúde na Prefeitura do Rio, para cuidar só da cidade do Rio de Janeiro, é maior do que o do estado para cuidar de todo o estado do Rio de Janeiro.”
A declaração do prefeito é FALSA, porque o orçamento total da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro não é superior ao valor previsto para a Secretaria Estadual de Saúde.
A LOA (Lei Orçamentária Anual) deste ano previu R$ 9,1 bilhões em recursos para a Secretaria Municipal de Saúde, dos quais R$ 6,6 bilhões já foram empenhados. Já o orçamento previsto para a Secretaria Estadual de Saúde neste ano é de R$ 10,8 bilhões, sendo que R$ 9,5 bilhões já foram empenhados e R$ 8,9 bilhões gastos.
Os dados de 2023 também não condizem com as informações citadas pelo prefeito. No ano passado, a secretaria municipal teve dotação orçamentária de R$ 7,8 bilhões, sendo que 7,5 bilhões foram pagos. Já a da secretaria estadual teve orçamento de R$ 11,4 bilhões, sendo que R$ 10,4 bilhões foram pagos.
Questionada pelo Aos Fatos, a assessoria da campanha de Paes não comentou sobre os valores orçamentários. Alegou que a ideia era fazer uma comparação proporcional e que “o orçamento da Secretaria Municipal de Saúde em comparação à Secretaria Estadual de Saúde é realmente maior quando leva-se em consideração o investimento per capita das pastas”.
“No dia em que foram divulgados os últimos índices de segurança pública, em que dobrou o número de roubo de veículo, de carga, um celular roubado a cada nove minutos no Rio de Janeiro, o senhor estava ao lado do seu padrinho, o governador Cláudio Castro, que é quem comanda a segurança pública, no Rock in Rio.”
Não é verdade que Alexandre Ramagem esteve no Rock in Rio no mesmo dia que dados referentes ao mês de agosto de 2024 foram divulgados pelo ISP (Instituto de Segurança Pública) do Rio de Janeiro.
Ramagem esteve no Rock in Rio no dia 13 de setembro, e os índices foram divulgados pelo ISP seis dias depois, em 19 de setembro.
Os dados do ISP mostram que, em agosto deste ano, os roubos de veículo e de carga no Estado do Rio de Janeiro dobraram na comparação com o mesmo mês do ano anterior. Em agosto foram registrados 2.835 roubos de veículo, o que resulta em uma média de quatro casos por hora.
Já no mesmo mês foram registrados 1.809 roubos de celulares — uma média de um celular roubado a cada 23 minutos, e não nove conforme dito pelo prefeito Eduardo Paes. O dado citado pelo prefeito, na realidade, considera também o número de furtos.
“A prefeitura do jeito que nós encontramos há três anos e meio atrás, no início de 21, com as contas no vermelho, duas folhas de salário atrasados, R$ 6 bilhões de dívida.”
Todos os dados citados por Paes nesse trecho do debate são VERDADEIROS:
- De acordo com a CGM (Controladoria Geral do Município), a administração de Marcelo Crivella terminou 2020 com um déficit orçamentário de R$ 993 milhões;
- Também é fato que a gestão Crivella atrasou salários dos servidores, incluindo profissionais de saúde;
- Os valores de R$ 6 bilhões citado pelo prefeito se referem ao déficit total da administração do ex-prefeito. O dado consta no plano de metas da prefeitura.
2. Alexandre Ramagem (PL)
“Desceu em 40% as verbas e recursos para o meio ambiente.”
Ramagem compara o orçamento da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Clima da administração de Eduardo Paes com o da Secretaria Municipal do Meio Ambiente da Cidade da gestão de Marcello Crivella (2017–2020). Essa conta, no entanto, é incorreta por dois motivos:
- As duas secretarias têm estruturas e competências diferentes. Um exemplo é o licenciamento ambiental, que era da secretaria do meio ambiente, mas foi transferido em 2021 para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico Inovação e Simplificação;
- Na comparação de funções, a gestão de Paes destinou mais verba à rubrica “gestão ambiental”.
Durante mudanças de gestões é comum que a estrutura das prefeituras seja alterada, com remanejamentos de função, criações ou extinções de secretarias. Em 2021, Paes criou nove novas pastas além das 15 existentes no governo Crivella — e uma delas foi a própria Secretaria de Desenvolvimento Econômico Inovação e Simplificação, que absorveu responsabilidades e orçamento da secretaria de Meio Ambiente.
