O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) caiu em contradição ao negar a atuação do filho, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em prol das tarifas de 50% contra exportações brasileiras anunciadas pelo governo dos Estados Unidos na última semana.
Durante entrevista coletiva nesta quinta-feira (17) em Brasília (DF), Bolsonaro foi questionado se acreditava que ele ou Eduardo tinham responsabilidade sobre a decisão de Donald Trump. “Eu sou o responsável? Ele está fazendo com o mundo todo, e o mundo está negociando”, se esquivou.
Minutos depois, Bolsonaro voltou a citar o filho. “O Eduardo tem lutado lá para restabelecer a nossa liberdade”, afirmou, ecoando trechos da carta em que Donald Trump acusa o Judiciário brasileiro de promover uma “caça às bruxas” contra o ex-presidente.
Essas alegações sem provas também têm sido propagadas por Eduardo nos Estados Unidos para defender a imposição de sanções contra o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.
A declaração repete o tom adotado pelo ex-presidente nos últimos dias em uma tentativa de afastar uma eventual responsabilidade sua ou de seu filho sobre o tarifaço. Durante entrevista ao Poder360 na última terça-feira (15), Bolsonaro foi questionado se ele ou sua família tiveram alguma participação na decisão de Donald Trump. Sua resposta foi: “Minha? Zero”.
A jornalista, então, reforçou a pergunta: “O senhor disse que o senhor não participou, mas o seu filho, Eduardo Bolsonaro, está nos Estados Unidos. Ele teve participação direta?”. Mais uma vez, o ex-presidente respondeu: “Não, negativo”. Em outro momento da entrevista, Bolsonaro insistiu que ele e Eduardo eram contra o tarifaço.
Os posicionamentos do ex-presidente vão de encontro à nota conjunta divulgada em 9 de julho, data do anúncio de Trump, por Eduardo e Paulo Figueiredo Filho, ex-comentarista da Jovem Pan investigado por suposto envolvimento com militares que tentaram promover um golpe de Estado em 2022. O texto diz:
“Nos últimos meses, temos mantido intenso diálogo com autoridades do governo do presidente Trump — sempre com o objetivo de apresentar, com precisão e documentos, a realidade que o Brasil vive hoje. A carta do presidente dos Estados Unidos apenas confirma o sucesso na transmissão daquilo que viemos apresentando com seriedade e responsabilidade”.
Os dois seguem alertando que “todos os avisos foram dados” ao Brasil e que, desde o início da atuação internacional conjunta, buscaram “evitar o pior” ao priorizar a aplicação de sanções individuais ao ministro Alexandre de Moraes — que, segundo eles, ainda poderão ser implementadas.
Em seguida, a dupla afirma que Trump entendeu que a melhor saída seria o “establishment político, empresarial e institucional” também arcar com as decisões de Moraes por meio de tarifas, decisão que julgam ser correta:
“No entanto, recentemente, o presidente Trump, corretamente, entendeu que Alexandre de Moraes só pode agir com o respaldo de um establishment político, empresarial e institucional que compactua com sua escalada autoritária. O presidente americano entendeu que esse establishment também precisa arcar com o custo desta aventura.
Por isso, a partir de 1º de agosto, empresas brasileiras que desejarem acessar o maior mercado consumidor do planeta estarão sujeitas ao que se pode chamar de ‘Tarifa-Moraes.’”
O texto termina com a afirmação de que o momento é uma “oportunidade de escolha”, apelando às autoridades brasileiras pela anistia ampla, geral e irrestrita aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de Janeiro.
Desde então, Eduardo tenta emplacar nas redes o uso do termo “Tarifa-Moraes” para se referir à taxação e insiste diariamente na anistia como única solução para o dilema, o que tem gerado críticas entre aliados próximos de Bolsonaro.
Eduardo também já afirmou em outras publicações que a única ação forte a favor da “liberdade” foram as tarifas de Trump:
“Lamento, mas não dá para pedir ao presidente Trump — e nenhuma autoridade internacional minimamente decente — para tratar uma ditadura como se fosse uma democracia. Ou há uma anistia ampla, geral e irrestrita para começar ou bem vindos à ‘Brazuela’”, afirmou o parlamentar licenciado em publicação nas redes.

