A presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) Cármen Lúcia defendeu nesta quarta-feira (25), durante evento co-organizado pelo Aos Fatos, a necessidade de regulação das plataformas digitais, afirmando que a circulação em massa de desinformação “escraviza” pessoas e é uma ameaça à liberdade e à democracia.
Para a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal), as mentiras que circulam nas redes “minam a liberdade do ser humano por dentro”, sem a necessidade de “algemas externas ou físicas”, levando à corrosão da democracia “por uma atuação que conta com a própria pessoa” que dissemina a desinformação e “não se vê escravizada, mas não é capaz de pensar com criticidade”.
A magistrada considerou que hoje “nós não temos essa autonomia devidamente assegurada”. As declarações foram dadas na abertura da 12ª edição do Global Fact, o maior encontro de checadores de fatos do mundo.
O evento é organizado pela IFCN (International Fact-Checking Network), do Poynter Institute, e neste ano acontece na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Aos Fatos, Estadão Verifica, Lupa e UOL Confere são anfitriões do encontro.
A uma plateia de jornalistas estrangeiros e brasileiros, Cármen Lúcia também negou que a regulação das plataformas colocaria em risco a liberdade de expressão, comparando a questão ao código de trânsito. “A sua liberdade de locomoção não significa liberdade de entrar na contramão, abalroar outro carro e matar quem esteja conduzindo.”
Na mira do Estado
O ministro do STF Alexandre de Moraes também compôs o painel sobre desinformação e Estado democrático de Direito na perspectiva brasileira junto com o advogado-geral da União, Jorge Messias. Moraes ganhou notoriedade fora do Brasil após os embates com o magnata sul-africano Elon Musk, que resultaram na suspensão temporária do X no Brasil no ano passado.
O ministro defendeu que as redes sociais “não são neutras”, tendo ideologia e visão política próprias, e que estão “voltadas somente para um objetivo, que é o lucro e a obtenção de poder político e econômico.”
Moraes considerou que as redes são instrumentalizadas “e se deixam instrumentalizar” para finalidades ilícitas, já que o faturamento de seu modelo de negócios se daria “exatamente pelo discurso de ódio, pelo conflito, pelo ataque, e não pela narrativa de notícias, pela exposição de fatos”.
“Não é possível que nós permitamos que esse mundo virtual se transforme em uma terra sem lei, em que o racismo, a misoginia, o nazismo possam ser tratados como liberdade de expressão”, disse o ministro.
Moraes cobrou as plataformas por não evitarem a morte de crianças em desafios promovidos nas redes e por não terem impedido as convocações para os ataques de 8 de janeiro de 2023 às sedes dos Três Poderes.
Em entrevista a jornalistas após sua participação na abertura do evento — a única presencial —, Jorge Messias não descartou que sejam propostas novas ações contra as plataformas após a conclusão do julgamento da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, atualmente em curso no STF.
“Todas as plataformas que praticam ilícito ou que favoreçam práticas de ilícito estão na mira do Estado”, declarou o ministro, ponderando que as eventuais ações se dão “em casos concretos, em que nós temos condições de demonstrar a violação clara de direitos”.
Messias lembrou que a AGU (Advocacia-Geral da União) já pediu medida cautelar para que as plataformas sejam responsabilizadas de forma imediata pela circulação de golpes e outros crimes e disse esperar que o STF conclua o julgamento “o mais rápido possível”.
Ataques contra checadores
Durante o painel “Contando nossa história: falsas narrativas sobre fact-checking e como combatê-las”, a diretora executiva do Aos Fatos, Tai Nalon, a diretora da IFCN (International Fact-Checking Network) Angie Holan, e a editora do The Quint, Ritu Kapur, comentaram sobre os ataques sofridos por checadores em todo o mundo e a tentativa de descredibilizar o trabalho das mídias independentes no ambiente digital.
Para Nalon, a narrativa falsa mais persistente sobre a atividade no Brasil é a de que a checagem é censura.
“Somos percebidos como censores por grupos ligados à extrema direita que entendem que vivemos em uma ditadura da Justiça e que os checadores fazem parte dessa censura”.
Nalon lembrou que esses ataques tiveram consequências reais e que tanto o Aos Fatos como a Agência Lupa foram alvos de espionagem da chamada “Abin paralela” — esquema que usou ilegalmente a estrutura da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para monitorar pessoas e entidades consideradas como desafetos pela gestão de Jair Bolsonaro (PL). “Nosso trabalho foi visto como perigoso ou incômodo pelo governo anterior”.
Ao citar dados do Reuters Institute, a diretora-executiva do Aos Fatos ressaltou, porém, que, no Brasil, 36% dos usuários procuram sites de checagem quando encontram desinformação online, uma demonstração da credibilidade da atividade entre os usuários e seu impacto no discurso público.
“Esses números mostram que nós conseguimos fomentar o sentimento de que você deve contraditar políticos ou qualquer tipo de autoridade. Sempre que uma autoridade diz algo controverso, a audiência nos demanda checagens, como se fosse quase mandatório esperar de nós algum tipo de contexto ou verificação”, afirmou Nalon.
O caminho da apuração
Os repórteres do Aos Fatos acompanharam as palestras do Global Fact ao vivo e gravaram trechos das falas dos participantes que, depois, foram transcritos por meio do Escriba.