De fato, o governo Paes prevê uma despesa de R$ 164 milhões para a pasta do Meio Ambiente e Clima em 2024. Esse valor representa 54% do que foi gasto em 2020 — último ano da gestão Crivella — com a secretaria do Meio Ambiente (R$ 301 milhões). Considerando a inflação do período, o número fica ainda maior: R$ 394 milhões, corrigidos pelo IPCA de janeiro de 2020.
Embora as duas secretarias tratem de temas relacionados ao meio ambiente, elas abrangem também outras áreas diferentes, e o mais exato seria comparar funções. No orçamento municipal, há a rubrica gestão ambiental. Em 2024, está prevista uma despesa de R$ 221,7 milhões para essa rubrica. Em 2020, foram destinados R$ 129 milhões à mesma rubrica (ou R$ 168,9 milhões, se corrigidos pela inflação).
“Eu nunca falei que acabaria com o BRT, o que eu coloquei é que podemos substituir o BRT gradualmente, o que se viu na avenida Brasil colocando duas faixas é falta de planejamento. Temos que ir substituindo aos poucos. Nunca acabar.”
Nesse trecho do debate, Eduardo Paes apontava uma contradição de Ramagem. Minutos antes, o ex-delegado disse que “temos que manter o BRT, nós temos que aumentar as linhas”. O atual prefeito, então, apontou que Ramagem já havia dito que queria acabar com o BRT, o que foi negado pelo candidato.
Durante entrevista ao podcast Desenrola Rio, em agosto, Ramagem disse que pretendia substituir o BRT — como alegou para se defender no debate —, mas também falou em acabar com o serviço.
A declaração completa foi: “Nós temos que diminuir. Você não pode tirar o BRT de uma vez só. Isso daí não é promessa. Tem que ir trabalhando com ele para fazer a transferência do modal. O metrô é muito caro”. O apresentador pergunta então se o plano é tirar completamente o BRT, e Ramagem responde: “Aos poucos, com toda certeza”.
“Na gestão Eduardo Paes, 36% a menos de ônibus.”
Ramagem se refere a um dado publicado pelo jornal O Globo no início do mês passado com base nos dados da prefeitura. De acordo com o levantamento, das 715 linhas de ônibus que circulavam na capital carioca em 2019, 453 ainda estão operantes em 2024. Isso representa uma queda de 36,6%.
A queda permanece semelhante mesmo se levarmos em conta o primeiro ano da gestão Paes: em 2021, 716 linhas de ônibus estavam ativas na capital.
3. Tarcísio Motta (PSOL)
“[Paes] votou no Bolsonaro em 2018, dizendo que preferia o Paulo Guedes. E aí, de forma oportunista, no final do primeiro turno, em 2022, foi lá para apoiar o Lula, quando muitos, inclusive, consideravam que era possível a sua vitória no primeiro turno.”
Tarcísio erra ao dizer que Eduardo Paes declarou apoio a Lula somente no final do primeiro turno da eleição de 2022. O atual prefeito do Rio de Janeiro anunciou que votaria no petista em julho daquele ano, meses antes do pleito.
Também não é verdade que, em 2018, Paes, então candidato ao governo do estado, declarou voto em Jair Bolsonaro (PL) nas eleições presidenciais.
No entanto, apesar de reiterar em diversos momentos que manteria uma posição de neutralidade e não declararia seu voto em 2018, Paes de fato afirmou, durante um debate, que “a agenda colocada pelo Paulo Guedes é uma agenda mais naquilo que eu acredito” e que possuía uma maior identificação com a agenda política de Bolsonaro.
“Nós queremos uma cidade onde não se aceite como natural que 500 mil pessoas passem fome na própria cidade do Rio de Janeiro enquanto o prefeito gasta mais dinheiro em publicidade do que no enfrentamento à fome, como foi em 2023.”
O candidato acertou ao mencionar o número de pessoas com fome no Rio de Janeiro e ao dizer que, em 2023, a prefeitura investiu menos no combate a esse problema do que em publicidade.
Segundo o Mapa da Fome do município do Rio de Janeiro, apresentado em julho de 2024 pela UFRJ a pedido da Câmara Municipal, no ano de 2023, cerca de 489 mil pessoas só faziam uma refeição ao dia ou passavam um dia inteiro sem comer na capital fluminense — o que é considerado quadro de insegurança alimentar grave.
Nesse mesmo ano, a cidade investiu mais de R$ 94 milhões em programas de combate à pobreza e fome, dos quais R$ 30 milhões foram para implementação de ações de segurança alimentar e nutricional e outros R$ 61,7 milhões para programa de transferência de renda.
