São falsos os argumentos apresentados em carta pela World Council for Health (Conselho Mundial de Saúde, em português) para solicitar ao governo brasileiro que suspenda a imunização de crianças contra a Covid-19. O documento da organização negacionista se baseia em uma série de boatos que já foram desmentidos por especialistas e por autoridades de saúde.
As peças de desinformação somavam centenas de compartilhamentos no Facebook e centenas de curtidas no Instagram até a tarde desta terça-feira (15).
O Conselho Mundial de Saúde (WCH): ‘Carta aberta ao presidente brasileiro e aos membros do governo federal pedindo a parada dos mandatos de ‘vacinas’ de Covid-19 para crianças (...) 1. Riscos genéticos e celulares (...) 2. Efeitos tóxicos da proteína spike. (...) 3. Perigos das nanopartículas lipídicas (...) 4. Modificação genética.

Posts nas redes têm compartilhado uma carta repleta de argumentos enganosos para atacar a vacinação infantil contra a Covid-19. O texto é assinado pelo Conselho Mundial de Saúde — uma ONG que não tem autoridade internacional e que é conhecida por disseminar desinformação sobre os imunizantes.
Confira abaixo algumas das falsas alegações contidas no documento e seus respectivos desmentidos:
Risco para bebês e crianças. O documento afirma que a Covid-19 representa um risco insignificante para bebês e crianças, o que não é verdade.
É fato que, em comparação com adultos, crianças e adolescentes que contraem a doença costumam desenvolver quadros clínicos mais leves. Porém, essa parcela da população não está isenta de apresentar formas graves e letais da doença, como a SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e a SIM-P (Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica).
Além disso, também não é verdade que o Brasil é o único país do mundo que ainda vacina crianças contra a Covid-19. Os Estados Unidos, e alguns países da Europa, como a Alemanha, a Grécia e a Irlanda, estão entre os locais que recomendam a vacinação de crianças a partir dos seis meses de idade.
Alterações genéticas. De acordo com o texto, pesquisadores teriam encontrado DNA plasmidial residual em lotes de vacinas, que poderia alterar o código genético humano e levar ao desenvolvimento de câncer em vacinados. Isso é falso.
O DNA plasmidial residual é a quantidade de DNA restante após o processamento e a purificação de um medicamento. O material pode estar presente nas vacinas de mRNA (RNA mensageiro) contra a Covid-19, porém, em quantidades pequenas e seguras para a saúde.
Não há evidências de que esse DNA residual seja capaz de alterar o código genético de vacinados nem se integrar ao genoma humano. Essa desinformação foi desmentida em outubro de 2024 pelo governo da Austrália.
Câncer. Outra mentira é a suposta descoberta de uma sequência do vírus SV40 (Simian 40) em frascos da vacina da Pfizer, que poderia causar câncer em humanos.
Em 2023, a EMA (Agência Europeia de Medicamentos) divulgou posicionamento sobre o caso, afirmando que não foram encontradas sequências do vírus nos imunizantes. A tese também foi desmentida na época pela farmacêutica Pfizer.
A alegação de que as vacinas podem levar pacientes a desenvolver câncer já foi desmentida pelo Aos Fatos, pelo Ministério da Saúde e pela rede científica Science Feedback.
Proteína Spike. Segundo a carta, a proteína spike produzida pelo corpo humano após a vacinação com imunizantes de mRNA é tóxica e pode causar desde degeneração de tecidos até câncer. Essa afirmação, que circula desde o início da imunização contra a Covid-19, também é enganosa.
Letícia Sarturi, mestre em imunologia pela USP (Universidade de São Paulo), afirma que, além de equivocada, a alegação é incoerente. “Se você está falando que a proteína Spike é tóxica, a preocupação seria em pegar a Covid-19. Afinal, onde mais tem proteína Spike é no vírus. Então, não faz muito sentido”, explica.
A tecnologia da vacina de mRNA consiste no uso de moléculas do RNA do vírus, que, ao serem introduzidas no corpo do vacinado, induzem a produção de uma versão modificada e inofensiva da proteína Spike pelo próprio organismo para treinar o sistema imunológico a reconhecer e combater as infecções causadas pelo Sars-CoV-2.
“A produção da proteína Spike é limitada e localizada. Os níveis detectáveis da proteína no sangue caem rapidamente conforme os anticorpos começam a ser produzidos”, afirmou ao Aos Fatos em 2021 a professora de Farmacologia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Ana Paula Hermann.
Nanopartículas lipídicas. Vacinas de mRNA, como a da Pfizer e da Moderna, usam nanopartículas lipídicas para entregar o material genético do SARS-CoV-2 para as células do corpo produzirem uma proteína do vírus. Isso permite que o sistema imunológico crie defesas contra a doença.
A carta afirma que um estudo indicou a presença dessas nanopartículas em diversos órgãos do corpo humano após a vacinação com o imunizante da Moderna. A análise, no entanto, não apontou qualquer relação entre a presença das nanopartículas e efeitos colaterais no corpo humano.
Experimentais. A carta também engana ao afirmar que os imunizantes são experimentais.
“As vacinas Covid-19 foram os produtos farmacológicos mais estudados na história recente da humanidade. Além dos ensaios clínicos, diversos estudos de pós-comercialização, incluindo os dados de farmacovigilância, comprovaram a segurança da vacinação e o seu impacto na redução de hospitalizações e mortes”, afirma o Ministério da Saúde.
Todos os imunizantes aplicados no Brasil receberam autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) após serem submetidos a três etapas de testes, incluindo testes clínicos em humanos.
Aos Fatos procurou o Ministério da Saúde para comentar o teor da carta, mas não houve resposta até a publicação desta checagem.
O caminho da apuração
Refutamos os argumentos centrais da carta a partir de checagens já publicadas sobre os imunizantes de mRNA contra a Covid-19, entrevistas com especialistas em saúde, estudos científicos e informações publicadas por autoridades de saúde como o Ministério da Saúde, a EMA e a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Aos Fatos também tentou entrar em contato com o Ministério da Saúde, mas não houve retorno.




