🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Abril de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Base bolsonarista no Twitter impulsiona desinformação, mas perde espaço na rede

Por Sérgio Spagnuolo e Amanda Ribeiro

7 de abril de 2020, 17h00

Insular e com menos espaço nas redes, a base de apoio virtual do presidente Jair Bolsonaro tem recorrido a publicações virais que disseminam desinformação para defender a política de isolamento vertical, anunciar a eficácia ainda não comprovada da hidroxicloroquina no tratamento de Covid-19 e criticar o Congresso e os governadores. É o que mostra uma análise conduzida pelo Radar Aos Fatos em uma base de dados do Núcleo Jornalismo, que coletou 1,27 milhão de tweets únicos (exclui retweets e comentários) com o termo “Bolsonaro” ou hashtags relacionadas a ele, de 17 de março a 4 de abril.

Neste universo, foram analisadas as 50 postagens com mais interações (curtidas e compartilhamentos) que se mostravam favoráveis ou desfavoráveis ao presidente. A conclusão é que, dentre os 50 tweets mais populares que partiram em defesa de Bolsonaro, nove continham informações falsas ou distorcidas; quatro deles postados por parlamentares ou integrantes do governo.

Na lista de publicações contrárias ao presidente, constam parlamentares e políticos como como o ex-candidato à Presidência da República Fernando Haddad (PT), mas Aos Fatos não encontrou nenhum tipo de desinformação. A grande maioria dessas postagens tinha viés opinativo — e em alguns casos, um tom humorístico —, que não são checáveis, segundo a metodologia do Aos Fatos.

Já a postagem favorável a Bolsonaro com maior número de interações foi publicada pelo próprio presidente no dia 18 de março. Na publicação, classificada como desinformação por conter informações exageradas, Bolsonaro afirma que a TV Globo e a revista Veja teriam divulgado, “de forma ostensiva”, panelaço contra o governo, mas não se manifestado sobre o protesto a favor do governo. O jornal e a revista, na verdade, publicaram apenas uma matéria a respeito das manifestações no dia 18 — o que não poderia configurar divulgação ostensiva, como foi relatado pelo presidente em suas redes. Além disso, a Veja também publicou no mesmo dia a notícia de que o presidente difundia um panelaço pró-governo também para aquela noite, o que desmente a afirmação sobre a omissão da imprensa a respeito do caso.

Depois do presidente, o perfil que o segue no topo do ranking de publicações favoráveis é o @Bolsoneas, apontado pela deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) em depoimento à CPMI das Fake News no Congresso como uma das contas usadas pela base bolsonarista para difamar a oposição. No entanto, nenhuma das suas seis postagens presentes do ranking de mais populares continha desinformação: em sua maioria, elas se limitavam a lançar palavras de apoio ao presidente e pediam pela interação de seguidores.

Entre os parlamentares que se manifestaram favoravelmente no Twitter, o destaque é o deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Cinco de suas publicações integraram a lista de 50 tweets mais populares, com um total de 169 mil interações. Ele foi também o que mais disseminou desinformação: duas de suas postagens continham distorções ou informações factualmente insustentáveis.

Um exemplo é um tweet do dia 18 de março e que somou 46.716 interações no qual o deputado compartilha um vídeo com três notícias: a primeira é uma crítica do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ao fato de Jair Bolsonaro ter desrespeitado medidas de isolamento ao sair para cumprimentar apoiadores durante manifestação do dia 15 de março. A segunda é uma imagem do senador festa de lançamento da CNN Brasil, realizada em São Paulo no dia 9 de março. A última afirma que o parlamentar havia contraído Covid-19.

Na postagem, Eduardo cobra uma autocrítica de Alcolumbre, já que ele "cobrou do Pres. Bolsonaro responsabilidade por ele ter tido contato com algumas pessoas na porta do Palácio do Planalto”. O tweet foi classificado como desinformação, porque, como checado anteriormente por Aos Fatos, ainda não havia diretrizes de isolamento e quarentena no dia 9 de março, quando houve a festa da emissora. O mesmo não vale para o dia 15, quando Bolsonaro entrou em contato com cerca de 270 pessoas à porta do Palácio do Planalto.

