Bolsonaristas usam 'ameaça comunista' para minar isolamento social e atacar governadores

Compartilhe

“Hoje você está tendo uma amostra do que é o comunismo e quem são os protótipos de ditadores, aqueles que decretam proibição de cultos, toque de recolher, expropriação de imóveis, restrições a deslocamentos, etc…”. Publicada pelo presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais na segunda-feira (12), essa mensagem ilustra uma estratégia recorrente no último ano entre seus apoiadores para minar medidas de distanciamento social e atacar adversários políticos: associar as restrições a uma suposta "ameaça comunista" no Brasil.

Por meio de busca na ferramenta CrowdTangle, o Radar Aos Fatos analisou as 200 publicações com esse discurso que acumulavam mais interações (curtidas e compartilhamentos) desde abril de 2020. Impulsionadas pelo presidente e seus apoiadores, elas somavam mais de 763 mil interações na plataforma até terça-feira (13).

Na retórica contra lockdown, apoiadores do presidente ainda classificam como ditadores os governadores e prefeitos que adotaram protocolos sanitários no país. Também alegam que medidas recomendadas pela comunidade científica, como a restrição de circulação de pessoas, cerceiam liberdades individuais.

Como o Aos Fatos mostrou, esse discurso omite que as medidas criticadas por essas publicações estão previstas na lei nº 13.979/2020, sancionada pelo próprio governo federal. A norma determina ações de enfrentamento ao novo coronavírus que podem ser adotadas pelo Executivo — entre elas, o isolamento social e as quarentenas. Além disso, o STF (Supremo Tribunal Federal) também decidiu que estados e municípios têm poder para definir regras de isolamento. Por fim, procedimentos semelhantes a fim de diminuir a propagação da Covid-19 foram implementados em todo o mundo, incluindo vários países democráticos como os Estados Unidos, a França e o Reino Unido.

Leia mais
Radar Aos Fatos Grupos de WhatsApp usam desinformação para negar histórico antivacina e elogiar atuação de Bolsonaro
Radar Aos Fatos Bolsonaro e aliados publicaram 83% da desinformação sobre 'tratamento precoce' no Facebook em 2021

DISPUTA COM GOVERNADORES

A publicação em que Bolsonaro relaciona medidas de contenção da Covid-19 com o comunismo recebeu, sozinha, quase 43% (327 mil) do total de interações dos posts em que associações semelhantes foram feitas. O conteúdo apareceu ainda em outros dez posts que, somados, tiveram 67 mil interações. Entre os que reproduziram a mensagem estão o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e os deputados federais Carla Zambelli (PSL-SP) e Hélio Lopes (PSL-RJ).

Alegações do tipo, no entanto, já eram divulgadas bem antes do post de Bolsonaro. O levantamento do Radar Aos Fatos identificou que a maioria (115 de 200) das publicações analisadas foi compartilhada entre 13 de abril e 31 de julho do ano passado, no momento em que governadores e prefeitos impunham pela primeira vez restrições à circulação de pessoas e ao funcionamento de atividades econômicas para tentar conter o avanço da Covid-19.

Também foi em abril de 2020 que o STF determinou que estados e municípios têm autonomia para adotar medidas de isolamento social. Em diversas ocasiões, a decisão já foi alvo de desinformação por parte de Bolsonaro e aliados, que costumam alegar de forma errada que o Supremo “proibiu” o governo federal de tomar medidas contra a pandemia ― assunto checado mais de uma vez pelo Aos Fatos.

Após a decisão do STF, adversários políticos de Bolsonaro foram tachados de “comunistas” ao determinarem medidas de isolamento social.

“[João] Doria e Bruno Covas estão implantando o COMUNISMO a passos largos lacrando lojas, obrigando uso de máscaras com punição de multas, proibindo circulação de carros”, publicou a ativista conservadora Clau de Luca em 8 de maio de 2020, citando o governador paulista e o prefeito de São Paulo, ambos do PSDB. Naquele mesmo dia, os dois haviam prorrogado a quarentena no estado e na capital. O post da ativista, que disputou as eleições de 2018 e 2020, teve 16 mil interações.

No mesmo mês, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) falava em “COMUNISMO. COVIDNISMO.” Segundo a parlamentar, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), que havia decretado toque de recolher em pelo menos três cidades, “instaurou um regime policialesco” e transformou o estado em uma “nova Cuba”. A publicação de Bia Kicis teve 15 mil interações e citava Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador, dois dias depois de a prefeitura da cidade ter imposto restrições de circulação para conter a Covid-19.

Este tipo de comparação voltou a ganhar força em março deste ano, em paralelo ao agravamento da pandemia no Brasil e, com ele, à nova adoção de restrições por governadores e prefeitos. Dentro da amostra analisada, a reportagem identificou 34 posts com este teor entre 1º de março e 12 de abril.

No último dia 3, o deputado estadual paulista Gil Diniz (PSL) publicou um post criticando uma gratificação criada pela prefeitura de Araraquara para incentivar a ação de fiscais do município no combate à Covid-19 e uma foto com a frase “Araraquara comunista” e a imagem do prefeito da cidade, Edinho Silva (PT).

“O povo de Araraquara sofre nas ‘garras’ de Edinho Silva e seu comunismo aplicado na prática”, escreveu Diniz na publicação, que teve quase 9.000 interações. A cidade teve queda no número de casos e mortes por Covid-19 após um lockdown imposto pela prefeitura em fevereiro.

OUTRAS REDES

O uso do termo “comunismo” para criticar medidas de combate à Covid-19 também tem sido feito por bolsonaristas em outras redes sociais. No Twitter, por exemplo, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, escreveu na terça-feira (13) que, “pelo visto, estão gostando muito dessa amostra grátis de comunismo”. A mensagem era seguida de uma imagem de um supermercado proibindo a venda de itens não essenciais em Niterói (RJ).

Já no Instagram, há apoiadores do presidente compartilhando a frase “Não é pandemia, é comunismo”, como mostra a imagem abaixo – cartazes com o mesmo enunciado foram registrados em manifestações pró-governo no final de semana passado.

O conteúdo também circula em canais bolsonaristas no Telegram. Para seus mais de 40 mil seguidores, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) enviou uma mensagem na qual diz que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), “gerou desemprego e inflação com seus lockdowns”. “É o comunismo a todo o vapor”, completou.

OUTRO LADO

A reportagem entrou em contato com os políticos citados, mas não teve retorno até a publicação do texto.

Referências

  1. Aos Fatos (1, 2 e 3)
  2. Lei 13.979/2020
  3. STF
  4. UOL (1 e 2)
  5. TSE (1 e 2)
  6. G1 (1 e 2)
  7. Prefeitura de Lauro de Freitas
  8. CNN Brasil

Compartilhe

Leia também

Como ver menos conteúdos sobre política no Instagram

Como ver menos conteúdos sobre política no Instagram

Como não errar ao investigar dados sobre atividade parlamentar

Como não errar ao investigar dados sobre atividade parlamentar

Imigrantes nos Estados Unidos recebem anúncios de falsas vagas de emprego no Instagram

Imigrantes nos Estados Unidos recebem anúncios de falsas vagas de emprego no Instagram

fátima
Fátima