O influenciador conservador americano Charlie Kirk foi assassinado na última quarta-feira (10) enquanto participava de um evento na universidade de Utah Valley. Ele respondia perguntas de alunos quando um tiro atingiu seu pescoço.
O atirador estava no telhado de um prédio a cerca de 130 metros do local e vídeos divulgados pelos investigadores mostraram sua fuga após o crime.
O suspeito conseguiu escapar das autoridades por cerca de dois dias até ser identificado, na última sexta-feira (12): Tyler Robinson, de 22 anos, confessou o crime ao pai, ligado ao Departamento do Xerife do Condado de Washington, que o manteve em custódia até a chegada da polícia.

Crimes políticos têm um histórico de serem acompanhados por teorias conspiratórias. Exemplos recentes — como o atentado contra Donald Trump e o assassinato de um casal de legisladores democratas — mostram que as redes tendem a usar casos como esse para alimentar a polarização.
No caso de Kirk, a demora para identificar o atirador ainda se tornou um agravante: como o criminoso permaneceu anônimo por dezenas de horas, teorias conspiratórias sobre sua identidade e motivações inundaram as redes — afinal, ele podia ser qualquer um.
Como é tradição nesta newsletter, vamos desmentir e contextualizar algumas dessas maluquices:
1. ‘O vídeo do tiro foi feito por IA’

Uma alegação que viralizou nas redes americanas e foi importada por brasileiros é a de que o vídeo que mostra a morte de Kirk teria sido gerado por IA. O argumento seria que o anel da sua mão se “teletransporta” para outro dedo após o tiro, o que seria um indício claro de erro da tecnologia.
Vou ser sincero com vocês: eu vi o vídeo e não recomendo que ninguém assista. Também por isso não irei colocar trechos da gravação para desmentir essa teoria conspiratória.
O fato é: o anel citado poderia, muito bem, ter mudado de lugar mesmo. Isso porque a joia era, na verdade, um anel articulado e, por isso, é possível que tenha “caído” para o dedo de baixo, a depender de como Kirk segurava o item.
Mas teve IA! Após o assassinato de Kirk, o presidente Donald Trump publicou um vídeo em suas redes no qual lamenta o caso. Essa gravação, sim, teve a edição de IA generativa.
TO MY GREAT FELLOW AMERICANS… pic.twitter.com/oRsrE5TTHr
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) September 11, 2025
No minuto 0:20, aproximadamente, é possível ver que o dedo de Trump “some” por alguns segundos. Tudo indica que o vídeo foi mesmo gravado, mas que algum tipo de edição foi feita nas mãos do presidente americano.
Esse glitch fez com que muitas pessoas questionassem a realidade da gravação e até afirmassem que tudo não passaria de um plano do próprio governo.
O que nos leva à segunda teoria conspiratória.
2. ‘Cortina de fumaça para Trump’

Usuários críticos ao governo americano acreditam que o momento do crime teria sido muito “oportuno” para o presidente. Na segunda-feira (8), o Wall Street Journal publicou a carta que Trump supostamente enviou em 2003 ao empresário Jeffrey Epstein — condenado por comandar uma rede de tráfico sexual. Nela, havia o desenho do busto de uma mulher nua.
Logo, segundo os conspiradores, Kirk seria um “sacrifício” para que a mídia esquecesse a história. Alguns apontam que, inclusive, o fato de o atirador ter demorado “tanto tempo para ser identificado” provaria que havia algum tipo de organização ou que o próprio governo estaria procurando explicações que beneficiassem Trump.
Mas tudo isso não passa de especulação. Nada, até o momento, liga Robinson ao presidente americano — fora o fato de ele ter se fantasiado de Trump para o Halloween de 2017:
- Apesar de seus pais serem republicanos, o suspeito não possui filiação partidária;
- O estojo de munição encontrado continha a frase “Ei, fascista, pegue isso!” e “Se você está lendo isso, você é gay”;
- Amigos e familiares alegam que Robinson já havia dito que Kirk era “cheio de ódio e espalhava o ódio”;
- Pessoas próximas relatam que ele tinha posições políticas muito diferentes de seus pais;
- Os investigadores acreditam que ele agiu sozinho.
3. ‘Atirador era transgênero’

Enquanto ainda não se sabia quem era o atirador, a tese entre os apoiadores de Trump era de que se trataria de uma mulher trans. Ao menos três pessoas diferentes foram acusadas de ser o assassino e tiveram suas identidades e endereços divulgados na internet.
É verdade que, na quinta-feira (11), o Wall Street Journal publicou que uma análise prévia teria identificado mensagens antifascistas e pró-transgênero na munição do atirador. O jornal, no entanto, disse que a informação não tinha sido confirmada.
Algumas horas mais tarde, um oficial disse à imprensa que as mensagens podem ter sido mal interpretadas e por isso deveriam ser vistas com cuidado.
Mas cuidado é uma coisa que a internet não tem.
Uma foto de um projétil com a letras “TRN” gravadas passou a circular nas redes como se fosse a mensagem de apoio à comunidade. TRN, no entanto, é a sigla de uma marca de munições chamada Turan Ammo.
No final de semana, o governador de Utah, Spencer Cox, disse que Tyler namorava uma mulher trans e que isso poderia explicar o crime. Apesar do relacionamento amoroso não ter sido confirmado, o suspeito de fato tinha uma colega de quarto que estava fazendo transição de gênero.
Segundo os investigadores, essa pessoa, que não teve sua identidade revelada, está cooperando com os policiais e até entregou seu celular para as autoridades. Uma das teses é que Robinson teria matado Kirk por causa de seu discurso de ódio contra a população transgênero.
Isso, mais uma vez, fez com que a culpa caísse na comunidade LGBTQIA+. Mas nada, até o momento, indica que a colega transgênero teve participação no assassinato.
A tese de que o atirador seria transgênero cairia como uma luva em uma grande teoria conspiratória alimentada pelos apoiadores de Trump e disseminada, inclusive, pelo próprio Kirk: que grande parte dos tiroteios nos EUA seria culpa da comunidade LGBTQIA+.
Sendo bem direto, isso é mentira.
Mesmo que os dados não sejam tão específicos e que os resultados variem de acordo com a definição de tiroteio, especialistas negam que haja uma “epidemia” de ataques por parte de pessoas trans.
Na verdade, um estudo da Hamline University, com dados de 1970 a 2024, mostra que homens cisgênero são responsáveis por 98% dos tiroteios em massa nos EUA.
Compartilhar desinformação para alimentar essa tese não só culpabiliza toda uma comunidade como também justifica a perseguição política que vem acontecendo nos EUA: parlamentares conservadores estão apresentando dezenas de propostas em assembleias estaduais para restringir atletas transgênero e acabar com cuidados de afirmação de gênero. Há, inclusive, projetos em tramitação para impedir a mudança do gênero em carteiras de motorista e outros documentos.




