O Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos Estados Unidos divulgou na quarta (17) um relatório sobre supostos casos de censura e violação de liberdade de expressão no Brasil.
O documento inclui trechos de decisões judiciais sigilosas enviados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ao X (ex-Twitter) e a outras plataformas, que determinavam a remoção de contas ou publicações por disseminação de desinformação e discurso de ódio.
Em um esclarecimento divulgado à imprensa nesta quinta (18), o STF afirmou que os documentos reproduzidos no relatório “não se tratam das decisões fundamentadas que determinaram a retirada de conteúdos ou perfis, mas sim dos ofícios enviados às plataformas para cumprimento da decisão”.
“Fazendo uma comparação, para compreensão de todos, é como se tivessem divulgado o mandado de prisão (e não a decisão que fundamentou a prisão) ou o ofício para cumprimento do bloqueio de uma conta (e não a decisão que fundamentou o bloqueio)”, continua o texto.
“Todas as decisões tomadas pelo STF são fundamentadas, como prevê a Constituição, e as partes, as pessoas afetadas, têm acesso à fundamentação”, afirmou a assessoria de imprensa do tribunal.
Na quinta-feira anterior (11), o grupo de parlamentares dos Estados Unidos, liderados por deputados republicanos, havia intimado o X a fornecer as informações confidenciais. O pedido tinha o caráter de determinação legal, sob pena de prisão em caso de descumprimento.
“São duas autoridades distintas, de países distintos, dando ordens distintas para uma mesma empresa”, explica o advogado Bruno Barreto, doutor em direito internacional pela USP. “Uma decisão fala ‘não divulgue’, e uma outra ordem diz ‘me dê as informações’.”
Diante de determinações conflitantes, a empresa concedeu as informações aos parlamentares americanos. Aqui no Brasil, informou ao STF que estava compartilhando os documentos e pedindo sigilo sobre eles. Em manifestação enviada ao STF no dia 13 e anexada ao inquérito das milícias digitais, os advogados da plataforma informam que “a X Corp. solicitou que a autoridade norte-americana mantenha e respeite a confidencialidade e o sigilo dos documentos produzidos”.
Com isso, o X entende que criou argumento para afirmar que agiu por uma exceção à regra de segredo de justiça, segundo a qual “inquéritos penais de justiça não podem ser divulgados em hipótese nenhuma, exceto sob autorização da autoridade, sob autorização da autoridade investigadora, nesse caso do STF”, explica Barreto.
A publicação dos documentos pelas autoridades americanas aumenta as chances de a plataforma responder pela quebra de sigilo, na avaliação do advogado. “O X pode ser intimado a explicar por que as decisões vazaram, e os responsáveis podem responder por crime de desobediência ou sanção, que é o mais comum.”
Já o Congresso americano não está sujeito a punições, porque autoridades estrangeiras têm imunidade de jurisdição — ou seja, não podem ser processados por outros países em razão de medidas tomadas no exercício do cargo que ocupam —, conforme afirma o especialista em direito internacional.
Investigações nos EUA. O relatório com as decisões sigilosas foi produzido no âmbito de uma investigação do Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara americana sobre colaborações entre o governo do presidente democrata Joe Biden e plataformas digitais para remoção de conteúdos online, coordenada pelo republicano Jim Jordan.
Na semana passada, Jordan também enviou ofícios a outras plataformas de redes sociais pedindo todos os registros de comunicação entre a empresa e o Executivo norte-americano.
Segundo ele, a administração de Biden teria usado, no diálogo com as plataformas, canais exclusivos e privilegiados, com o objetivo de silenciar opositores políticos sob o argumento de combater a desinformação. Em ano eleitoral, a acusação é usada para prejudicar o atual presidente, que deve concorrer à reeleição.
Conforme Aos Fatos mostrou semana passada, essa estratégia foi alimentada com o vazamento dos Twitter Files Brazil e alianças entre apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e de Donald Trump nos Estados Unidos.
Nesse contexto, o vazamento de decisões judiciais brasileiras que determinaram a exclusão de conteúdos desinformativos também funcionaria como um exemplo de que o Brasil vive sob forte censura.
“O Congresso deve levar a sério as advertências do Brasil e de outros países que buscam suprimir o discurso online. Nunca devemos pensar que isso não pode acontecer aqui”, diz o relatório.
Aos Fatos questionou a Comissão de Assuntos Judiciários da Câmara dos Estados Unidos sobre se eles foram informados do caráter sigiloso dos documentos, mas não obteve resposta até a publicação. O espaço permanece aberto para manifestações.