🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Maio de 2019. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Após cortes no MEC, envio de imagens de estudantes nus cresce 950% em grupos de WhatsApp em 24 horas

Por Amanda Ribeiro

13 de maio de 2019, 16h37

Fotos e vídeos que retratam, principalmente, performances artísticas e protestos realizados em universidades brasileiras em diversos períodos têm sido compartilhados de forma massiva nas redes sociais desde que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou o contingenciamento de parte das verbas discricionárias de instituições de ensino superior federais, no dia 30 de abril. Em 350 grupos de WhatsApp, o compartilhamento desse tipo de conteúdo cresceu pelo menos 950% em 24 horas, entre os dias 1º e 2 de maio, segundo levantamento do Aos Fatos em ferramenta de monitoramento desenvolvida na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Em comum, as publicações usam imagens e gravações para criticar as universidades e elogiar o bloqueio orçamentário feito pelo MEC. Elas mostram, em sua maioria, universitários nus, em protestos, festas e apresentações artísticas que ocorreram em contextos diversos, em anos diferentes e situações pontuais, o que não é alertado nos posts. Há também capas de dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre gênero e sexualidade que foram compartilhadas sem detalhar o conteúdo das pesquisas. Outras publicações trazem fotos tiradas em universidades estaduais, que estão fora da alçada do governo federal.

A utilização de imagens verdadeiras, mas sem a apresentação do contexto original em que foram captadas, tem sido uma forma bastante comum de disseminar desinformação nas redes sociais. A prática busca enganar o receptor da mensagem ao distorcer ou omitir o sentido daquilo que foi retratado.

Professor de Ciências da Computação da UFMG e criador do projeto Eleições sem Fake, Fabrício Benevenuto afirmou no Facebook que a ferramenta criada por ele para monitorar cerca de 350 grupos de Whatsapp foi inundada desde o dia 30 de abril com memes e imagens que criticam as universidades.

Usando a mesma ferramenta e considerando o período de uma semana antes do anúncio do ministro Weintraub e os sete dias subsequentes ao corte, Aos Fatos confirmou que houve um aumento substancial no número de publicações desse tipo: entre os dias 1º e 2 de maio, por exemplo, houve um crescimento de 950% no número de imagens entre as 60 mais compartilhadas nos cerca de 350 grupos de WhatsApp monitorados pela UFMG. E esse número pode ser ainda maior, dadas as restrições do monitor.

Para explicar alguns dos conteúdos mais disseminados nos últimos dias, Aos Fatos entrou em contato com as universidades citadas e procurou registros na imprensa. A conclusão é que a maior parte das imagens e dos vídeos exibem protestos e performances, algumas inclusive interpretadas por artistas que não compunham o corpo discente das instituições.

No Facebook, as postagens encontradas por Aos Fatos com esse teor já foram compartilhadas ao menos 105 mil vezes.

Confira, abaixo, mais detalhes do que verificamos.

Imagens. As postagens com maior engajamento na rede apresentavam uma espécie de “pacote”, que trazia uma série de cenas de nudez em ambientes universitários. Uma delas foi tirada na Universidade Estadual de Londrina em 2016 durante uma atividade do curso de Filosofia.

Publicada sem nenhuma contextualização, apenas com o nome da universidade, a imagem retrata a apresentação de um trabalho de conclusão de curso do professor de artes cênicas e, à época, graduando em filosofia, Agnaldo Moreira de Souza.

O trabalho, que discutia a condição humana durante o nazismo, tinha como objetivo representar o sofrimento e a perda da dignidade de homens e mulheres que eram enviados nus às câmaras de gás. A performance, que foi seguida pela apresentação da monografia, teve participação apenas de atores convidados. Nenhum aluno integrou a apresentação.

Segundo nota da universidade, “os cortes de verbas propostos pelo MEC para o ensino superior não apresentam relação alguma com a atividade, e não atingem diretamente a Universidade Estadual de Londrina, que recebe recursos do governo do Estado do Paraná e não da União”.

A pesquisa desenvolvida por Agnaldo Moreira de Souza em 2016 deu origem ao livro Dor e Silêncio: Performance e Teatro Sobre o Holocausto Nazista (Editora Apriis, 2019).

