🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Junho de 2021. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Blog falseia e distorce estudos ao alegar que vacinas de mRNA são venenosas

Por Marco Faustino

21 de junho de 2021, 11h30

Uma publicação do blog As Pedras da Gávea (veja aqui) falseia e distorce estudos científicos para afirmar que vacinas contra Covid-19 de mRNA (RNA mensageiro) são venenosas e podem levar à morte. As alegações enganosas têm origem em entrevista do imunologista Byram Birdle a um podcast nos EUA em maio e não são atestadas pelas pesquisas que ele mesmo citou como referência. A Pfizer, cujo imunizante usa esta tecnologia, negou a existência de pedaços de vírus ou de toxinas no fármaco.

Em resumo, o que checamos:

  1. É FALSO que um estudo de biodistribuição identificou a proteína Spike espalhada pelo corpo de imunizados. A pesquisa mencionada não foi feita em humanos vacinados e apenas descreve o trajeto das nanopartículas lipídicas que embalam o RNA mensageiro na vacina da Pfizer;
  2. Também é FALSO que altas concentrações da proteína Spike foram encontradas em órgãos reprodutores de quem tomou vacinas de mRNA. O estudo somente avaliou o percurso de nanopartículas lipídicas em órgãos de animais, não de humanos imunizados. E, mesmo nas cobaias, não foi apontado qualquer risco à saúde;
  3. Não há evidências de que a proteína Spike do vírus Sars-CoV-2 seja patogênica ou venenosa em humanos. Sua toxicidade foi demonstrada até agora apenas em um estudo com células em laboratório e em cobaias. Já a molécula produzida pelo corpo por indução da vacina de mRNA já teve sua segurança atestada em estudos clínicos;
  4. É DISTORCIDA a informação de que a proteína Spike encontrada por pesquisadores no plasma sanguíneo de imunizados com a vacina da Moderna seria preocupante. O estudo afirma que as quantidades eram muito baixas, incapazes de causar doenças hematológicas;
  5. Também é DISTORCIDA a afirmação de que a proteína Spike pode ser responsável pela alta nos relatos de efeitos adversos de vacinas na plataforma VAERS, dos EUA. Os dados ali coletados carecem de verificação oficial e não permitem relação de causalidade.

Postagens no Facebook com o artigo reuniam com ao menos 7.000 compartilhamentos até a tarde desta sexta-feira (18) e foram marcadas com o selo FALSO na ferramenta de verificação da plataforma ‌(‌saiba‌ ‌como‌ ‌funciona‌).


Ele [Byram Bridle] e um grupo de cientistas internacionais apresentaram um pedido às autoridades japonesas para acesso a um novo estudo de biodistribuição revisado por pares. Foi mostrado que a proteína Spike da vacina Covid realmente entra na corrente sanguínea e se espalha por todo o corpo (...) O estudo japonês mostra que a infame proteína Spike ainda entra no sangue, onde pode circular por todo o corpo por dias, e se acumular em vários órgãos (especialmente em fígado, rins, baço e ‘concentrações muito altas’ nos ovários)

O estudo de biodistribuição citado na afirmação falsa não foi feito com pessoas vacinadas com imunizantes de tecnologia de RNA mensageiro nem avaliou a presença da proteína Spike no organismo delas. A pesquisa — que é da Pfizer, não de "autoridades japonesas" — usou apenas células in vitro do fígado humano e cobaias animais para descrever o trajeto de nanopartículas lipídicas usadas para envolver o mRNA da vacina.

Este tipo de estudo é um procedimento comum quando se avaliam novas medicações. Neste caso, ele foi produzido antes mesmo dos ensaios clínicos com voluntários e submetido pela farmacêutica aos órgãos regulatórios europeus, americanos e japoneses como parte do processo de aprovação da vacina e está disponível para consulta.

A pesquisa mostrou que as nanopartículas lipídicas, apesar de terem se espalhado por diversos órgãos das cobaias, foram eliminadas e excretadas pelas fezes sem causar danos. A Pfizer nega que a vacina contenha pedaços do vírus, como a proteína Spike, ou toxinas.

A tecnologia da vacina de mRNA consiste no uso de moléculas do RNA do vírus, que, ao serem introduzidas no corpo do vacinado, induzem a produção da proteína Spike pelo próprio organismo para treinar o sistema imunológico a reconhecer e combater as infecções causadas pelo Sars-CoV-2.


A alta concentração [da proteína Spike] encontrada nos ovários também é de grande preocupação para os cientistas. (...) Os homens também parecem ter distúrbios em seus órgãos reprodutivos

A afirmação é FALSA porque a pesquisa mencionada não avaliou concentrações de proteína Spike, mas de nanopartículas lipídicas que envolvem o mRNA usado neste tipo de vacina. O estudo de biodistribuição, como mencionamos na checagem acima, também não foi feito em pessoas imunizadas, mas com células in vitro do fígado humano e animais. Não foram identificados pelos pesquisadores problemas de fertilidade nas cobaias.

