Como um boato fez o Exército gerar pânico em Canoas — e por que isso mostra o risco das mentiras durante crises

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Na noite do último domingo (26), moradores do bairro Mathias Velho, em Canoas (RS), foram surpreendidos por militares nas ruas pedindo que fugissem de suas casas porque um dique poderia romper a qualquer momento e alagar a região. O alerta, no entanto, era falso: nenhuma estrutura do tipo havia sido danificada. O boato gerou pânico e novas críticas nas redes à atuação do Exército no Rio Grande do Sul.

Por volta das 19h, moradores da região publicaram relatos de que os militares teriam pedido que eles evacuassem a área. Vídeos (veja abaixo) mostram viaturas emitindo o alerta por meio de megafones e soldados dizendo para as pessoas que elas deveriam abandonar o local.

Pouco tempo depois, a Prefeitura de Canoas publicou nas redes um desmentido: “Não é verdadeira a informação de evacuação no bairro Mathias Velho, nesta noite de 26/05 #FakeNews”.

Algumas horas depois, foi a vez de o Exército reconhecer o erro: “Militares souberam, sem confirmação, que um dique havia se rompido e imediatamente passaram a comunicar erradamente aos moradores da necessidade de evacuação das áreas consideradas em risco”. As Forças Armadas informaram que os responsáveis foram afastados enquanto o caso é investigado.

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ORIGEM DESCONHECIDA

Não se sabe, até o momento, qual foi a origem da informação incorreta. Aos Fatos questionou a Prefeitura de Canoas e o Exército para tentar descobrir se o boato se originou de alguma publicação nas redes, mas ninguém soube informar.

Por volta de 19h, uma equipe da 14ª Brigada de Infantaria Motorizada do Exército passou a comunicar o alerta de evacuação. A brigada fica sediada em Florianópolis, mas está no Rio Grande do Sul em meio à Operação Taquari 2, que promove ajuda humanitária às vítimas das enchentes.

Questionada pela reportagem dos Aos Fatos, a equipe de comunicação do Exército disse, por telefone, que a equipe da brigada recebeu a informação incorreta e tomou iniciativa imediata de acionar o alerta, sem checar antes a veracidade dos dados. De acordo com os militares, a equipe agiu comando “com o intuito de salvar vidas”, e foi aberto um procedimento para averiguar a fonte do alerta falso.

Em busca nas redes, Aos Fatos não identificou nenhuma publicação ou mensagem que tenha circulado ontem com a informação de que o dique de Mathias Velho teria se rompido. Há publicações desinformativas que relatam o rompimento da estrutura, mas elas circularam dias antes do alerta dos militares.

Vídeo que mostra água correndo circula com legenda que diz ‘momento que o dique estourou em Canoas bairro Mathias Velho’
Desinformação. Publicação que circulou no final da semana passada e dizia mostrar momento que dique estourou é, na verdade, gravação de drenagem de água (Reprodução/Kwai)

Também há registros de que vídeos com alertas antigos de evacuação referentes a Canoas teriam voltado a circular nas redes no final da semana passada.

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CONFUSÃO E DESINFORMAÇÃO

Canoas foi uma das cidades mais atingidas pelas enchentes no início do mês — a Defesa Civil estima 27 mortes e 12 desaparecimentos no município — e tem sido alvo recorrente de desinformação nas redes. Publicações sugerem que a cidade teria registrado mais mortes do que o divulgado oficialmente, que a gestão municipal teria reembalado doações para fazer propaganda para o governo federal e que o prefeito, Jairo Jorge (PSD), teria sido atacado fisicamente pela população.

Usuários nas redes lembram que, durante o momento mais crítico das chuvas, houve um caso semelhante à confusão causada pelo Exército. No dia 2 de maio, a prefeitura disse que o bairro Rio Branco não precisaria ser abandonado porque a equipe teria conseguido contornar a situação. Um dia depois, no entanto, a Defesa Civil pediu que população deixasse a região, que acabou sendo alvo de uma enchente que deixou pessoas desabrigadas.

Esse cenário alimenta a desconfiança dos moradores que, num primeiro momento, duvidaram do desmentido da prefeitura no último domingo (veja abaixo).

Seis comentários que foram publicados no post da prefeitura de Canoas e duvidavam de informações oficiais
Dúvidas. Comentários em publicação da prefeitura duvidam de desmentido (Reprodução/Instagram)

Com a retratação dos militares, no entanto, usuários também criticaram as Forças Armadas. Nas redes da prefeitura, o Exército foi apelidado de “Comando Maluco” e “Trapalhões” e algumas pessoas pediram a investigação de quem emitiu a ordem de evacuação.

Mesmo após a explicação do Exército, alguns usuários questionavam a veracidade do desmentido das autoridades. Há, inclusive, publicações que usam o caso como fonte para realimentar a desinformação. Agora os conteúdos desinformativos alegam que o alerta foi uma estratégia do governo e dos militares para esconder corpos que estariam sendo resgatados na região. Isso, no entanto, não tem lastro na realidade.

O Exército vem sendo alvo de críticas e desinformação nas redes em meio às operações de resgate das vítimas das enchentes. As publicações dão a entender que o Exército estaria fazendo poucos esforços para auxiliar as vítimas no estado ou que os resgates estariam acontecendo com atraso e lentidão.

Informações enganosas sobre a atuação do Exército têm incomodado, inclusive, o alto comando. "A fake news desmotiva, espalha inverdade. Mas não podemos nos desmotivar com isso. Temos que estar o tempo todo mostrando o que está acontecendo e mostrando a verdade", afirmou o comandante Tomás Paiva em entrevista ao g1.

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