Outro integrante do governo responsável por propagar informações falsas foi o assessor especial da Casa Civil da Presidência da República, Felipe Pedri. Endossando a narrativa bolsonarista de que a hidroxicloroquina é uma medicação comprovadamente eficaz contra a Covid-19, o assessor publicou no dia 25 de março que “o governo Jair Bolsonaro é o primeiro do mundo a anunciar oficialmente o tratamento para Covid-19” e que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, “nunca pediu quarentena”. O tweet somou 21.920 interações, mas informação sobre a cloroquina é falsa, porque a droga ainda passava apenas por período de testes e, dois dias depois, em 27 de março, foi liberada apenas para pacientes hospitalizados em estado grave. Já a recomendação do Ministério da Saúde sobre o isolamento social tem sido feita desde o dia 13 de março.

Isolamento. Apesar da tentativa de viralizar informações falsas, a análise dos tweets mostra que é patente a perda de espaço de publicações favoráveis ao presidente em comparação com as desfavoráveis: dentre os 50 tweets mais populares de ambos os lados, as postagens com críticas a Jair Bolsonaro acumulam quase quatro vezes mais interações do que as que defendem as ações do governo: foram 1,5 milhão de curtidas e compartilhamentos nas publicações elogiosas, contra 6 milhões nas críticas.

Outros pontos importantes da análise incluem o viés e os temas abordados pelos dois lados. Dentre as postagens favoráveis ao presidente, por exemplo, três tinham o objetivo explícito de angariar interações, com pedidos como “Estão dizendo por aí que a base de apoio ao presidente Bolsonaro nas redes sociais acabou com a chegada do Coronavírus. Alguém aqui ainda apoia Bolsonaro? Curta, comente e compartilhe só para eu ver uma coisa!” ou “Alguém aqui ainda apoia Bolsonaro? comente e Retuite só para eu ver uma coisa!”. Dentre todos os 50 tweets, 49 tinham viés político; apenas um, publicado pelo colunista Rodrigo Constantino, tinha tom humorístico.

No caso do tweets contrários ao presidente, a grande maioria tinha viés opinativo e, muitas vezes, humorístico. Dentre as 50 postagens pesquisadas, 19 eram críticas bem-humoradas ao presidente, que incluíam montagens com fotos ou trechos editados de vídeos. O conteúdo não pode ser considerado desinformação, já que o viés humorístico estava explícito ou no material, ou no texto da postagem.

Exemplo é uma postagem do youtuber Felipe Neto, que traz uma imagem em que o presidente da República aparece com uma máscara cirúrgica mal posicionada, tapando os olhos e o nariz, enquanto parece remar um barco. Na legenda: “Bolsonaro é o grande timoneiro desse barco e vai nos conduzir”.

Mudança de cenário. A análise feita pelo Núcleo Jornalismo em parceria com o Radar Aos Fatos mostra que a engajada base de apoiadores de Bolsonaro no Twitter foi soterrada nas últimas duas semanas por uma avalanche de críticas a ele ou aos seus filhos, e à sua postura em relação à pandemia do novo coronavírus no Brasil. Com base em 1,27 milhão de tweets captados com o termo "Bolsonaro" ou hashtags relacionadas a ele de 17 de março a 4 de abril, é possível observar que o presidente ficou com um saldo predominantemente negativo na rede social, um dos principais canais de comunicação aberta que o ajudaram a se eleger em 2018.

Para ter uma ideia deste saldo de popularidade, foram analisados, um a um, os 1.000 tweets com mais interações nessa base, a fim de avaliar como as publicações com maior repercussão se posicionavam em relação a Bolsonaro. O peso desse recorte é significante: apesar de representar apenas 0,08% do total de tweets analisados, esse milheiro corresponde a 45,5% (22,85 milhões) de todas as interações apuradas (50,3 milhões).