Outra imagem que integrava o “pacote” de nudez nas universidades disseminado nas redes retrata uma festa realizada no campus de São Carlos da USP (Universidade de São Paulo) — instituição estadual e que, portanto, não se mantém com verbas da União.

Descontextualizada, a imagem (acima) mostra na verdade a reação de alunos à manifestação de colegas da Frente Feminista de São Carlos, que protestavam contra a forma como as novatas eram tratadas na universidade. Segundo elas, as garotas eram obrigadas a desfilar e mostrar os seios aos veteranos.

Em resposta às reclamações das estudantes, homens ficaram pelados e fizeram gestos obscenos. Na época, segundo o UOL, a USP afirmou que era “veementemente contra qualquer ação que cause constrangimento” e que iria abrir processo administrativo contra os alunos.

Apesar de ter sido realizado dentro da sede de um centro acadêmico, o evento não tinha caráter oficial e foi organizado por um grupo autônomo de alunos que se autodenominava GAP (Grupo de Apoio à Putaria).

Entre as imagens mais populares divulgadas pelos críticos às universidades federais estão registros de um protesto realizado na UnB (Universidade de Brasília) em 2009 (fotos acima). À época, alunos tiraram a roupa e caminharam pela universidade em apoio à estudante Geisy Arruda, hostilizada na Uniban (Universidade Bandeirante de São Paulo), em São Bernardo do Campo, por usar roupas consideradas muito curtas.

O caso gerou grande repercussão e manifestações de repúdio ao machismo e ao sexismo em várias universidades, inclusive na UnB.

O evento, no entanto, foi um ato isolado e organizado por estudantes. Em nota, a UnB afirma que “é lamentável que as imagens do protesto estejam sendo utilizadas de forma descontextualizada, confundindo a sociedade sobre o cotidiano das universidades públicas. Essas instituições realizam ensino, pesquisa e extensão de excelência e são também espaços plurais, de livre expressão e opinião, como em qualquer lugar do mundo”.

Outra foto que integra o "pacote de nudez" nas universidades retrata um estudante que assiste a uma aula na UFG (Universidade Federal de Goiás) em 2017 usando apenas um chapéu (foto acima).

Uma reportagem publicada pelo G1 afirma que a foto foi tirada durante uma aula de arte contemporânea da universidade e era fruto de uma brincadeira de um dos alunos. Após perguntar ao professor se tudo poderia ser arte e escutar que a resposta dependia do artista, o estudante saiu da sala e voltou nu, usando apenas um chapéu e um par de sandálias.

Ainda de acordo com o docente, os alunos levaram a situação na brincadeira e não se incomodaram com o colega, que voltou a se vestir 20 minutos mais tarde.

Outra imagem (acima) que integra os compilados de fotos de universitários omite que a cena não é protagonizada por uma estudante, e que registra uma performance ocorrida na UFBA (Universidade Federal da Bahia) em 2015. A apresentação, que se deu durante o 2º Seminário Internacional Desfazendo Gênero, é conduzida pela performer Tamíris Spinelli e tem como título “Gordura Trans”.

Na intervenção, Spinelli se cobriu de azeite de dendê, alimento típico da Bahia, para falar sobre gênero e o preconceito social com o corpo gordo. A apresentação já teve 18 versões, cada uma delas com um alimento diferente.

Registros de uma aula especial sobre monotipia, processo de criação de um tipo de gravura, realizada em 2012 pelo curso de Artes Plásticas da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) também ressurgiram nas redes como parte de posts que atacam o ensino universitário federal.

As imagens (uma delas acima) mostram jovens nus e pintados. A aula aconteceu durante o projeto Café com Artes, espécie de acolhida aos novatos do curso de Artes Plásticas da UFAM. Ali, quatro artistas — um deles aluno do curso — mostravam em seus corpos como funcionava o processo de monotipia.

Segundo afirmou o idealizador da apresentação, Fabiano Barros, ao G1, a mostra surgiu a partir de um trabalho realizado para a universidade e teve autorização de um professor do Departamento de Artes. A performance foi realizada sem roupas porque, segundo Barros, elas só “atrapalhariam o processo”.

Segundo a chefe do Departamento à época, Denize Piccolotto, a apresentação não ofendeu os alunos, já que os artistas estavam usando tapa sexo e tinham os seus corpos pintados.

