Não é verdade que o ex-presidente Jair Bolsonaro admitiu em um áudio que seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) teria participado de um esquema de “rachadinhas” que desviou R$ 54 milhões. As peças de desinformação tiram de contexto uma gravação obtida pela PF em que o ex-presidente critica uma investigação feita contra Flávio e alega que as autoridades estariam perseguindo seu filho.
Publicações com o conteúdo enganoso acumulavam 3.000 curtidas no Instagram e centenas de compartilhamentos no Facebook até a tarde desta sexta-feira (19).
URGENTE: Bolsonaro ACABA de ADMITIR em gravação que Flávio Bolsonaro fez RACHADINHAS e participou de um ESQUEMA corrupto de 54 MILHÕES.
Posts nas redes têm tirado de contexto um áudio obtido pela PF no contexto das investigações sobre a “Abin Paralela” para alegar que Jair Bolsonaro (PL) teria admitido que seu filho Flávio participou de um esquema de “rachadinhas” enquanto era deputado estadual. Segundo as peças de desinformação, o senador teria desviado R$ 54 milhões.
No áudio, o ex-presidente e as advogadas Juliana Bierrenbach e Luciana Pires discutiam estratégias para a defesa de Flávio, que estava sendo investigado por se apropriar de parte do salário de seus funcionários de gabinete enquanto atuava na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).
A apuração sobre o caso começou em meio a investigações sobre um esquema de lavagem de dinheiro na Alerj em 2018. Flávio não foi alvo da operação, mas seu nome apareceu no relatório e deu abertura às investigações sobre as “rachadinhas”. Apresentada em 2020, a denúncia contra o senador foi posteriormente rejeitada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Em determinado ponto da conversa obtida pela PF e descontextualizada pelas peças de desinformação, Bolsonaro pergunta sobre quais são as estratégias de defesa dos demais deputados citados pela investigação.
Ao ouvir das advogadas que nenhum dos outros investigados estaria se mobilizando, ele reclama que Flávio tem sido apontado como “o maior culpado pelo esquema” (página 18 da transcrição), sugerindo que o senador estaria sendo perseguido.
Veja abaixo a transcrição do trecho:
Jair Bolsonaro: [inaudível] julgados na Furna da Onça, um dos deputados estão trabalhando, para se defender?
Luciana Pires: Não, não, ninguém, não. Ninguém tem noção disso aqui.
Jair Bolsonaro: O maior culpado da Furna da Onça, etc, é o Flávio.
Luciana Pires: É verdade? É isso? Não só não é que ele é o maior culpado. Ele é o único culpado.
Jair Bolsonaro: Os demais, então, tão tranquilo. Aquele de 49 milhões, ele representa a Alerj.
Em nenhum momento do áudio obtido pela PF há uma confirmação de Bolsonaro de que Flávio teria de fato participado do esquema. O senador, inclusive, se pronunciou em suas redes e desmentiu as publicações enganosas (veja abaixo).
R$ 54 milhões. Não há qualquer menção à cifra citada pelas peças de desinformação no áudio encontrado pela PF. O valor corresponde à soma que teria sido desviada por todos os deputados envolvidos no esquema de lavagem de dinheiro na Alerj descoberto em 2018.
No caso do suposto esquema de “rachadinhas” de Flávio, a denúncia feita pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) apontava uma cifra de cerca de R$ 6 milhões desviados — e não R$ 54 milhões.
A gravação. O diálogo entre Jair Bolsonaro e as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach consta em gravação feita pelo então diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, no dia 25 de agosto de 2020.
O registro faz parte do inquérito que investiga o monitoramento ilegal de ministros do STF, jornalistas, parlamentares e opositores políticos do então presidente pela “Abin paralela”, que usou a estrutura do órgão de inteligência para monitorar e coordenar ataques nas redes.
O áudio teve o sigilo retirado na última segunda-feira (15), após decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes.
A PF aponta que, além de discutirem estratégias para anular a investigação contra Flávio, Bolsonaro e os outros participantes da conversa fazem menção a iniciativas de intimidação de agentes da Receita para tentar mudar os rumos da investigação. São sugeridos na discussão procedimentos administrativos e remoção de pessoal.
Esta peça de desinformação também foi verificada pela Reuters.
O caminho da checagem
Aos Fatos escutou o áudio da gravação, que foi disponibilizado pelo STF, e o transcreveu no Escriba. Também foi analisada a transcrição oficial divulgada pela PF.
Com isso, foi possível identificar o real contexto da frase usada pelas peças de desinformação. A reportagem também buscou informações sobre a investigação contra Flávio Bolsonaro, o esquema na Alerj e a Abin Paralela por meio de reportagens na imprensa.
Por fim, a reportagem procurou pelo posicionamento publicado pelo senador Flávio Bolsonaro sobre o caso.