Segundo a EMA (Agência Europeia de Medicamentos), o estudo da Pfizer não encontrou problemas de segurança mesmo tendo usado uma dosagem de nanopartículas de 300 a mil vezes maior do que a de uma vacina para humanos. Pesquisas adicionais listadas no relatório do órgão regulador europeu também não encontraram danos ao sistema reprodutivo dos animais usados como cobaias.

Segundo o biomédico e microbiologista Mateus Falco da UEL (Universidade Estadual de Londrina), não existe relação entre a presença das nanopartículas e efeitos colaterais, como a infertilidade. “Esse estudo é uma etapa antes dos testes clínicos em humanos, quando se usam animais de laboratório para testar alguma particularidade da vacina ou medicamento e não tem relação direta com vacinas administradas em seres humanos”, explicou.

A Pfizer negou que a vacina de mRNA cause danos aos órgãos reprodutivos. Segundo a farmacêutica, “nenhuma evidência de achados macroscópicos ou microscópicos relacionados à vacina foi encontrada nos ovários nos estudos de toxicidade de dose repetida (Estudo 38166 e Estudo 20GR142) e nenhum efeito sobre a fertilidade foram identificados nas fases pré clínicas do desenvolvimento do produto, que foram avaliadas pelas diferentes agências regulatórias no mundo”.


Sabemos há muito tempo que a proteína Spike [do vírus Sars-CoV-2] é uma proteína patogênica. É um veneno.

Não há evidências de que a proteína Spike do vírus Sars-CoV-2 seja patogênica ou venenosa em humanos. Sua toxicidade foi demonstrada até agora apenas em células em laboratório e em cobaias. Também não há evidências de que a proteína Spike produzida pelo organismo por meio da vacinas de mRNA seja patogênica, venenosa ou tóxica, conforme atestado por ensaios clínicos de segurança e eficácia.

O mecanismo inflamatório provocado pela proteína Spike em células em laboratório e em cobaias foi documentado pela primeira vez em abril deste ano a partir de um estudo publicado no Circulation Research. Na ocasião, cientistas criaram um pseudo-vírus rodeado pela proteína e observaram inflamação em células do revestimento da artéria pulmonar.

Esse falso vírus, entretanto, não foi aplicado em humanos, e Mel Markoski, professora de Biossegurança da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre), afirma que não é possível dizer que o resultado obtido será o mesmo.

"É preciso mais estudos para saber se a proteína permanece ativa, em sua conformação, e se uma vez livre na corrente sanguínea (de humanos) será capaz de se ligar ao receptor, antes de ser reconhecida pelo sistema imune e eliminada”, diz Markoski.

Nas vacinas contra Covid-19, o RNA mensageiro induz células do músculo da articulação do ombro a produzirem cópias das proteínas Spike do Sars-CoV-2 no organismo do vacinado em quantidade limitada, controlada e por curto período. Assim, o sistema imunológico consegue criar defesas contra a doença.

As proteínas produzidas por indução da vacina de mRNA são ainda diferentes das presentes no novo coronavírus por possuírem mutações que evitam que elas sejam liberadas pelo corpo todo ou causem problemas aos órgãos dos imunizados.

Ana Paula Herrmann, professora de Farmacologia do ICBS/UFRGS (Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) afirma que não há evidência de que a proteína oriunda do vírus ou da vacina de mRNA seja patogênica, e que isso já foi testado e mostrado nos ensaios clínicos de segurança e eficácia. “O termo mais adequado seria tóxico, porque a proteína Spike é apenas parte de um agente infeccioso, que não replica e não transmite. Pode apenas causar dano”, diz Herrmann.

Além disso, a proteína Spike não é um veneno, segundo o biólogo e mestre em Biologia Celular e Molecular, Tiago Degrandi. “O conceito de veneno está relacionado à dosagem. Mesmo uma proteína tóxica, ela não teria uma concentração (nem do vírus, nem da vacina, nem isolada) para sequer chegar perto do que seria um ‘veneno’ em seu conceito”, afirma Degrandi.


Ele [Byram Bridle] citou uma publicação recente de um estudo revisado por pares no qual a proteína Spike foi descoberta no plasma de sangue de três dos 13 jovens profissionais de saúde que haviam recebido a vacina Moderna. Em um desses indivíduos, a proteína Spike circulou por nada menos que 29 dias. Uma vez no sangue, a proteína se liga a receptores ace2 específicos das plaquetas e vasos sanguíneos. Então, duas coisas podem acontecer: ‘Ou surgem nódulos – exatamente o que vemos com as doenças sanguíneas associadas a essas vacinas – ou sangramento’

O estudo citado, publicado em maio no periódico Clinical Infectious Diseases, apontou que quantidades muito pequenas da proteína Spike foram encontradas no plasma sanguíneo de três dos treze profissionais de saúde analisados que tomaram a vacina da Moderna. A quantidade encontrada não foi motivo de preocupação dos pesquisadores nem provaria que o imunizante pode causar doenças sanguíneas ou sangramentos, como alega o texto.

