🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Maio de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Bolsonaristas inflam desinformação sobre artigo 142 para atacar STF no Twitter

Por Marina Gama Cubas, Thamyres Dias e Bárbara Libório

27 de maio de 2020, 18h08

Com desinformação e ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal), as menções no Twitter ao artigo 142 da Constituição Federal cresceram quase 10 vezes na semana passada após o ministro Celso de Mello encaminhar à PGR (Procuradoria-Geral da República) três notícias-crime que pediam perícia no celular de Jair Bolsonaro e, mais tarde, autorizar a divulgação de vídeo de reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril. O artigo, que define diretrizes do funcionamento das Forças Armadas, é reiteradamente citado de maneira enganosa por bolsonaristas, como se pudesse ser acionado pelo presidente para decretar uma intervenção militar no país e fechar o STF e o Congresso Nacional.

Essa desinformação foi usada como munição em críticas desferidas ao STF pelo apoiador do presidente e ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), um dos alvos de busca e apreensão pela Polícia Federal nesta quarta-feira (27) dentro do inquérito do STF que apura ataques contra a corte e seus membros. Outra conta popular entre os bolsonaristas, @patriotasBR38, também defendeu equivocadamente o uso do artigo 142 e é alvo do mesmo inquérito.

Levantamento do Radar Aos Fatos mostra que o número de tweets que usam essa interpretação distorcida do artigo 142 e seu engajamento cresceram em 22 de maio, data em que Mello enviou a requisição à PGR e liberou o vídeo da reunião. No mesmo dia, Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, publicou uma "carta à nação" em que afirmava que "a tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes" poderia ter "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional".

O Radar Aos Fatos analisou os 50 tweets mais populares em três períodos: nos dias 20 e 21 de maio, antes das decisões do ministro; em 22 e 23 de maio, datas seguintes às decisões; e nos dias 24 e 25 de maio, quando Heleno negou que teria insinuado uma possível intervenção militar.

Os tweets mais populares de cada período foram categorizados nos seguintes critérios: 1) conteúdo que defende a informação falsa de que o artigo 142 permite que seja decretada uma intervenção militar; 2) conteúdo contrário ao uso do artigo ou a qualquer intervenção dos militares e explicações de que ele não serve para esse fim; 3) conteúdo informativo ou noticioso (nesse caso foram levados em conta o conteúdo do tweet e do link compartilhado, não a posição editorial dos veículos ou jornalistas); 4) outros (quando a menção ao termo está presente mas não é o assunto principal do tweet ou não faz menção ao artigo).

Perfis. Entre aqueles que defendem a aplicação equivocada do artigo 142, estão perfis de apoiadores explícitos de Bolsonaro e de pessoas conhecidas por publicar notícias falsas. Em geral, o apoio à norma traz junto o argumento de que, com ela, seria possível uma ação militar que estabeleceria a “ordem” no país, com o fechamento do Supremo. As publicações também pedem que o artigo 141 entre em vigor após políticos da oposição pedirem ao STF a apreensão do celular de Bolsonaro.

No entanto, como já explicado por Aos Fatos, tal trecho da Constituição — ou qualquer outro — não prevê a possibilidade de uma intervenção militar, restringindo-se a diretrizes sobre o funcionamento das Forças Armadas. Mesmo que conclamados pelo presidente, os militares não poderiam, dentro da lei, determinar o fechamento da Câmara, do Senado, do STF e de outros tribunais.

A postagem que teve mais engajamento entre os 150 tweets analisados (50 em cada período), por exemplo, é do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, que pede uma ação pontual das Forças Armadas para "acionar o artigo 142". Em análises anteriores do Radar Aos Fatos, Eustáquio já foi apontado como disseminador de desinformação.

Na sequência aparece Dante Mantovani, ex-presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes) no governo Bolsonaro, que afirma de forma equivocada que o artigo 142 possibilita uma intervenção militar, o que não é verdade. A Constituição não dá respaldo a qualquer ação desse tipo, e a tomada de poder pelos militares, mesmo que temporária, seria equivalente a um golpe de Estado.

Também alcançaram grande engajamento três posts do ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), hoje apoiador do presidente e um dos alvos de busca e apreensão pela PF (Polícia Federal) nesta quarta-feira (27) dentro do inquérito do STF que apura ataques contra a corte e seus membros.

