Teorias conspiratórias que tentam traçar uma ligação entre o governo Lula (PT) e o crime organizado voltaram a viralizar nas redes desde a semana passada, quando o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), visitou uma ONG no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, para participar do lançamento de um boletim de dados de segurança.
As imagens da comitiva na favela carioca serviram de base para uma onda de conteúdos desinformativos alimentada inclusive por parlamentares, que sugeriram a existência de um acordo entre Lula e o Comando Vermelho, facção que controla o tráfico de drogas na região.
Desde a visita, usuários nas redes começaram a elaborar teses que mostrariam uma suposta conexão entre a agenda do ministro e a onda de violência no Rio Grande do Norte, conflitos registrados no Rio de Janeiro e até ao plano que, segundo a PF (Polícia Federal), o PCC articulou para tentar assassinar o senador Sergio Moro (União-PR).
Linha do tempo. A teoria conspiratória — que viralizou também durante a campanha eleitoral — voltou a ganhar força no dia 13 de março, quando parlamentares e usuários bolsonaristas compartilharam imagens da visita de Dino à Maré para apontar de maneira falsa que ele não teria sido acompanhado por policiais. Isso provaria, segundo eles, que o ministro teria acesso a uma região perigosa comandada por traficantes ou até que o motivo da visita seria uma reunião com o “Estado Maior do Comando Vermelho”.
Dino esteve na favela para participar de uma reunião com a ONG Redes da Maré, que lançou um boletim com dados de segurança da região (veja foto abaixo). Além disso, ao contrário do que afirmavam os bolsonaristas, o ministro estava acompanhado de agentes policiais: tanto a PF quanto a PRF (Polícia Rodoviária Federal) confirmaram ao Aos Fatos que participaram da segurança da comitiva.
Soube que representantes da extrema-direita reiteraram seu ódio a lugares onde moram os mais pobres. Essa gente sem decoro não vai me impedir de ouvir a voz de quem mais precisa do Estado. Não tenho medo de gritos de milicianos nem de milicianinhos.
— Flávio Dino 🇧🇷 (@FlavioDino) March 16, 2023
Foto da reunião que atacam >> pic.twitter.com/WwEEZnbQHN
A partir daí, usuários bolsonaristas usaram a visita de Flávio Dino como ponto de partida para uma ampla teoria conspiratória que explicaria problemas na segurança pública ocorridos em diversos pontos do país.
Desde terça-feira (14), a facção criminosa Sindicato do Crime tem promovido ataques no Rio Grande do Norte. O fato de a onda de violência ter começado logo após a agenda do ministro na Maré tem sido apontado como uma “estranha coincidência” por bolsonaristas.
No dia seguinte, Dino disse ter enviado agentes da Força Nacional de Segurança ao estado, mas negou que haveria intervenção federal nas penitenciárias. A fala passou a ser distorcida para sugerir que ele teria se posicionado contra a intervenção e que estaria atuando em favor do crime organizado.
Na segunda-feira (20), o anúncio feito por Flávio Dino da liberação de mais de R$ 100 milhões para reforçar a segurança pública do Rio Grande do Norte alimentou a hipótese enganosa de que o governo teria um conluio com o crime. De acordo com peças desinformativas, essa quantia seria destinada aos presos, que teriam feito um acordo com o ministro. Segundo o governo estadual, grande parte desse montante será destinado à aquisição de viaturas e armamentos e ao custeio da Força Nacional de Segurança.
Também nesta semana, ataques e ações da polícia no Rio de Janeiro passaram a ser apontados como consequências da visita. Algumas correntes enganosas que circulam nas redes, inclusive, chegam a sugerir que Dino teria “liberado” a guerra entre o Comando Vermelho e outros grupos criminosos. O argumento não se sustenta porque a onda de violência, ocasionada por uma briga entre facções criminosas, se iniciou meses atrás.
Nesta quarta-feira (22), passou a viralizar um trecho da entrevista concedida por Lula ao site Brasil 247 na qual ele diz: “De vez em quando ia um procurador [quando estava preso], entrava lá de sábado, dia de semana, para perguntar se estava tudo bem. Entravam três ou quatro procuradores e perguntavam: ‘Está tudo bem?’ [Eu respondia:] ‘Não está tudo bem. Só vai estar tudo bem quando eu foder esse Moro.’”
Nas redes, bolsonaristas passaram a relacionar a fala à notícia de que a Polícia Federal realizou uma ação contra o PCC e frustrou os planos da facção criminosa de promover atentados contra autoridades, inclusive Sergio Moro. No Twitter, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fez referência ao assassinato do prefeito petista Celso Daniel, à facada contra ele próprio durante a campanha eleitoral de 2018 e ao plano do PCC de assassinar Moro — “tudo não pode ser só coincidência”, escreveu.
Peças desinformativas de temas ligados à segurança pública passaram a alimentar a teoria conspiratória. É o caso de um vídeo que mostra a polícia vistoriando armas falsas antes da gravação de uma websérie, na Bahia, que está sendo compartilhado fora de contexto para dar a entender que a PM estaria cadastrando armas de “bandidos”.
Imagens que mostram a transferência de um detento pela Polícia Penal Federal também foram compartilhadas para sugerir que Dino teria acertado a transferência de Fernandinho Beira-Mar, líder do Comando Vermelho, a um presídio no Rio de Janeiro — o que é mentira.
Publicações enganosas antigas que fazem menção ao crime organizado também foram ressuscitadas nas redes. Voltaram a circular nas últimas duas semanas, por exemplo, posts que diziam que a vereadora Marielle Franco teria sido assassinada pelo tráfico, que Lula teria visitado Marcola na prisão após vencer a eleição e que o presidente teria sido fotografado ao lado de traficantes que usavam um boné com a sigla CPX.
Após a onda de desinformação motivada pela visita à Maré, Dino entrou com ações no STF (Supremo Tribunal Federal) contra sete parlamentares que estabeleceram a conexão enganosa entre o governo e o crime organizado: os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Carlos Jordy (PL-RJ), Paulo Bilynskyj (PL-SP), Otoni de Paula (MDB-RJ) e Cabo Gilberto Silva (PL-PB) e os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Marcos do Val (Podemos-ES).