David R. Walt, professor de Patologia na Escola de Medicina de Harvard e co-autor do estudo, afirmou ao Aos Fatos que os níveis detectados pelo teste criado por ele e sua equipe são muito baixos para serem tóxicos.

“Sabe-se que altos níveis da proteína Spike no sangue devido à infecção, não à vacinação, podem causar certas doenças sanguíneas. A quantidade que mensuramos foi mínima e detectável apenas pelo nosso teste”, disse Walt, que explicou ainda que os anticorpos gerados pela vacina removeram as proteínas Spike poucos dias depois.

A conclusão dos pesquisadores é que a vacina está funcionando como o esperado, ou seja, o mecanismo desenhado a partir da tecnologia de mRNA está gerando anticorpos para combater o vírus.

Walt também disse em entrevista ao site USA Today que o imunologista canadense Byram Bridle extrapolou os resultados, que não indicaram que as vacinas são perigosas. Segundo Walt, uma hipótese para terem encontrado a proteína Spike no sangue é que as células T, fundamentais no sistema imunológico, teriam matado outras que a expressaram. Porém, os níveis encontrados foram “incrivelmente baixos”.

Ana Paula Hermann, professora de farmacologia do ICBS/UFRGS concorda que houve uma extrapolação. “De forma alguma o que está publicado significa que a proteína encontrada possa causar doenças. É um estudo pequeno, que avalia apenas a quantidade da proteína e sua duração no corpo”, diz Hermann.

Segundo ela, isso mostra que a vacina está funcionando, e acontecendo aquilo que foi desenhado pelos cientistas. Isso porque, assim que os anticorpos começaram a ser detectados, os níveis da proteína Spike caíram rapidamente. “Um sinal muito provável que os anticorpos ‘depuraram’ o sangue, ou seja, eliminaram as partículas”, diz a professora.


A proteína de pico associada à vacina na circulação sanguínea poderia explicar uma miríade de eventos adversos relatados das vacinas COVID, incluindo as 4.000 mortes até o momento, e quase 15.000 hospitalizações, relatadas ao Sistema de Relatórios de Eventos Adversos de Vacinas (VAERS) do governo dos EUA a partir de 21 de maio de 2021

Os dados apresentados na plataforma VAERS (Vaccine Adverse Event Reporting System), que registra efeitos adversos de vacinas nos EUA, são feitos por qualquer pessoa e de forma espontânea, sem necessidade de análise científica prévia ou verificação governamental, como Aos Fatos já mostrou em checagens passadas (confira aqui e aqui).

A FDA (Food and Drug Administration, agência reguladora de medicamentos e alimentos do governo americano) exige, de acordo com a legislação dos EUA, que os profissionais de saúde relatem qualquer morte após a vacinação contra a doença ao VAERS, mesmo sem provas de que o imunizante estaria relacionado com o óbito.

Entre 14 de dezembro e 14 de junho, o VAERS recebeu 5.343 notificações de morte (0,0017% do total) entre pessoas que receberam a vacina contra a Covid-19. O número é considerado baixo pelo CDC (Centers for Disease Control, órgão de saúde do governo americano), tendo em vista que mais de 302 milhões de doses de imunizantes foram administradas nos EUA. As informações clínicas disponíveis, incluindo atestados de óbito, autópsia e registros médicos, não estabeleceram uma relação causal com as vacinas.

O próprio CDC afirma que os dados apresentados na plataforma não permitem nenhuma interpretação de causa e efeito e que “não é possível descobrir por meio dos dados da VAERS se a vacina causou o efeito adverso relatado”. Logo, os relatos não podem ser citados como fatos estabelecidos pois carecem de verificação oficial.

Origem. Os dados falseados e distorcidos começaram a ser propagados a partir de uma entrevista concedida pelo imunologista canadense Byram Bridle ao podcast On Point, da jornalista Alex Pierson, em 27 de maio deste ano.

No programa, ele alegou que estudos comprovariam que os imunizantes que usam tecnologia mRNA deixariam as mulheres jovens inférteis pelo acúmulo de nanopartículas nos ovários de animais, o que não pode ser atestado, e que a proteína Spike expressa por meio das vacinas de mRNA seria tóxica. As falas de Bridle passaram a ser impulsionadas por sites de extrema-direita nos EUA, como o Natural News.

O blog As Pedras da Gávea, que publicou o artigo, foi questionado por Aos Fatos por email sobre a veracidade das informações que apresentou no artigo, mas não retornou o contato. A página publica com regularidade conteúdos antivacina.

Referências:

1. PMDA
2. Aos Fatos (Fontes 1, 2, 3 e 4)
3. EMA
4. Salk Institute for Biological Studies
5. Circulation Research
6. Science Magazine
7. Oup
8. USA Today
9. VAERS
10. CDC (Fontes 1 e 2)
11. Omny


De acordo com nossos esforços para alcançar mais pessoas com informação verificada, Aos Fatos libera esta reportagem para livre republicação com atribuição de crédito e link para este site.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

Topo

Usamos cookies e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concordará com estas condições.