Segundo a narrativa de Jefferson, o artigo 142 permitiria ao Bolsonaro acabar com a interferência do STF nas decições do Executivo. Ele defende que com a entrada da norma em vigor todos os ministros da Corte poderão ter decretada suas aposentadorias de maneira compulsória.

Além dele, aparece um tweet do perfil @patriotasBR38, que teve sua conta anterior, a @patriotas, suspensa no passado pelo Twitter por violar as regras da plataforma. Ele também é alvo do inquérito no STF. A conta usou a hashtag #HelenoJaTanaHora para defender o uso do artigo 142 da Constituição.

Engajamento. No geral, as publicações que trazem a desinformação de que o artigo 142 seria capaz de estabelecer uma intervenção militar e que apoiam essa hipótese engajaram mais no Twitter do que as postagens contrárias ou informativas, principalmente no período de 22 e 23 de maio.

Em 20 e 21 de maio, o lado pró-artigo 142 representou 68,9% das interações dos posts mais populares. O engajamento do conteúdo contrário à medida foi de apenas 10,7%, e das publicações informativas, 17%.

Nos dias seguintes, 22 e 23 de maio, o engajamento aos tweets de apoio subiu ainda mais, chegando a 85,4% das interações das 50 postagens mais populares.

Número de tweets. Em relação ao número de postagens de cada período, predominaram os tweets de apoio à interpretação enganosa do artigo 142, com um pico logo após o general Heleno ter publicado uma “nota à nação brasileira".

Nos dias 20 e 21, das 50 postagens mais populares, 28 (56%) eram de apoio ao artigo 142 e apenas 5 (10%) contrárias. Outras 12 (24%) publicações traziam conteúdos informativos e 3 (6%) citavam o artigo, mas não como tema central.

Nos dias 22 e 23, as postagens que incentivaram a aplicação do artigo 142 de maneira enganosa chegaram a 38 (76% das postagens mais populares). Tweets contrários ou informativos não passaram de três publicações cada (6%).

No último período, 24 e 25 de maio, o número de tweets pedindo que o artigo fosse “acionado” voltou ao patamar do primeiro intervalo, com 28 publicações positivas (56%) e apenas dois tweets contrários (4%). Menções ao artigo sem que fosse o tema principal estavam em 11 tweets (22%) e conteúdos informativos, em 8 (16%).

General. Em 22 de maio, os tweets de apoio ao artigo 142 citavam ou indagavam o general Augusto Heleno como um agente que pudesse influir na decisão de acionar o artigo 142 por uma intervenção militar contra os outros poderes. Das 38 postagens em apoio à norma, 13 mencionaram o general da reserva.

Nesse dia, Heleno publicou em sua conta no Twitter mensagem sobre possíveis consequências caso a apreensão do celular de Bolsonaro fosse autorizada. O pedido foi feito por deputados da oposição na ação que investiga suposta intervenção do presidente na Polícia Federal.

Dois dias depois, o ministro-chefe da GSI agradeceu o apoio de um grupo de militares a sua fala, mas afirmou não ter feito nenhuma referência a "golpe" e nem mesmo ao artigo 142. Sua postagem foi a que mais engajou no período analisado, representando 94,5% do engajamento dos tweets mais populares dos dias 24 e 25.

Interações. Baseada em 80 mil retweets, a imagem abaixo representa as relações estabelecidas entre os perfis envolvidos no debate sobre o artigo 142, no Twitter, entre os dias 20 e 25 de maio. A análise considera apenas o compartilhamento das publicações porque o objetivo é compreender como os perfis estão relacionados.

Os grupos, separados por cores, são formados de acordo com o nível de interação que os usuários estabeleceram no debate. Além disso, quanto maior o nome do perfil na visualização, maior sua relevância para a discussão.

Grupo azul (55% das interações)

Mais da metade das interações analisadas pertence a este grupo, que reúne críticas ao STF (Supremo Tribunal Federal) e sugere o uso do artigo 142 como “poder moderador”. São recorrentes menções a uma suposta extrapolação do STF em sua atuação; a aplicação do artigo, portanto, para esses usuários, seria um mecanismo de defesa do equilíbrio entre Poderes e da Constituição.

Há, ainda, referências ao que seria uma perseguição ao presidente Jair Bolsonaro, envolvendo não só o Judiciário, mas outras forças ditas opositoras - também associadas, em alguns casos, ao comunismo. A interpretação do jurista Ives Gandra sobre o tema - de que com o uso do artigo 142 as Forças Armadas poderiam intervir para restaurar a ordem democrática - é citada repetidamente como argumento de autoridade entre as publicações de maior destaque neste grupo.

