Ricardo Stuckert/Presidência da República

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Abril de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Em cem dias, Lula desinformou mais ao falar sobre economia e legado de Bolsonaro

Por Amanda Ribeiro e Luiz Fernando Menezes

10 de abril de 2023, 11h56

Ao completar cem dias como presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já acumula um repertório de informações falsas, principalmente sobre a economia e o legado do governo Bolsonaro. O descontentamento com o BC (Banco Central) a respeito da taxa de juros, o desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) e o montante de obras paralisadas são alguns dos tópicos em que o mandatário propagou desinformação desde 1º de janeiro deste ano.

Em resumo, o que checamos:

  1. É falso que a economia brasileira não tenha crescido nada em 2022, como afirmou o presidente. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) atesta um crescimento de 2,9% no PIB (Produto Interno Bruto) ante 2021;
  2. Não foi o Senado quem indicou o atual presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, mas o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Aos senadores cabe apenas referendar ou não a indicação presidencial;
  3. Não havia, até o fim de 2022, 14 mil obras paralisadas no país. O presidente confunde o total de obras com o de contratos paralisados. Segundo o TCU (Tribunal de Contas da União), eram 8.685 empreendimentos parados;
  4. Não é verdade que 2022 terminou com 186 mil obras de unidades habitacionais paralisadas. O dado citado pelo presidente se refere ao total de casas em construção mais o de obras paradas;
  5. Diversos relatórios produzidos pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) desde 2007 desmentem a afirmação de Lula de que a instituição se calou sobre a crise financeira de 2008 nos EUA e na Europa;
  6. O Brasil nunca acabou completamente com a fome. No ponto mais baixo da série histórica, registrado em 2013 e que fez o país sair do Mapa da Fome no ano seguinte, 7,2 milhões ainda não tinham o que comer;
  7. Segundo relatório da FAO, o Brasil é o terceiro maior produtor de proteína animal do mundo, não o primeiro, como afirmou o presidente.

Selo falso

‘Hoje foram publicados os dados do último trimestre do ano. A economia brasileira não cresceu nada, nada no ano passado.’ — em discurso (2.mar.2023)

Ao citar dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que atestam um recuo de 0,2% no PIB (Produto Interno Bruto) no último trimestre de 2022, o presidente Lula afirmou que a economia não cresceu nada no ano passado, o que é FALSO. De acordo com dados do órgão, houve, no acumulado do ano, um crescimento de 2,9% do PIB em comparação com 2021.

A expansão no ano passado veio um pouco abaixo do projetado por especialistas do mercado financeiro, que previam alta de 3,04%, de acordo com dados do boletim Focus, do BC (Banco Central). No ano anterior, o PIB havia crescido 5%, frente a uma queda de 3,3% em 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19.

É fato, no entanto, que houve uma desaceleração da economia no fim do ano passado: o recuo no quarto trimestre de 2022 quebrou uma sequência de cinco estatísticas positivas. Segundo analistas consultados pela Bloomberg, a queda foi uma consequência defasada do aumento da taxa de juros do país, que passou de 13,25% para 13,75% em agosto do ano passado.

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Selo falso

‘Quem tem que cuidar do Campos Neto é o Senado, que o indicou. Ele não foi eleito pelo povo, ele não foi indicado pelo presidente, ele foi indicado pelo Senado.’ — em entrevista (23.mar.2023)

Não é verdade que o presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, tenha sido indicado pelo Senado. Desde 1974, a escolha da diretoria do banco cabe ao presidente da República. A função dos senadores, segundo a Constituição, é aprovar ou não a indicação presidencial em votação secreta no plenário após sabatina na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos). O rito na Casa é similar ao empregado nas indicações para o STF (Supremo Tribunal Federal) e agências reguladoras.

O rito de indicação da diretoria do Banco Central não foi alterado pela Lei de Autonomia do Banco Central, sancionada em fevereiro de 2021 por Bolsonaro. O que ocorre agora é que o presidente e os diretores da instituição têm mandatos de quatro anos que não coincidem com a eleição do presidente da República.