Na manhã da última terça-feira (15), Eduardo se posicionou em seu perfil no X sobre as tentativas de Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, em negociar com o setor industrial paulista e defender o diálogo como solução para as tarifas durante reunião com empresários:
“Prezado governador @tarcisiogdf, se você estivesse olhando para qualquer parte da nossa indústria ou comércio estaria defendendo o fim do regime de exceção que irá destruir a economia brasileira e nossas liberdades. Mas como, para você, a subserviência serviu às elites é sinônimo de defender os interesses nacionais, não espero que entenda.”
Na noite de terça-feira (15), Bolsonaro concedeu outra entrevista, desta vez à CNN Brasil. Questionado sobre o embate entre Eduardo e Tarcísio, o ex-presidente afirmou que “quem está à frente dessa negociação chama-se Eduardo Nantes Bolsonaro” e que quem deseja negociar com Trump pode entrar em contato com ele, “que está dentro da Casa Branca”.
A repórter também perguntou se Bolsonaro julgava ruim a movimentação de Eduardo em relação à taxação, ao que ele disse: “Eduardo Bolsonaro está certo. Está lutando por liberdade para todos nós. Está sacrificando o seu mandato. (...) Você tem que reconhecer o trabalho que ele faz, os contatos que ele tem com autoridades do governo federal, do parlamento americano”.
No entanto, após pedidos de dirigentes de partidos conservadores e do próprio Bolsonaro, Eduardo publicou um post mais ameno na manhã desta quarta-feira (16). “Tive uma boa e longa conversa agora com o governador @tarcisiogdf [Tarcísio de Freitas] intermediada pelo @pfigueiredo08 [Paulo Figueiredo Filho]”, afirmou.
‘A culpa é de Lula’
Eduardo, Jair Bolsonaro e outros aliados são unânimes, porém, em afirmar que a verdadeira responsabilidade pelas tarifas de Trump seria do governo Lula e do ministro Alexandre de Moraes. Nas redes, aliados e apoiadores do ex-presidente subiram a tag “Defenda o Brasil do PT” e “Defenda o Brasil do Moraes” como resposta à atuação do governo petista, que tenta culpar o clã Bolsonaro pela crise tarifária.

Em meio à campanha, aliados utilizam argumentos enganosos para atribuir a culpa ao petista. Uma das alegações virais, por exemplo, diz que Bolsonaro teria sido tornado inelegível por ter realizado uma reunião com embaixadores. As peças, no entanto, omitem o teor dos encontros.
Bolsonaro foi declarado inelegível até 2030 por dois julgamentos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). No primeiro, em junho de 2023, a corte entendeu que o ex-presidente cometeu abuso de poder político e econômico ao realizar uma reunião com embaixadores em julho de 2022 para disseminar mentiras sobre o processo eleitoral. À época, Aos Fatos checou as declarações feitas pelo ex-presidente.
Já no segundo, finalizado em outubro de 2023 , o TSE julgou que ocorreu abuso de poder político e econômico durante as comemorações do Bicentenário da Independência.
Outro argumento comumente utilizado diz respeito às habilidades diplomáticas de Lula, o que foi reverberado por Bolsonaro nas duas entrevistas realizadas na terça-feira (15). Uma questão reforçada é a de que a atuação do petista no conflito entre Israel e Palestina seria um combustível para as tarifas.
Ainda em questões internacionais, outras publicações alegam que a existência do Foro de São Paulo infringe a soberania nacional, afirmando — sem provas — que o evento teria agido para minar a soberania do Brasil e de países da América Latina.

‘A culpa é de Bolsonaro’
Desde a entrevista concedida ao Jornal da Record na última quinta-feira (10), o presidente Lula (PT) — cuja popularidade melhorou após o anúncio de Trump — tem responsabilizado Eduardo e Jair Bolsonaro pela crise política.
Durante a entrevista, o petista alegou que o parlamentar viajou aos EUA para “fazer a cabeça de Trump” e “instigar um golpe no Brasil”. “Defende meu pai! Defende meu pai! Meu pai é inocente”, disse o presidente, imitando um suposto pedido de Eduardo ao presidente americano.
Em evento no dia seguinte (11), Lula alegou que o ex-presidente mandou o próprio filho se afastar da Câmara e viajar aos EUA para que solicitasse ajuda a Trump. O presidente afirmou, então, que se Bolsonaro fosse inocente como ele, “enfrentava a Justiça de cabeça erguida”.
O petista também tem afirmado que sempre manteve uma boa relação com presidentes americanos e que, ao contrário de Trump, está aberto ao diálogo.
O caminho da apuração
Aos Fatos transcreveu as entrevistas concedidas por Bolsonaro por meio da ferramenta Escriba e analisou as falas do ex-presidente, bem como as publicações de Eduardo Bolsonaro em suas redes sociais e demais declarações.
Também contextualizamos a reportagem com falas do presidente Lula sobre o tema, informações divulgadas pela imprensa e por outras matérias publicadas pelo Aos Fatos.



