No dia 22 de novembro de 1963, o então presidente dos EUA, John F. Kennedy, foi assassinado enquanto desfilava em uma carreata em Dallas, no estado americano do Texas. O crime foi investigado pela Comissão Warren, que, após ouvir 550 testemunhas com a ajuda de diversas instituições, publicou um relatório que concluiu que o chefe de Estado foi morto por Lee Harvey Oswald, atirador que agiu sozinho e disparou apenas uma vez.

A conclusão, no entanto, não foi aceita por todos, em especial porque foram apontadas omissões e falhas no relatório. Um exemplo é que a comissão não ouviu o médico George Burkley, que não só testemunhou o assassinato como também assinou o atestado de óbito de JFK.
Desde então, inúmeras teorias conspiratórias apareceram em livros, documentários e, mais tarde, na internet. Entre as principais, estão:
- “Cuba estava envolvida no assassinato”: muitos acreditam que o crime foi uma retaliação do então primeiro-ministro cubano, Fidel Castro. Em revelação feita cerca de dez anos após a morte de Kennedy, um comitê do Senado americano afirmou que a CIA havia tentado assassinar o cubano diversas vezes no passado. Ao negar as alegações, Castro disse que, caso isso fosse verdade, os EUA teriam sofrido as consequências. Essa teoria é inflada porque Lee Harvey Oswald, assassino de Kennedy, fez uma viagem ao México, onde tentou entrar em contato com os consulados cubano e soviético.
- “Bala mágica”: críticos alegam que a conclusão da comissão não faria sentido, porque uma única bala não seria capaz de atravessar JFK e John Connally — então governador do Texas, que dirigia a limusine e foi gravemente ferido pelo tiro — e continuar em boas condições. Análises mais recentes, no entanto, afirmam que a conclusão se sustenta.
- “A CIA matou JFK”: há até quem acredite que o vice-presidente da época, Lyndon B. Johnson (conhecido como LBJ) teria ordenado o assassinato para tomar o poder. Essa teoria nasce de um depoimento de um agente da CIA em meio ao escândalo Watergate e foi alimentada pelo sobrinho de JFK, Robert F. Kennedy Jr, que hoje ocupa o cargo de secretário de Saúde de Trump.
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As conspirações ganharam fôlego durante o primeiro mandato de Donald Trump, quando ele autorizou a divulgação de documentos sobre o assassinato — mas deixou alguns ainda em sigilo.
Se você está se perguntando qual o interesse de Trump na história, a versão oficial é a de que seria uma política de transparência do governo americano. Um artigo da New Yorker, no entanto, mostra que pode haver outra explicação: um dos estrategistas políticos do presidente, Roger Stone, publicou o livro “O homem que matou Kennedy: o caso contra LBJ” em 2014, que alimentou a teoria conspiratória do “deep state”.
Essa teoria, que faz parte do universo dos apoiadores de Trump, acredita que há uma rede de funcionários do governo que trabalham em conjunto com as elites financeiras, industriais e intelectuais para controlar os EUA e o mundo. O assassinato de JFK teria sido consequência desse conluio secreto e teria como objetivo colocar Johnson no poder.
Chegamos, então, a 2025. O governo Trump liberou, na última terça-feira (18), mais uma leva de documentos sobre o assassinato de Kennedy. Dezenas de milhares de páginas foram disponibilizadas — a maioria, no entanto, já era de conhecimento público. Analistas já se debruçaram sobre o conteúdo (veja aqui, aqui e aqui) e, até o momento, não encontraram nenhuma revelação bombástica.
Quando a realidade não se destaca, os conspiradores improvisam: diversos trechos dos documentos passaram a circular nas redes acompanhados das mais diversas alegações enganosas. Algumas delas citam até o Brasil!
Como essa edição já está longa o suficiente, vamos desmentir, resumidamente, algumas delas:
1. JFK chamou Joe Biden de “traidor”?

Não.
A carta que tem sido compartilhada junto com essa alegação enganosa sequer está nos documentos revelados na última terça.
Na verdade, trata-se de um documento supostamente assinado em 1994 por JFK Jr., filho do presidente assassinado, que está disponível nas redes há anos.
2. Documentos mostram que Rússia e China ofereceram auxílio militar para Brizola?

Não é bem assim.
O documento da CIA, que de fato está incluído nas páginas reveladas, realmente trata de uma mensagem de um informante sobre uma “oferta de homens para o governador do Rio Grande do Sul pelos governos comunistas da China e Cuba” em 1961.
Para fins de contexto histórico: quando Jânio Quadros renunciou à Presidência, os militares vetaram a posse de seu vice, João Goulart. Leonel Brizola, então, ameaçou começar uma guerra civil para garantir o cumprimento da Constituição, que já previa que o vice assumiria caso a Presidência ficasse vaga.
O que as publicações, omitem no entanto, é que:
- O próprio documento diz que se trata de uma informação “não validada”;
- A fonte seria “um professor com bons contatos entre os líderes estudantis comunistas”;
- Mesmo se o relato for verdadeiro, o documento afirma que Brizola negou a oferta porque não queria interferência externa nos assuntos políticos brasileiros.
No final, Jango assumiu a presidência, mas só depois que foi negociado a adoção do parlamentarismo, que perdurou até 1963. O presidente foi deposto pelo golpe militar no ano seguinte.
3. Documentos mostram que Israel conspirou para matar JFK?

Também não é bem assim.
As publicações que trazem essas alegações destacam citações a Israel como se fossem provas de envolvimento do país no assassinato de JFK, mas nenhum dos documentos evidencia isso. As peças mostram:
- Uma carta assinada em 1963 por “Palestinos”, intitulada “Assassinato do Presidente Kennedy: uma conspiração sionista”. O documento, além de antigo — foi revelado em 2016 —, não traz nenhuma prova para suas acusações;
- Outro documento de 1964, que também foi revelado em 2016, mostra uma investigação em que um grupo de cubanos exilados que se interessava pela morte de JFK teria afirmado que estava sendo financiado por judeus. Essa apuração, segundo o National Archives, no entanto, foi arquivada pelo FBI após uma “investigação limitada”. Não há, portanto, no documento, qualquer prova de envolvimento de judeus no assassinato;
- Um documento do FBI de 1965 que dizia que o agente secreto James Angleton, da CIA, tinha um acordo com o Serviço de Inteligência de Israel. O texto, no entanto, não incrimina ou culpa o Mossad por qualquer atentado;
- E outro memorando, também sobre Angleton, que relata mais detalhes sobre sua relação com o Mossad.
Nenhuma das peças, portanto, incrimina Israel no assassinato de JFK.
4. Documentos provam que Hitler fugiu para a Argentina?

Definitivamente não.
As publicações aproveitaram a divulgação dos documentos para reviver a história de que a CIA encontrou Hitler vivendo na Argentina depois do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Na verdade, os documentos citados já haviam sido divulgados em 2017. De fato, um arquivo da CIA conta que um agente ouviu de um informante em 1955 que Hitler estava vivo, que havia sido fotografado na Colômbia e que, mais tarde, teria ido para a Argentina.
No final da mensagem, é possível ver que o agente diz que o homem da foto à direita “é indubitavelmente a pessoa que o informante diz ser Hitler”. A CIA, em nenhum momento, confirma que ele seria o ditador.
Além de cientistas já terem provado que Hitler cometeu suicídio em 1945, a foto em si mostra que se tratava de um sósia (veja comparação abaixo).





