Candidatos que respeitam o processo eleitoral admitem erros e mudam discursos

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Há quem coloque em dúvida a eficácia ou até a necessidade da checagem de fatos. Alguns diriam que equivale a enxugar gelo em uma distopia árida como Mad Max.

Em geral, quem propaga alguma variação dessa ideia cita dois fatores interligados: a audiência menor que a informação tem em comparação à desinformação, e a demora entre uma mentira ser dita e ser refutada.

Quem pensa assim desconsidera as inovações em processos e formatos, que ampliam a agilidade e o alcance. E também desconsidera que, durante campanhas eleitorais, a checagem de fatos influencia o que é dito e corrigido pelos candidatos.

O mapeamento do que cada um fala é, por si só, parte fundamental. Com dados distorcidos e argumentos enganosos expostos, aqueles que respeitam o processo democrático costumam adaptar seus discursos.


Checagem nas eleições

Em um vídeo de campanha, Tabata Amaral (PSB) aparece com traje e cenário que remetem a um adversário — o apresentador José Luiz Datena (PSDB). De jaqueta de couro à frente de um quadro ao estilo de séries true crime, a deputada lista investigações jornalísticas e policiais que mostram crimes de Pablo Marçal (PRTB) e ligações de correligionários dele com o crime organizado.

Entre os recortes exibidos na propaganda, estão impressas em papel sulfite reportagens do Aos Fatos e de veículos como O Estado de S. Paulo e UOL. O que não significa, é claro, que o jornalismo seja benevolente com a candidata.

Confrontada por Vera Magalhães ao vivo no Roda Viva, a partir de uma das checagens em tempo real feitas pela equipe do Aos Fatos, Tabata Amaral respondeu: “Eu aceito, mas eu vi um dado diferente, aí a gente olha depois”.

Antes, ela havia declarado que “São Paulo não é nem uma das cinco melhores cidades para se fazer negócio no país quando você olha pro ambiente de empreendedorismo”.

O ranking da ICE (Índice das Cidades Empreendedoras) leva em consideração sete critérios, entre os quais “cultura empreendedora”, no qual São Paulo foi avaliada em 39º lugar. Apesar disso, a capital paulista lidera o ranking geral — e, desta forma, a declaração da candidata foi considerada falsa.

Nos dias seguintes, a equipe de Tabata Amaral procurou o Aos Fatos para argumentar que ela se referiu especificamente ao critério de “cultura empreendedora” — apesar de, na frase original, ter dito “ambiente de empreendedorismo”.

Mesmo que fosse o caso, usar um único critério de um ranking que São Paulo lidera ajuda a construir um argumento enganoso. A decisão editorial foi manter o selo de falso.

No programa desta semana, Guilherme Boulos (PSOL) gracejou depois de ter sido corrigido no ar: “Se eu errei por alguma vírgula, o Aos Fatos me corrige”, disse. Ele destacou que São Paulo tem o “maior orçamento em termos reais da história da cidade, R$ 112 bilhões — ou R$ 111,8 bilhões, para o Aos Fatos não brigar comigo”.

Apesar do tom anedótico, os comentários de Boulos refletem a influência positiva da checagem de fatos no comportamento dos candidatos. Afinal, nem tudo foram selos verdes para o candidato do PSOL, que distorceu dados sobre a GCM (Guarda Civil Metropolitana) a fim de sustentar que os agentes pararam de realizar rondas escolares.

É necessário destacar que o noticiário deve refletir a relevância de cada coisa — o uso de desinformação como estratégia sistemática, que é muito mais grave, de eventuais distorções e exageros que servem à retórica de campanha.

“Se o momento político muda, a publicação acompanha essas variações”, disse-me há alguns anos o então diretor de um dos principais veículos brasileiros. “Seria mau jornalismo se não as acompanhasse”, ele opinou.

“Não se cobre Roma como se fosse Pompeia.”


Sobram aqueles candidatos que são imunes ao sentimento de vergonha. Mas, ainda bem, a produção do Aos Fatos vai além da checagem do discurso político e das mentiras virais, com investigações aprofundadas sobre os temas mais relevantes da internet brasileira.

Na eleição, isso se refletiu em uma série de reportagens sobre os pagamentos da campanha de Pablo Marçal por impulsionamento online — duas das quais foram mencionadas no pedido à Justiça Eleitoral feito pelo PSB, de Tabata Amaral, que resultou em uma decisão provisória pela suspensão das redes do ex-coach:

Em conjunto, as cinco reportagens mostram não só a inventividade e o desejo irresistível pela delinquência, mas também a leniência das plataformas.

As empresas divulgam com pompa suas iniciativas de integridade eleitoral, mas demonstram despreparo para lidar com infrações rasteiras às regras estabelecidas por elas próprias, como o uso de contas de terceiros para pagar por anúncios de candidatos.


Nesta quinta-feira (29), o Aos Fatos publicará uma checagem da entrevista de Pablo Marçal ao Flow Podcast, a primeira de cinco com os candidatos paulistanos. Em uma parceria de mídia, o apresentador Igor 3K divulgará o trabalho do Aos Fatos durante o programa, e o Flow compartilhará o link com a checagem em suas redes nos dias seguintes.

Na campanha de 2022, nós verificamos as entrevistas de Lula (PT) e Bolsonaro (PL) ao podcast. Naquela época e em outros momentos, o Flow e podcasts que não têm jornalistas entre os entrevistadores receberam críticas por não contraditarem falas mentirosas ou por deixarem de fazer perguntas sobre temas relevantes.

Em um ambiente digital com audiências fragmentadas e com o acesso a veículos jornalísticos em tendência de queda, alcançar pessoas que consomem pouca informação de qualidade é uma necessidade e um imperativo.

No Aos Fatos, é um compromisso. Seja em conjunto com o Roda Viva ou com o Flow Podcast. Na parceria com o Clip (Centro Latino-americano de Investigação Jornalística), o ICL Notícias e o Intercept Brasil — que resultou no levantamento inédito sobre casos de IA na Justiça Eleitoral e em uma das reportagens sobre Marçal —, ou em investigações próprias.

Nesta eleição, como em todas nos últimos nove anos, Aos Fatos segue renitente na missão: publicar jornalismo de interesse público para preservar a integridade da informação no ambiente digital e na construção de políticas públicas. E para aumentar o custo da mentira na política.

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