Nos tweets com mais engajamento, Bolsonaro tem perdido significativamente: 71% de todas as interações foram realizadas em tweets negativos ao presidente, ao passo que apenas 20,5% foram positivas. O restante foi considerado neutro.

Essa proporção pode ser claramente observada no gráfico abaixo. O engajamento (número interações dividido pelo número de tweets), em geral, é bem superior nos tweets desfavoráveis a Bolsonaro nesse período.

Isso não quer dizer que a base de apoiadores de Bolsonaro seja pequena ou pouco engajada, mas que seus críticos conseguiram superar seus defensores na última quinzena no mês. O Brasil tem 12,15 milhões de usuários de Twitter, segundo o site Statista.

Embora a base seja pequena em comparação com a população brasileira, ela motiva boa parte do engajamento político e do noticiário nas redes. E, segundo a consultoria Arquimedes, até ajuda o Bolsonaro a direcionar suas ações. Também vale ressaltar que o Twitter é a rede onde a oposição parece mais crescer, de acordo com relatório de março da FGV/DAPP.

Bolsonaro tem sido um crítico de políticas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos para o combate ao coronavírus, indo contra recomendações da Organização Mundial da Saúde e até mesmo de seu próprio Ministério da Saúde.

O youtuber Felipe Neto foi quem mais, individualmente, produziu engajamento nessa lista: 19 de seus tweets geraram mais de dois milhões de likes e compartilhamentos combinados. Dentre as 10 contas com mais interações, seis produziram tweets majoritariamente desfavoráveis a Bolsonaro, três foram mais favoráveis e uma é neutra.

Pronunciamento. O pronunciamento em rede nacional de Jair Bolsonaro sobre o novo coronavírus em rede nacional de rádio e TV no dia 24 de março — quando ele chamou a Covid-19 de "gripezinha" e instou a governadores e prefeitos para que encerrassem políticas de isolamento social —, gerou quase o que o dobro do engajamento no Twitter em comparação com o discurso mais ameno feito uma semana depois.

Isso indica um desgaste com a postura combativa do presidente sobre o novo coronavírus e como o discurso de Bolsonaro, indo contra o consenso de especialistas para recomendações de saúde, inflama a polarização e as críticas a ele.

Metodologia. Em parceria com o Radar Aos Fatos, o Núcleo Jornalismo capturou 1,27 milhão tweets das 20h50 do dia 9 de março até 3h19 do dia 19, utilizando a API gratuita do Twitter. Os códigos podem ser encontrados aqui.

A conta considera apenas tweets únicos, ou seja, exclui retweets e respostas a tweets. Isso porque queremos medir a espontaneidade de publicações sobre o tema, não a reação (comentários e compartilhamentos).

Com a finalidade de manter a privacidade de usuários com perfis pouco notórios, o Núcleo não vai divulgar os dados brutos – cada pessoa pode rodar o código de extração para obter esses resultados.

A classificação dos tweets foi baseada no tom e intenção da mensagem e feita manualmente considerando os critérios favorável, desfavorável ou neutro (são notícias ou descrições de notícias). Todos os 1.000 tweets foram acessados e lidos, para então serem classificados.

Referências:

1. Núcleo Jornalismo
2. Aos Fatos (Fontes 1, 2 e 3)
3. TV Globo
4. Veja (Fontes 1 e 2)
5. O Globo
6. G1
7. Senado
8. Estadão
9. UOL
10. Ministério da Saúde
11. Statista
12. Follha de S.Paulo
13. DAPP FGV
14. GitHub

sobre o

Radar Aos Fatos faz o monitoramento do ecossistema de desinformação brasileiro e, aliado à ciência de dados e à metodologia de checagem do Aos Fatos, traz diagnósticos precisos sobre campanhas coordenadas e conteúdos enganosos nas redes.

Topo

Usamos cookies e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concordará com estas condições.