Enquanto isso, os gastos com publicidade em 2023 foram de mais de R$ 164 milhões, dos quais R$ 35 milhões foram gastos pela Secretaria Municipal de Governo e Integridade, R$ 129 milhões pela Casa Civil e R$ 6,4 mil pela secretaria de Turismo.
4. Marcelo Queiroz (PP)
“Na educação, é comemorado o resultado do Ideb, mas as notas do Saeb, português e matemática, caíram em relação a 10 anos atrás.”
A afirmação de Queiroz é incorreta. Em 2023, as notas da cidade do Rio no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), um dos componentes para o cálculo do Ideb, aumentaram em relação às de 2013:
- Em 2013, nos anos iniciais do ensino fundamental, as notas de matemática e português foram 221,15 e 204,7;
- Em 2023, subiram para 223,61 e 209,99, respectivamente;
- Em 2013, nos anos finais do ensino fundamental, as notas de matemática e português foram 253,78 e 250,19;
- Em 2023, elas subiram para 258,42 e 262,82.
“E a aprovação saiu de 91% para 98%.”
Com relação à variação na taxa de aprovação em escolas municipais do Rio de Janeiro, o candidato acertou.
Segundo dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), 90,1% dos estudantes matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental foram aprovados em 2013. Dez anos depois, a taxa subiu para 98,5%.
O aumento foi ainda maior para os anos finais do ensino fundamental. Nesse recorte, a taxa de aprovação subiu de 85,7% em 2013 para 96,8% em 2023.
Em ambos os casos os números são próximos do afirmado pelo candidato.
5. Rodrigo Amorim (União Brasil)
“Lula disse que é normal roubar celular para tomar cerveja.”
A alegação é FALSA. O candidato do União Brasil faz referência a montagens desinformativas que circulam nas redes desde as eleições de 2022. As peças unem e descontextualizam trechos de uma entrevista concedida por Lula (PT) em 2017 a duas rádios universitárias em Pernambuco.
Em um primeiro momento, ao argumentar que o aumento da pobreza era responsável pela piora nos indicadores de segurança, Lula diz: “O cidadão teve acesso a um emprego. De repente, o cara perde tudo. Então vira uma indústria de roubar celular. Para que roubar celular? Para vender. Para ganhar um dinheirinho”.
Mais ao fim da entrevista, o petista usa a rivalidade no futebol como metáfora para a polarização política no Brasil. Ele diz que as torcidas do Santa Cruz e do Sport são adversárias durante o jogo, mas depois se unem e “vão para o bar tomar uma cerveja juntos”. Os conteúdos enganosos unem as duas falas para dar a entender que elas estariam conectadas.
“A Prefeitura do Rio recebeu, como você bem disse, delegado Ramagem, oito notas zero em transparência.”
O candidato omite que, embora tenha tirado notas zero em 11 dos 77 indicadores do principal ranking de transparência e governança pública, a cidade do Rio de Janeiro teve a quarta melhor posição entre capitais brasileiras.
O Índice de Transparência e Governança Pública, elaborado pela Transparência Internacional, deu nota 76,2 de 100 para o Rio de Janeiro, com nível de transparência considerado “bom”. A pontuação colocou a cidade atrás apenas de Vitória, Recife e São Paulo, respectivamente.
O índice avaliou a presença de 77 indicadores de transparência nas cidades, divididos em cinco eixos. Desses, a capital fluminense tirou zero em 11 indicadores (14%) — não oito, como alegou o candidato.
Por outro lado, a cidade tirou nota máxima em outros 45 indicadores, 58% do total.
As notas zeradas indicaram que a cidade não possui norma municipal de proteção ao denunciante; não faz publicação de Plano de Contratações Anual de todos os órgãos municipais de forma centralizada; e não divulga carta de serviços aos cidadãos atualizada a cada seis meses, entre outras falhas de transparência.
Outro lado
Aos Fatos procurou a assessoria dos cinco candidatos na tarde desta sexta-feira (4) para que eles pudessem comentar as checagens. Caso haja resposta, a reportagem será atualizada.
O caminho da apuração
Aos Fatos transcreveu a íntegra do debate com a ferramenta Escriba. As declarações passíveis de checagem foram selecionadas pela equipe e distribuídas entre os repórteres, que, para a apuração, consultaram bases de dados públicas, legislação, reportagens e outras checagens já publicadas sobre cada tema. Também procuramos as assessorias dos candidatos para que pudessem comentar os resultados.