O registro acima, da performance “Trajeto com Beterrabas”, da artista Ana Reis no 3º Seminário Internacional Desfazendo Gênero, na Universidade Estadual da Paraíba, também vem sendo compartilhado como se retratasse estudantes de universidades federais.

Na intervenção, ocorrida em 2017, Reis se manifesta contra a violência de gênero tingindo suas roupas com o vermelho de várias beterrabas raladas. Ao fim, deixa o vestido “ensanguentado” em uma escadaria e caminha nua na direção do interior de um prédio do campus.

Diante de críticas, a organização do evento defendeu a performance dos que chamou de “pessoas de má fé”. “No entanto, há sim pessoas de má fé, existem pessoas que disseminam ódio, que tentam derrubar, machucar e dilacerar a todas nós. Estamos sob ataques pela internet, pessoas nos atacando por Instagram e Facebook. Precisamos resistir a essas pessoas!”, afirmaram os organizadores.

Posts que foram compartilhados com essa imagem desinformam ainda ao omitir que, por ter ocorrido em uma universidade estadual, a performance mostrada não estaria sob alçada do Ministério da Educação.

Imagens (acima) de uma performance que ocorreu em frente ao Museu de Arte Contemporânea de Niterói em 2016 também voltaram a circular na ofensiva virtual em favor dos cortes nas universidades. Na ocasião, uma aluna do curso de artes da Universidade Federal Fluminense (UFF) apresentou uma performance em que, completamente nua, era depilada por uma colega.

O evento, que ocorreu no meio da tarde, foi uma apresentação não programada que integrou a grade de programação da reabertura do museu após uma reforma. Alunos do curso de Artes da UFF foram, na ocasião, convidados para realizar apresentações ao longo do dia.

Diante de reclamações de alguns dos visitantes do museu, que ressaltaram a presença de crianças no local, a Fundação de Arte de Niterói publicou uma nota dizendo ter sido surpreendida pela performance.

“A Superintendência Cultural da Fundação de Arte de Niterói esclarece que foi surpreendida com a atitude, não programada, de uma das artistas que fez um protesto e ficou nua durante uma performance, na Praça do Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC), neste sábado, 18 de junho. A referida atriz fazia parte de um grupo de alunos do curso de Artes da UFF convidado para fazer intervenções artísticas durante a grade de programação do evento”, dizia a nota, que ainda pede desculpas aos visitantes que se sentiram ofendidos pela situação.

Na última semana, também ressurgiram nas redes diversos vídeos, como o que retrata um protesto ocorrido em 2015 em frente ao prédio do Instituto de Ciências Humanas da UFPel (Universidade Federal de Pelotas), no Rio Grande do Sul.

Na ocasião, estudantes tiraram as roupas e ficaram com os seios à mostra para criticar a violência contra a mulher. As aulas foram suspensas no dia por conta do protesto.

Apesar de ser preciso na localização do ato, o vídeo apresenta informações falsas. Uma suposta fala de um estudante, que afirma que as manifestantes “fumavam maconha, bebiam cachaça, mutilavam-se e se masturbavam em pleno saguão do campus” não foram encontradas por Aos Fatos em nenhuma das matérias sobre o assunto. A única postagem com conteúdo semelhante é do Blog do Paulinho Javali, que foi desativado.

O G1, no entanto, colheu depoimentos de alunos, que afirmam que algumas das manifestantes bebiam e fumavam, uma delas se masturbou na escadaria do prédio e outra foi supostamente vista jogando baldes de urina nas paredes. Não há indícios, nas reportagens pesquisadas, de que as mulheres tenham ameaçado com facas ou agredido verbal e fisicamente, como diz o vídeo, a imprensa ou as pessoas que discordavam do ato.

Em nota, a UFPel afirma que as imagens são de um protesto decorrente da denúncia de que haveria um grupo de WhatsApp com forte conteúdo machista e que representam “uma ocasião pontual e isolada, em um contexto muito específico, contra o assédio”.

“Na esteira desses acontecimentos, é lamentável que situações pontuais e fora de contexto sejam utilizadas para tentar justificar os cortes orçamentários que afetarão diretamente a sociedade brasileira, a grande beneficiada do ensino, da pesquisa e da extensão desenvolvidas de maneira séria e comprometida pelas instituições federais de ensino superior”, prossegue a universidade.