Campos Neto foi indicado por Bolsonaro em 2019 e sua gestão terminará em 2024, já que a nova lei determina que o início de um novo mandato deve coincidir sempre com o primeiro dia útil do terceiro ano de governo do presidente em exercício. O nome a ser escolhido por Lula para assumir o cargo em 2024, caso seja chancelado pelo Senado e a lei não seja alterada, terá mandato até 2028.

Em conflito com o BC por conta da taxa de juros do país, fixada em 13,75%, Lula já citou outras informações enganosas sobre o processo de indicação da diretoria do banco. Em entrevista à RedeTV! em 3 de fevereiro, o presidente afirmou que Campos Neto havia sido escolhido pela Câmara dos Deputados, o que também não procede.

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Selo falso

‘Ao todo, são quase 14 mil obras paralisadas nesse país.’ — em discurso (15.mar.2023)

Esta declaração, repetida por Lula em ao menos 14 ocasiões nos últimos cem dias, confunde a quantidade de obras com a de contratos paralisados no governo Bolsonaro. Ainda que, segundo o último dado disponível do TCU (Tribunal de Contas da União), havia 14.403 contratos referentes a projetos de infraestrutura paralisados no país no fim de 2022, o total de obras paradas é de 8.674. Isso porque, segundo o tribunal, pode haver uma única obra que abranja vários contratos ou um único contrato para diversas obras.

Os dados sobre empreendimentos interrompidos constam no Painel de Acompanhamento de Obras Paralisadas do TCU, atualizado pela última vez em agosto do ano passado. De acordo com a plataforma, 8.674 das 22.559 obras em andamento no país à época se encontravam paralisadas ou inacabadas.

O número de contratos parados consta também na Lista de Alto Risco da Administração Pública, entregue pelo TCU ao gabinete de transição de governo no fim de 2022. A seção Gestão de Obras Paralisadas afirma que 14 mil dos 38 mil contratos, não obras, referentes a empreendimentos de infraestrutura no país não estavam ativos. O relatório aponta que o problema é considerado de alto risco, porque “afeta diversas políticas públicas, com graves consequências econômicas e sociais, impactando negativamente a prestação de serviços de educação, saúde e segurança pública”.

O Acórdão 2555/2022 do TCU, de 23 de novembro do ano passado, também aponta que 14.403 contratos se encontravam paralisados no país na época. As principais causas de interrupção constatadas pela auditoria do tribunal são deficiências técnicas, problemas no fluxo orçamentário ou financeiro e abandono das obras pelas empresas contratadas.


Selo falso

‘Encontramos o país com 186 mil casas paralisadas.’ — em post no Twitter (13.mar.2023)

O dado citado por Lula em ao menos seis ocasiões neste ano está incorreto porque não corresponde apenas ao número de unidades habitacionais com a construção paralisada, mas também aos empreendimentos com obras em andamento.

De acordo com o Ministério das Cidades, o país tinha, no fim de 2022, 186.724 imóveis ainda não finalizados, universo que abrange obras em andamento e paralisadas. Desse total, 82.722 construções estavam de fato paradas.

Segundo o ministério, são classificadas como paralisadas as obras abandonadas pelo construtor e as ocupadas de maneira irregular. O empreendimento também recebe essa classificação caso a empresa responsável não solicite à Caixa Econômica Federal o pagamento pelos serviços realizados em até 90 dias.

O governo federal afirmou que retomou em janeiro diversas obras inconclusas e que foram entregues, até o momento, 5.693 unidades habitacionais.


Selo falso

‘Vamos esquecer o que o FMI fala, porque quando houve a crise nos Estados Unidos em 2008, o FMI ficou todo o tempo da crise parado sem falar nada nem da Europa, nem dos Estados Unidos’ — em entrevista (21.mar.2023)

É FALSO que o FMI (Fundo Monetário Internacional) não tenha comentado nada sobre a conjuntura econômica dos Estados Unidos e da União Europeia durante a crise financeira de 2008. Registros comprovam que a situação de americanos e europeus foi abordada em diversos relatórios semestrais publicados pela instituição a partir de abril de 2007.