Grupo verde (31%)

Bastante relacionado ao grupo azul, o verde também se organiza em torno da defesa do artigo 142 como saída “urgente” para reestabelecer uma espécie de ordem institucional. No entanto, chama a atenção a centralidade que Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ocupa na narrativa – ganha destaque, por exemplo, a hashtag #HelenoJaTaNaHora, em tweets que pedem o uso do artigo 142. Vale destacar, contudo, que na publicação mais retwittada neste grupo, de autoria do próprio Augusto Heleno, ele acusa a “esquerda radical” de ter “síndrome de golpe” e nega que tenha se referido ao artigo 142 ou às Forças Armadas anteriormente.

É possível notar também críticas aos governadores e ao isolamento social neste grupo, que considera, ainda, que a divulgação do vídeo da reunião ministerial e a atuação da esquerda teriam um efeito favorável na construção de um cenário viável para a utilização do artigo 142.

Grupo vermelho (12,8%)

Grupo minoritário – e notadamente afastado dos demais – o vermelho reúne publicações que se manifestam contrariamente ao artigo 142. Aqui, os usuários organizam seus argumentos em torno de duas principais frentes: por um lado, é comum o alerta sobre o suposto risco que o artigo 142 representaria para a democracia; por outro, aparecem contestações sobre a incorreta associação entre o referido artigo e uma possível intervenção militar constitucional.

Ives Gandra também é bastante citado neste grupo, mas para ser refutado. O presidente é mencionado negativamente por supostamente desejar um golpe. Entre as hashtags mais usadas está #TodosPeloImpeachment.

Outro lado. Radar Aos Fatos procurou Oswaldo Eustáquio, Dante Mantovani e Roberto Jefferson para consultá-los sobre seus tweets. Não houve resposta. Também não conseguiu identificar e entrar em contato com o proprietário do perfil @patriotasBR38. Caso haja novos posicionamentos acerca da publicação de desinformação no Twitter, a reportagem será atualizada com essas manifestações.

Metodologia. Foram capturados pela API pública do Twitter 100.228 tweets que continham os seguintes termos no período entre o dia 20 e 25 de maio.

((142 e (artigo ou "art" ou "art." ou constituição ou constituicao ou "CF" ou bolsonaro ou mourão ou mourao ou câmara ou camara ou senado ou manifestação ou manifestacao ou manifestantes ou manifestante ou militar ou presidente ou ives ou gandra ou lei ou democrático ou democrática ou democráticos ou democráticas ou democratico ou democratica ou democraticos ou democraticas ou intervencionista ou intervencionistas ou capitão ou capitao ou isolamento)) ou "att 142" ou "att. 142" ou "artg 142" ou "artg. 142" ou "atr 142" ou "atr.142" ou #artigo142 ou #artigo142já ou #artigo142ja ou #artigo142agora ou #artigo142imediatamente

Para análise de conteúdo foram selecionados os 50 tweets mais populares (curtidas + retweets) em três períodos distintos: 20 e 21 de maio, 22 e 23 de maio, e 24 e 25 de maio. A categorização dos tweets bem como a análise do conteúdo desinformativo foram feitas de maneira manual pela equipe do Radar Aos Fatos. Os tweets mais populares de cada período foram categorizados sob os seguintes critérios: 1) conteúdo favorável ao equivocado uso do artigo 142 para intervenção militar; 2) conteúdo contrário ao uso do artigo ou à intervenção dos militares; 3) conteúdo informativo ou noticioso (nesse caso foram levados em conta o conteúdo do tweet e do link compartilhado, não a posição editorial dos veículos ou jornalistas); 4) outros (quando a menção ao termo está presente mas não é o assunto principal do tweet ou não faz menção ao artigo).

Todos os tweets categorizados podem ser encontrados aqui.

Para o grafo, foram utilizados cerca de 80 mil retweets – como o objetivo é compreender o modo como os perfis se relacionam, a análise considera apenas publicações deste tipo.

Colaborou João Barbosa.

sobre o

Radar Aos Fatos faz o monitoramento do ecossistema de desinformação brasileiro e, aliado à ciência de dados e à metodologia de checagem do Aos Fatos, traz diagnósticos precisos sobre campanhas coordenadas e conteúdos enganosos nas redes.

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