Um vídeo recente, que retrata um evento ocorrido nas dependências do campus da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) no fim de abril, também está sendo utilizado por páginas e perfis diversos para criticar as universidades públicas. Nas imagens, alunos fantasiados bebem e dançam em um evento chamado Ação Social.

Além de ser estadual, e portanto não receber verbas federais, a universidade afirmou, por meio de nota, que não compactua com o evento e que abriu uma sindicância para verificar as condições em que foram realizadas a festa.

No texto, o reitor Cleinaldo de Almeida Costa afirmou que “A Direção da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESA), a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a Reitoria da UEA acolheram denúncia ex officio de alegado ‘ultraje público ao pudor’, ocorrido nas dependências da referida Escola”.

“No uso de suas atribuições, o Reitor determina imediata abertura de sindicância para apuração da denúncia e restringe a realização de qualquer evento não vinculado às atividades acadêmicas até posterior deliberação”, prossegue o texto.

Dissertações e Teses. Além de fotos de protestos e festas universitárias, estão sendo compartilhadas e ridicularizadas dissertações de mestrado e teses de doutorado que lidam principalmente com questões de gênero e sexualidade.

A imagem acima realmente retrata uma dissertação de mestrado, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Psicologia em 2016, mas não apresenta nenhum tipo de contexto sobre o conteúdo da pesquisa.

Desenvolvido por Normando José Queiroz Viana, o estudo investiga as práticas sexuais de homens que se prostituem nas ruas do Recife e analisa questões como formas de inserção social no grupo e as contradições de garotos que se dizem exclusivamente heterossexuais, apesar de aceitarem clientes homens e sentirem desejo e prazer sexual durante alguns dos encontros.

O estudo também evidencia como se dá o contraste entre a atuação de garotos na área em contrapartida à habitual posição de clientes ocupada pelos homens no ramo da prostituição.

O título, destacado nas postagens de maneira descontextualizada para ressaltar uma falta de seriedade do estudo, se apropria do linguajar usados pelos próprios garotos de programa nas ruas da cidade.

Circula ainda foto que retrata a capa de uma tese de doutorado defendida em 2014 no Departamento de Design da Universidade Federal do Pernambuco (foto acima). De autoria da pesquisadora Simone Grace de Barros, a pesquisa tem apenas sua folha de rosto apresentada, e também vem sendo compartilhada sem nenhuma contextualização sobre o conteúdo do texto.

O objetivo do trabalho é estudar como se dá a construção da identidade de grupos urbanos a partir de tatuagens. Dentro do universo estudado, a pesquisadora optou por um recorte que estuda um grupo específico de Recife, as “piriguetes”.

No texto, inclusive, o termo piriguete foi definido por pesquisadores como “uma expressão pejorativa para designar as mulheres que têm um comportamento sexual mais próximo à prostituta (NASCIMENTO, 2008), aquela mulher com atributos sedutores que parece estar sempre ‘a perigo’ e que troca de parceiro exaustivamente, não se dá à vida doméstica e não foi feita para casar”.

Ainda de acordo com o texto, criou-se um estereótipo, que define como piriguetes “todas as garotas que andam em grupos e fazem uso do corpo como expressão evidente de sua sexualidade, expondo, através da indumentária (roupas, acessórios etc.), comportamento e dos gestos o seu poder de sedução”. Inicialmente visto como uma ofensa, o termo foi mais tarde popularizado por novelas e acabou dando origem a uma tribo urbana.

O objetivo da pesquisa era, então, estudar a construção do estereótipo a partir do uso de tatuagens comuns a garotas que diziam se enquadrar nesse grupo social.

Reação. Para rebater as acusações de balbúrdia e falta de produção de conhecimento nas universidades federais, a jornalista, professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e pesquisadora associada da Unicamp (Universidade de Campinas) Sabine Righetti propôs, no último dia 2, um twittaço com a hashtag #oquevinauniversidadepublica.

Ao longo da semana passada, estudantes, professores e egressos de universidades públicas divulgaram histórias relacionadas à pesquisa e à divulgação científica realizadas nas instituições. Os relatos expõem questões como a falta de recursos, o acúmulo de trabalho tanto para docentes quanto para estudantes e diversas histórias de alunos carentes que conseguiram se formar graças a verbas de auxílio estudantil.

Topo

Usamos cookies e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concordará com estas condições.