Alvo de inquéritos no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e no STF (Supremo Tribunal Federal) por ataques às urnas eletrônicas, o presidente Jair Bolsonaro levanta suspeitas sobre o sistema eleitoral sempre que enfrenta momentos de turbulência política. Desde o início do mandato, o presidente deu ao menos 192 declarações contrárias ao modelo atual e favoráveis ao voto impresso, 160 delas desde abril, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recuperou seus direitos políticos.
Análise feita por Aos Fatos também mostra que, apesar de levantar suspeitas sobre o processo de votação desde o início do mandato, o presidente passou a dobrar a aposta nas críticas ao sistema em novembro de 2020, quando ocorreram as eleições americanas e as municipais brasileiras.
Entre a primeira e a segunda semanas daquele mês, Bolsonaro atacou as urnas brasileiras pelo menos três vezes em seis dias. Na época, o discurso seguiu a estratégia de Donald Trump, que apontava, também sem provas, fraudes nas eleições americanas. Bolsonaro passou a sugerir que o Brasil deveria levar em conta os problemas nos EUA para investir em um modelo que ele considerasse realmente seguro. “Não temos um sistema sólido de votação no Brasil. Que é passível de fraude sim”, disse, em discurso em 10 de novembro.
As eleições municipais brasileiras e o mau desempenho dos candidatos apoiados pelo presidente só fizeram aumentar os ataques ao sistema eleitoral. No segundo turno, em 29 de novembro, apenas dois dos 13 candidatos a prefeito que apoiou foram eleitos. Entre os dois turnos, o presidente defendeu o voto impresso e tentou desacreditar as urnas eletrônicas em ao menos 12 ocasiões ao longo de três semanas.
“Eleição em 2018, eu entendo que só fui eleito porque tive muito, mas muito voto”, disse, em entrevista à rádio Jovem Pan na segunda rodada de votação, retomando a retórica enganosa que adotava no início do governo.
Intensificação. Após meses de arrefecimento, os ataques ao sistema eleitoral voltaram a ganhar força no fim de abril deste ano, depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) anular, na prática, as condenações do ex-presidente Lula e torná-lo elegível.
Outro fator que intensificou o discurso crítico de Bolsonaro foi a criação, no início de maio, da comissão especial na Câmara para analisar a PEC 135/2019, da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), que propõe a impressão do voto eletrônico.
A partir daí, as críticas e desinformações se tornaram cada vez mais recorrentes no discurso presidencial. Entre a última semana de abril e a primeira semana de agosto, Bolsonaro deu 160 declarações contra o sistema eleitoral brasileiro. A mais repetida delas, dita 30 vezes, é que o modelo atual não permitiria a auditagem, o que é falso, como o Aos Fatos já expôs no contador de declarações falsas ou distorcidas do presidente.
Quando o avanço da PEC 135/2019 na Câmara passou a ser ameaçado, foi possível identificar outro reforço nos ataques às urnas eletrônicas na retórica presidencial. Na semana do dia 30 de junho, depois de os ministros do STF Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes se reunirem com líderes partidários para discutir o projeto, Bolsonaro deu 19 declarações críticas ou desinformativas sobre o atual modelo de votação.
Na semana seguinte, Bolsonaro aventou a possibilidade de as eleições de 2022 não acontecerem se não fosse estabelecido o voto impresso. “Entrego a faixa para quem ganhar no voto auditável e confiável. Desta forma, não corremos o risco de não termos eleição no ano que vem”. Em resposta à ameaça, que já havia sido feita pelo presidente em outras ocasiões, oito partidos lançaram um manifesto em defesa do sistema eleitoral brasileiro. Naquela semana, Bolsonaro proferiu 15 declarações contra o processo de votação.
Também tornaram-se frequentes críticas ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE. Acusado por Bolsonaro de ter convencido líderes partidários a não apoiarem a proposta do voto impresso com o objetivo de eleger o ex-presidente Lula, Barroso passou a ser o principal alvo dos ataques do presidente contra as autoridades eleitorais. Bolsonaro chegou a insinuar, em postagem nas redes sociais, que o ministro estaria sendo chantageado pelo petista José Dirceu, que o teria filmado “numa cena com menores (ou com pessoas do mesmo sexo ou com traficantes)”.
Efeito Lula. Outro fator que parece influenciar na intensidade dos ataques de Bolsonaro ao sistema de votação brasileiro é a divulgação de pesquisas eleitorais. Entre os dias 20 e 26 de junho, quando levantamento do Ipec mostrou Lula à frente nas intenções de voto para o primeiro turno das eleições de 2022, o presidente deu sete declarações contrárias ao sistema eleitoral. Já na semana de 4 a 7 de julho, pesquisa Datafolha apontou Lula na dianteira, com 46% das intenções de voto, e Bolsonaro deu 15 declarações contra as urnas.
O recorde de ataques ao modelo atual de votação, no entanto, ocorreu ao longo das duas últimas semanas. Entre o dia 25 de julho e 3 de agosto, o presidente deu 63 declarações críticas ou desinformativas sobre o processo eleitoral.
Nesse período, o relator da PEC do voto impresso, deputado Filipe Barros (PSL-PR), buscou mobilizar partidos para tentar garantir a aprovação do texto na comissão, que teve a votação adiada em manobra governista um dia antes do início do recesso parlamentar.
A ofensiva presidencial contra o sistema eleitoral culminou em uma aguardada live em suas redes sociais, no dia 29 de julho, transmitida ao vivo pela TV Brasil, na qual Bolsonaro dizia que mostraria fraudes nas urnas eletrônicas, o que não se concretizou — não foi apresentada nenhuma prova de que pleitos anteriores foram fraudados.