Antes restrita a grupos bolsonaristas no Telegram e em plataformas de menor alcance, a teoria conspiratória de que Lula (PT) estaria morto e teria sido substituído por um sósia ganhou tração nas redes com o apoio de influenciadores, gerou picos de buscas no Google e chegou a meios de comunicação tradicionais por meio de questionamentos sobre a saúde do petista.
O presidente eleito está vivo, atuando na transição e sua condição clínica é atualizada periodicamente pela assessoria de imprensa.
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) distribuem em grupos de mensagens as versões mais extremas — que incluem a existência de um suposto Lula substituto com todos os dedos nas mãos —, disseminando imagens manipuladas, áudios e vídeos. Nos últimos dias, canais no YouTube passaram a abordar o tema de forma indireta, levantando dúvidas sobre a saúde de Lula, mas sem afirmações taxativas.
A assessoria do presidente eleito informou ao Aos Fatos que ele está “com a saúde em dia” e “segue vivo, bem e com nove dedos”. Leia a íntegra da resposta.
A teoria conspiratória chegou a canais de pastores evangélicos no YouTube, apresentadores de rádios e se tornou um motor de buscas relacionadas a Lula: segundo dados do Google Trends, entre os termos mais associados ao nome do presidente eleito nas buscas dos últimos 30 dias estão “internado”, “AVC” e “infartou”.
As mentiras dando conta da falsa morte de Lula compõem apenas o exemplo mais recente de como teorias conspiratórias disseminadas a partir de grupos de franja, muitas vezes distorcendo fatos verdadeiros, geram versões mais palatáveis e chegam ao debate público — rendendo checagens, reportagens (como esta) e desmentidos de atores políticos.
Folga, voz rouca e cirurgia
Após o segundo turno, Lula tirou cinco dias de folga em Porto Seguro (BA), com a esposa Rosângela da Silva, a Janja. Embora anunciada com antecedência, a viagem serviu de munição para a teoria conspiratória sobre a morte dele.
Postagens falsas diziam que o presidente eleito teria sofrido um infarto durante o voo para a Bahia, outras alegavam que ele estaria internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, devido a um AVC ou a um câncer. A pergunta “cadê o Lula?” chegou aos assuntos mais comentados no Twitter na primeira semana de novembro.
Lula apareceu em público — participou de reuniões da transição naquela semana —, mas as mentiras continuaram. Imagens que mostravam o presidente eleito no Fantástico, da Globo, e durante a COP27 (27ª Conferência do Clima das Nações Unidas), no Egito, foram manipuladas para sugerir que o homem nas fotos seria um “substituto”, trazendo como supostas provas manchas faciais, proporção do rosto e até um dedo mindinho que foi amputado da mão esquerda de Lula, após um acidente de trabalho, em 1964.
Uma entrevista do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), coordenador do grupo de transição, também serviu de combustível: em ato falho, um jornalista se referiu a ele como “presidente”, o que foi suficiente para alimentar a tese de que Alckmin tomará posse no lugar de Lula.
Após voltar do Egito, no dia 21 de novembro, Lula foi submetido a uma cirurgia para retirar uma leucoplasia, que é uma lesão na laringe. Notícias sobre seus exames foram amplamente divulgadas em comunidades de Telegram bolsonaristas, acompanhados de emojis e comentários em tom de desconfiança. A cirurgia correu conforme o planejado, e o presidente eleito voltou ao trabalho.
Durante o período de internação, Aos Fatos e veículos como o UOL e o jornal Estado de Minas desmentiram as postagens, atestando que Lula está vivo.
“Só vou te mostrar as fotos”
Nas comunidades bolsonaristas, poucas pessoas dizem acreditar que Lula está morto, mas muitos são os que levantam a possibilidade de algo estar errado na saúde do presidente eleito. Essa curiosidade virou um nicho de crescimento para influenciadores como o pastor Sandro Rocha, que incluiu a temática em suas lives no YouTube, cujos trechos viralizam em redes de vídeos curtos como TikTok, Kwai e Helo.
No dia 15 de novembro, Rocha exibiu fotos do presidente eleito em diferentes épocas para insinuar que não se trata da mesma pessoa. “Você pensa o que você quiser, eu só vou te mostrar as fotos”, diz ele na live que chegou a 344 mil visualizações no YouTube e mais de 2 milhões em trecho no TikTok.
A dúvida também foi lançada pelo apresentador Alexandre Pittoli, da Jovem Pan Bauru, durante o programa Jornal da Manhã, na última terça (29): “Está faltando a petralhada contar pra nós o que está acontecendo diante de todos os boatos que aí estão de sósia, dublê, dedo que apareceu em foto, apareceu um quinto dedo em um cidadão lá, montagem…” Apenas o corte do programa no YouTube acumula 790 mil visualizações.
Também na terça-feira (29), o canal Mundo Polarizado News publicou um vídeo intitulado “Lula está vivo ou morreu no hospital?”, que acumulava mais de 150 mil visualizações em menos de 24 horas. Na gravação, o autor diz que não acredita que o petista estaria morto, mas joga “argumentos e dúvidas” em cima da questão. “Se Lula tá vivo, se tudo isso é uma grande fake news, por que ele não aparece?”, questiona o apresentador Olímpio Araújo Júnior.
Em determinado momento do vídeo, o autor comenta que o PT pediu para adiantar a data da diplomação da chapa em uma semana, o que, para ele, seria um indício de que algo estaria errado: “Ele precisa estar de corpo presente, ele tem que tá vivo pra ser diplomado, mas isso não significa que a saúde dele esteja boa”, afirmou. “Tem muitas teorias embasadas que mostram que Lula realmente está em uma situação muito grave de saúde.”
Questionado, Olímpio negou que tenha insinuado a possibilidade de Lula estar morto. “Apenas questiono o fato de a assessoria do PT não deixar isso claro e o fato de ele próprio não aparecer mais em público, o que não significa que esteja morto”, escreveu em email. Lula apareceu em público nesta quinta-feira (1º), como mostra a foto que ilustra esta reportagem.
“Também mostro questionamentos de médicos especializados sobre seu estado de saúde, mas não tiro conclusões e nem faço afirmações pois não sou médico nem tenho conhecimento da área”, concluiu.
Os outros canais de YouTube citados não responderam até a publicação. O Aos Fatos entrou em contato com a empresa, mas não houve resposta até a publicação.