A análise sobre a situação das contas públicas da Prefeitura do Rio tem variado de acordo com o candidato na disputa eleitoral deste ano. Pelo menos quatro deles já foram imprecisos ou exageraram ao abordar o assunto na campanha: Eduardo Paes (DEM), Marcelo Crivella (Republicanos), Martha Rocha (PDT) e Clarissa Garotinho (PROS). Veja a seguir o que checamos.
Você não tem uma queda de arrecadação de receitas próprias - Eduardo Paes em entrevista para a Veja
A trajetória da arrecadação de impostos e taxas pela Prefeitura do Rio no mandato de Crivella é irregular se levarmos em conta os valores corrigidos pela inflação. Houve uma queda entre 2016 e 2017, de R$ 11,2 bilhões para R$ 10,9 bilhões; um salto para R$ 13,9 bilhões em 2018; e uma leve diminuição para R$ 13,1 bilhões em 2019. Todos os valores foram corrigidos pelo IPCA de setembro de 2020, e os dados são da CGM (Controladoria Geral do Município).
Sendo assim, a declaração de Paes na entrevista para a Veja é IMPRECISA porque, com os valores corrigidos pela inflação, as receitas próprias da Prefeitura do Rio tiveram queda em pelo menos dois anos do mandato de Crivella.
Segundo o economista André Luiz Marques, coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, a arrecadação com impostos e taxas municipais é, de forma geral, o que pode ser considerado como receita própria de uma cidade. O IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e o ISS (Imposto Sobre Serviços) são exemplos de tributos cobrados pelas prefeituras. Já as transferências feitas pelo governo estadual e pela União são exemplos de receitas que não são próprias.
A campanha de Paes não respondeu para o Aos Fatos que dados embasaram a afirmação do candidato e como eles podem ser consultados.
O que você tem é uma diminuição das transferências voluntárias [do governo federal] - Eduardo Paes em entrevista para a Veja
Esta fala é continuação da declaração anterior de Paes sobre as receitas do município. Segundo dados do Painel de Transferências Abertas do governo federal, as transferências voluntárias da União para a Prefeitura do Rio de fato caíram entre as gestões Paes e Crivella.
Nos três últimos anos do mandato de Paes (2014 a 2016), as transferências somaram R$ 37,7 milhões. Na gestão Crivella, de 2017 a 2019, essa modalidade de arrecadação somou R$ 3 milhões. Os valores foram atualizados pelo IPCA de setembro.
As transferências voluntárias não têm peso relevante para a arrecadação do Rio. Entre 2013 e 2019, elas nunca representaram mais que 0,78% do total das receitas de cada ano.
Segundo o artigo 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal, as transferências voluntárias são aqueles repasses feitos pela União que não são obrigatórios pela Constituição, por lei ou que sejam destinados ao SUS (Sistema Único de Saúde). Elas são feitas a título de auxílio ou cooperação. Em geral, há exigência de contrapartida por parte do beneficiário. Esse tipo de transferência depende da apresentação de propostas de repasse por parte do estado ou município interessado em receber a verba.
As transferências voluntárias são um tipo de transferência discricionária, ou seja, aquelas que não são obrigatórias. Entre as discricionárias estão as transferências específicas, que não exigem contrapartida e que caíram muito no Rio nos últimos anos.
Em 2016, o Rio recebeu R$ 932,7 milhões da União em transferências discricionárias específicas. Boa parte do valor foi direcionado para obras de instalações para os Jogos Olímpicos na capital fluminense. No ano seguinte, esse valor despencou para R$ 104,9 milhões. Depois, foi para R$ 32,7 milhões em 2018 e R$ 40,9 milhões em 2019. Todos os valores foram corrigidos pelo IPCA de setembro.
A arrecadação despencou R$ 10 bilhões - Marcelo Crivella em programa eleitoral
Crivella tem repetido esta afirmação em seu programa eleitoral, em entrevistas e em posts nas redes sociais (aqui e aqui), mas o dado só pode ser considerado correto em um contexto bastante específico.
Este contexto foi citado por Crivella em entrevista ao jornal O Globo no começo de outubro, quando o prefeito disse: “Nos três primeiros anos, minha verba para pagar as despesas caiu R$ 10 bilhões em comparação ao governo passado”.
Com os valores corrigidos pela inflação medida pelo índice IPCA de setembro de 2020, a afirmação é correta. Entre 2017 e 2019, o Rio arrecadou R$ 86,4 bilhões, contra R$ 96 bilhões entre 2014 e 2016, os três últimos anos da segunda gestão de Eduardo Paes (DEM). Os dados são da CGM (Controladoria Geral do Município). Para fazer a correção dos valores pelo IPCA, o Aos Fatos usou a Calculadora do Cidadão, do Banco Central.
Dizer de forma isolada que a arrecadação “despencou R$ 10 bilhões”, sem citar quando isso ocorreu e em comparação a qual período, dificulta entender se a declaração está ou não correta.
Dentro do mandato de Crivella, por exemplo, a arrecadação carioca teve altos e baixos. Em 2017, primeiro ano dele no governo, caiu de R$ 32 bilhões para R$ 27,6 bilhões. Mas em 2018, avançou para R$ 29,2 bilhões. Em 2019, teve uma pequena alta, chegando a R$ 29,4 bilhões. Os números também são da CGM e foram corrigidos pelo IPCA de setembro.
Sendo assim, a declaração de Crivella é IMPRECISA, porque depende de um contexto específico para se sustentar.
O Aos Fatos perguntou à campanha do prefeito quais dados embasam a afirmação sobre a queda de arrecadação e como eles podem ser consultados, mas não teve resposta.
