Marcos Corrêa/PR

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Junho de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Bolsonaro impulsiona desinformação contra isolamento após fala da OMS sobre assintomáticos

Por Bruno Fávero

10 de junho de 2020, 19h11

A declaração de uma representante da OMS (Organização Mundial da Saúde) de que a transmissão do novo coronavírus por pacientes assintomáticos de Covid-19 é "rara", dada na segunda-feira (8) e corrigida no dia seguinte, gerou uma onda de publicações enganosas – impulsionada pelo presidente Jair Bolsonaro – que questionam a eficácia do isolamento social e promovem curas sem comprovação científica, como a hidroxicloroquina.

No Twitter, postagens com esse perfil foram responsáveis por quase um terço (28%) das interações (curtidas e retweets) dos cem tweets mais populares sobre Covid-19 da terça (9), mostra levantamento do Aos Fatos. No Facebook, mais de 65 publicações com desinformação sobre o assunto somavam ao menos 166 mil compartilhamentos até a noite desta quarta-feira (10).

O caso começou na segunda (8), quando Maria Van Kerkhove, responsável técnica pelo combate à doença na OMS, afirmou que estudos preliminares indicavam ser raro "que um indivíduo assintomático realmente transmita [o vírus] adiante". A declaração repercutiu como se mostrasse uma mudança no entendimento do órgão sobre a possibilidade de transmissão antes do aparecimento dos sintomas, uma das características da Covid-19 que motivou as quarentenas pelo mundo.

No dia seguinte, o órgão esclareceu: pessoas sem sintomas podem, sim, transmitir a doença, e quarentenas ainda são necessárias quando não há capacidade de teste suficiente para a doença, caso do Brasil. Ao usar o termo "assintomáticos", Van Kerkhove se referia apenas a infectados que nunca desenvolvem sintomas, e não ao chamados pré-sintomáticos, pessoas que têm o vírus na fase de incubação, mas que depois apresentam sintomas. E mesmo os assintomáticos "verdadeiros" podem transmitir a doença, o que não se sabe é com que frequência isso de fato acontece.

A correção não foi suficiente para evitar que a confusão dominasse o debate online sobre o coronavírus. O tom da campanha de desinformação foi dado ainda na noite de segunda pelo presidente Jair Bolsonaro, que publicou uma mensagem no Twitter e no Facebook distorcendo a declaração de Van Kerkhove para questionar as medidas de isolamento social.

"Após pedirem desculpas pela Hidroxicloroquina, agora a OMS conclui que pacientes assintomáticos (a grande maioria) não têm potencial de infectar outras pessoas. Milhões ficaram trancados em casa, perderam seus empregos e afetaram negativamente a Economia", escreveu. Até as 11h desta quarta, a postagem acumulava mais de 106.668 interações.

Na verdade, um amplo estudo sobre o tema (ainda não revisado) estimou que pacientes assintomáticos representem entre 6% e 41% do total de infectados pelo Sars-Cov-2. Portanto, não há evidência de que sejam "a grande maioria" dos casos. Como mencionado, também não se sabe ainda com que frequência essas pessoas transmitem o vírus, mas há sim relatos de contágio. De qualquer forma, as quarentenas são necessárias porque há provas de que pelo menos pré-sintomáticos podem transmitir a doença.

A menção do presidente à cloroquina faz referência ao fato de que a OMS chegou a suspender testes clínicos com a droga depois que um estudo publicado em maio no periódico científico Lancet apontou que ela poderia aumentar o risco de morte de infectados. No entanto, cientistas encontraram problemas nos dados analisados e a pesquisa acabou despublicada. Com isso, a OMS, que não participou do estudo falho, retomou os testes. Até o momento, não há comprovação de que a cloroquina ou seus derivados sejam eficazes contra a Covid-19.

Depois de Bolsonaro, outras 12 postagens com a mesma alegação falsa – de que a declaração da OMS indicava a ineficácia das quarentenas – ficaram entre as cem postagens mais populares sobre Covid-19 na terça. No total, as publicações enganosas somaram 291.921 interações, 29% do total do grupo pesquisado (1.012.148).

Tweets que abordaram a declaração da OMS sobre assintomáticos sem usar desinformação estavam em menor número (8) no universo pesquisado e geraram menos engajamento (163.323 interações ou 16% do total) do que os conteúdos desinformativos.

No Facebook, a reportagem encontrou 65 postagens com mais de 1.000 compartilhamentos cada que também reproduziram o discurso de que a coletiva da OMS mostrou a ineficácia dos isolamentos. No total, essas publicações acumulavam mais de 166 mil compartilhamentos na ferramenta de verificação da plataforma.

Novamente, Bolsonaro aparece nessas publicações como um vetor de desinformação, seja em postagens que reproduzem seu tweet de segunda-feira ou que apenas o citam em outro contexto.

Até a noite desta quarta, o tweet de Bolsonaro não havia sido deletado –mesmo depois dos esclarecimentos da OMS.

Colaborou João Barbosa

Referências:

1. Aos Fatos 1 e 2
2. Agência Brasil
3. Folha
4. MedRxiv
5. ACP
6. CDC
7. Lancet

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