  • O Relatório Sobre a Estabilidade Financeira Mundial, de abril de 2007, já identificava um risco no mercado hipotecário dos EUA e dizia que a situação poderia impactar o crédito corporativo daquele e de outros países;
  • Em outubro do mesmo ano, um novo relatório apontou que esses riscos de crédito “se materializaram e se intensificaram” e que, por mais que as perdas parecessem administráveis e os bancos estivessem preparados para enfrentar cenários mais severos, pairavam incertezas quanto à magnitude do problema e seus possíveis impactos sobre a estabilidade econômica geral;
  • Em abril de 2008, o FMI afirmou que os riscos macroeconômicos negativos da economia americana tinham impacto significativo sobre finanças sistemicamente importantes e que poderiam se espalhar para os mercados globais;
  • E, em outubro, já no pico da crise, o fundo disse que o sistema financeiro global havia passado por um período de tumulto, que diminuiu a confiança do mercado e que levou ao colapso — ou quase — diversas instituições bancárias. Também houve “convocação de intervenção pública no sistema financeiro em uma escala não vista há décadas”. Este documento do FMI estimou uma perda de US$ 1,4 trilhão em créditos desde o início da crise.

Além disso, na declaração do encontro de líderes do G20 em 2008, o FMI foi parabenizado por seu “papel importante na resposta à crise” e suas ações para facilitar o auxílio financeiro a curto prazo. O Brasil é integrante do grupo, que reúne as 20 maiores economias do mundo, e o presidente na época era Lula.

A declaração do petista foi dada em entrevista ao site Brasil 247 em meio a críticas a respeito das análises do fundo sobre a economia brasileira: “Não precisa ficar assustado esperando os números do FMI que vai crescer 1%, que vai crescer 1,5%, 2%, sabe? Vamos esquecer o que o FMI fala”, disse Lula.


Selo falso

‘Ou seja, nós tínhamos acabado com a fome em 2012…’ — em entrevista (16.fev.2023)

Apesar de ter diminuído a frequência com que repete essa declaração, dita desde a campanha, o presidente afirmou ao menos duas vezes neste ano que os governos do PT acabaram com a fome em 2012. Apesar de o Brasil ter deixado o Mapa da Fome da ONU em 2014, último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), sempre houve no país pessoas em situação de insegurança alimentar grave – termo usado para descrever a fome.

O menor índice da série histórica da insegurança alimentar grave foi registrado em 2013, no governo Dilma: naquele ano, 7,2 milhões — ou 3,6% da população da época — não tinham o que comer, segundo o IBGE. No total, 25,8% da população vivia em algum grau de insegurança alimentar, o que inclui quem reduziu o número de refeições, quem optou por produtos mais baratos e menos nutritivos e quem efetivamente não tinha acesso a alimentos.

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É fato, no entanto, que a fome cresceu no país desde então. Tanto é que em julho de 2022, o Relatório da FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura, voltou a colocar o Brasil no Mapa da Fome, com 61 milhões de brasileiros com dificuldades para se alimentar e 15 milhões sem acesso a comida entre 2019 e 2021.

A pesquisa mais recente sobre o assunto — o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil — divulgou que 33,1 milhões de pessoas estavam em situação de insegurança alimentar grave no país em 2022, dado que costuma ser citado pelo presidente. No total, 125,2 milhões de brasileiros passam por algum grau de insegurança alimentar.


Selo falso

‘… no país que é o maior produtor de proteína animal do mundo (...)’ — em discurso (3.mar.2023)

Diferentemente do que Lula afirmou em ao menos quatro ocasiões neste ano, o Brasil é o terceiro e não o primeiro produtor de proteína animal do mundo. Com 29.126 toneladas de carne produzidas em 2020, o país está atrás da China (77.143 toneladas) e dos EUA (48.711 toneladas). Os dados são do relatório World Food and Agriculture 2022, da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura).

Outro lado. Aos Fatos contatou a Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República) na quarta-feira (5), mas não obteve respostas até a publicação das checagens, na manhã de segunda-feira (10).

Referências:

1. UOL
2. Folha de S.Paulo (1 e 2)
3. Banco Central (1, 2, 3 e 4)
4. Poder 360
5. G1
6. Planalto (1 e 2)
7. Imprensa Nacional
8. Aos Fatos (1, 2 e 3)
9. TCU (1, 2, 3 e 4)
10. FMI (1, 2, 3 e 4)
11. G20
12. FAO (1, 2 e 3)
13. IBGE
14. EBC
15. Olhe para a fome

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