Ele [Paes] contraiu dívidas para a prefeitura e deixou a cidade com um rombo de R$ 320 milhões - Martha Rocha em entrevista para o Estadão
Na entrevista para o Estadão, Martha Rocha menciona um valor que já foi citado por Crivella no começo de seu mandato e aparece em um estudo divulgado pela Dapp/FGV (Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas) no começo de 2017. Segundo o estudo, a Prefeitura do Rio iniciou aquele ano com um déficit de cerca de R$ 320 milhões. Esse valor corresponderia à diferença entre “as obrigações financeiras de anos anteriores e a disponibilidade de recursos deixada para honrar esses pagamentos”.
Para apontar o saldo negativo, o estudo cita o anexo 5 do Relatório de Gestão Fiscal da Prefeitura do Rio ao fim de 2016. Segundo este documento, o município acumulava naquele momento um saldo negativo de R$ 316,6 milhões, resultado da diferença entre R$ 790,2 milhões em caixa para recursos não vinculados — ou seja, aqueles que não têm destinação específica — e R$ 1,106 bilhão das obrigações financeiras.
O anexo usado no estudo da FGV data de fevereiro de 2017. Atualmente, no site da CGM, o Relatório de Gestão Fiscal de 2016 contém um link para um anexo produzido em abril de 2017, após a publicação do estudo. Nesta versão, o déficit é menor, de R$ 251,4 milhões.
Segundo o relatório, as mudanças nos números se devem a uma ampliação no anexo feita pela CGM, “objetivando permitir melhor clareza na demonstração de saldos apurados, bem como da situação de despesas incorridas em 2016 não inscritas em Restos a Pagar em dezembro de 2016 e de seus impactos nas disponibilidades de caixa.”
De acordo com o estudo da FGV, parte do déficit seria decorrente do cancelamento de empenhos não liquidados, ou seja, gastos que a prefeitura já tinha se comprometido a fazer, mas cujos serviços ainda não tinham sido recebidos pelo município.
Em julgamento realizado em 2018, o TCM (Tribunal de Contas do Município) decidiu que o cancelamento dos empenhos ao fim de 2016 não prejudicou as contas cariocas e que, mesmo se isso tivesse ocorrido, o caixa da prefeitura fecharia o ano com superávit de R$ 38,9 milhões.
Por todos esses motivos, a declaração de Martha Rocha foi avaliada como EXAGERADA, já que o dado mais recente sobre o saldo negativo do caixa da prefeitura mostra um déficit menor do que o citado pela candidata. A campanha da pedetista foi procurada para comentar a declaração, mas não respondeu.
A arrecadação da cidade não caiu. A arrecadação da cidade vem aumentando ano a ano - Clarissa Garotinho na sabatina Folha/UOL
Em nota enviada para o Aos Fatos, a campanha de Clarissa Garotinho disse que a fala sobre arrecadação foi um “comentário feito, de forma genérica, pela candidata no meio da entrevista.”
“Com base em dados pesquisados no site da prefeitura Contas Rio e descontada a inflação, é possível constatar que a arrecadação teve um aumento real de 2017 para 2018 de 6%. Já de 2018 para 2019, manteve-se estável, com tendência de recuperação maior neste ano, antes da pandemia”, disse a campanha, em nota.
Os dados para o período citado pela campanha de Clarissa estão corretos, mas a candidata não fez tal recorte durante a entrevista. Além disso, entre 2016 e 2017, a arrecadação do Rio caiu 13,4%, de R$ 32 bilhões para R$ 27,6 bilhões, em valores já corrigidos pelo IPCA de setembro de 2020. Os dados são da CGM.É por isso que a declaração de Clarissa Garotinho na sabatina Folha/UOL é IMPRECISA, porque não inclui todo o contexto necessário para a compreensão das informações.
Essa queda de receita [a partir de 2017] se deve fundamentalmente ao encerramento dos investimentos para os grandes eventos que ocorreram até 2016 e à adoção pelos governos Temer e Bolsonaro de uma política drástica de austeridade fiscal que reduziu as transferências federais - programa de governo de Benedita da Silva (PT)
A receita do Rio caiu de R$ 32 bilhões em 2016 para R$ 27,6 bilhões em 2017, em valores atualizados pelo IPCA de setembro de 2020. Uma análise das prestações de contas da Prefeitura do Rio mostra que uma parte relevante da perda de receita de um ano para o outro se deveu à redução nas transferências feitas pela União por meio de convênios.
A prestação de contas de 2016 mostra que o Rio recebeu R$ 932,7 milhões da União por meio de convênios, em valores corrigidos pelo IPCA de setembro. A maior parte destes recursos foi destinada a obras de instalações esportivas para os Jogos Olímpicos de 2016 e para o VLT (veículo leve sobre trilhos) instalado no Centro da cidade.
Já em 2017, o valor das transferências de convênios da União caiu para R$ 104,9 milhões, valor também corrigido pelo IPCA de setembro.
Nos anos seguintes, os repasses federais por meio de convênios continuaram em patamares bastante reduzidos em comparação a 2016. Somaram R$ 32,7 milhões em 2018 e R$ 40,9 milhões em 2019, em valores corrigidos pelo IPCA de setembro.
Por causa dos dados listados acima, a declaração contida no programa de governo de Benedita da Silva é verdadeira.
A gente tem um rombo de R$ 4 bilhões na nossa cidade - Renata Souza (PSOL) na sabatina Folha/UOL
Segundo a prestação de contas de 2019 feita pela própria prefeitura, o município fechou o ano com um saldo negativo em caixa de R$ 3,996 bilhões.