Após a Câmara dos Deputados barrar a proposta de voto impresso, perfis bolsonaristas nas redes sociais recorreram a desinformação para ampliar ataques contra o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, e estimular acusações de fraude. Dados colhidos pelo monitor do Radar Aos Fatos mostram que, horas depois da derrota, apoiadores do governo se empenharam em disseminar uma fala do ministro fora de contexto e em lançar suspeitas não comprovadas de que a votação em plenário foi armada.
O algoritmo do Radar acompanhou em tempo real como conteúdos de baixa qualidade se espalharam em Twitter, Facebook, Instagram, YouTube e WhatsApp após a análise da PEC (proposta de emenda à Constituição) 135/2019. Esse tipo de conteúdo geralmente é produzido por fontes apócrifas, anônimas ou pouco confiáveis, que usam expressões sensacionalistas e exageradas para arregimentar cliques. Assim, eles costumam ser indicativos de fraude ou de desinformação (conheça aqui a metodologia).
Distorção
A narrativa enganosa mais disseminada no período analisado nasceu de uma interpretação distorcida de uma declaração do ministro Barroso em vídeo de junho da TV Câmara. A gravação original mostra o magistrado fazendo uma piada sobre o que ouviu do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) em relação a suspeitas de fraude nas eleições de Roraima na época do voto em cédulas de papel.
Segundo o TSE informou em nota, o ministro disse "Eu brinquei com ele [Mecias de Jesus] que eleição em Roraima não se vence, se toma”, porque o senador havia lhe contado que, antes da urna eletrônica, ganhou duas eleições no estado, mas elas "lhe foram tomadas". A versão foi confirmada pelo deputado federal Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR), filho de Mecias de Jesus e com quem Barroso falava no vídeo da TV Câmara.
Fora do contexto original, a fala foi disseminada por bolsonaristas como uma confissão das intenções do magistrado em relação ao pleito de 2022 e chegou aos assuntos mais comentados do Twitter na quarta-feira (11). Até a meia-noite, mais de 30,6 mil tweets haviam sido publicados na rede social com a hashtag #EleicaoNaoSeGanhaSeToma.
No Facebook e no Instagram, o monitor identificou mais de 120 posts que continham ou repercutiam a interpretação enganosa da fala de Barroso. Parte das publicações ainda relacionou a frase a uma declaração antiga do ex-ministro da Casa Civil do governo Lula José Dirceu (PT). Em 2018, o petista afirmou que era uma “questão de tempo” para que o partido tomasse o poder – depois, recuou e disse que foi “infeliz”.
Já no YouTube, a ferramenta do Radar classificou como de baixa qualidade ao menos 29 vídeos que reproduziram a declaração fora de contexto de Barroso e alcançaram mais de 696 mil visualizações. Os conteúdos foram promovidos sobretudo por youtubers bolsonaristas populares na plataforma — apenas 12 vídeos a respeito do assunto publicados por 11 influenciadores políticos representaram 97% da audiência total.
Fraude
Além da artilharia desinformativa contra o presidente do TSE, o monitor do Radar também detectou uma narrativa enganosa de que a votação da PEC no plenário da Câmara foi fraudada. A suspeita, não comprovada, cresceu entre os bolsonaristas após um vídeo em que o deputado Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), ex-ministro do Turismo, afirmou que não conseguiu computar seu voto e que isso lhe causou "estranheza". Procurados, a assessoria de imprensa da Câmara e o parlamentar não responderam até a publicação desta reportagem
O vídeo do deputado, que trazia como enunciado “Possível fraude nas eleições pelo voto impresso?”, detonou uma série de outras publicações nas redes sociais que, falsamente, afirmam com mais veemência que a votação foi adulterada. O Radar identificou três vídeos no YouTube que citavam o relato do ex-ministro para disseminar suspeitas sobre a legitimidade da decisão e reuniam ao menos 121 mil visualizações.
Um dos youtubers detectados sugeriu, por exemplo, que houve “armação” e destacou que, “assim como acontece na votação das eleições, a votação no plenário não tem um modelo de impressão para dar contraprova”.
Traição
O monitor também identificou que, após a derrota da PEC, houve uma onda de acerto de contas nas redes sociais, com deputados governistas e oposicionistas sendo chamados de "traidores" e "traíras" pelo posicionamento contrário ao voto impresso. Esse movimento ocorreu com mais força no WhatsApp.
Em grupos bolsonaristas no aplicativo de mensagens, diferentes versões de uma lista com nomes de parlamentares foram compartilhadas ao menos 60 vezes após a derrota da PEC e estimulavam boicote a políticos desfavoráveis ao voto impresso.
Golpe
Teorias da conspiração também tiveram espaço na repercussão da derrubada do voto impresso na Câmara. A principal delas argumentava que, ao não aprovar a proposta, o "sistema" estaria preparando um "golpe" para eleger o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022. Para isso, bolsonaristas associam a votação da PEC a outros fatos sem relação, como os julgamentos do STF (Supremo Tribunal Federal) que resultaram na anulação das condenações contra o petista, tornando-o novamente elegível. Apenas um dos posts categorizados pelo monitor reunia mais de 4.300 curtidas no Instagram.
Essa teoria foi endossada publicamente pelo próprio presidente Bolsonaro após a derrota no plenário. Em conversa com apoiadores, ele falou de um “plano” para o retorno de Lula “na fraude” e que seria impossível confiar no resultado. A urna eletrônica é usada no Brasil há 25 anos sem qualquer registro de irregularidades.