Apoiadores do candidato de extrema-direita Javier Milei têm disseminado a informação falsa de que houve fraude eleitoral no pleito do último domingo (22) na Argentina, em que Milei terminou o primeiro turno atrás do governista Sergio Massa. A estratégia segue o mesmo roteiro e tem personagens em comum com a tentativa de Jair Bolsonaro (PL) de desacreditar o sistema eleitoral brasileiro, que culminou na tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro.
Milei é aconselhado por Fernando Cerimedo, influenciador argentino que no ano passado produziu informações mentirosas incluídas em um relatório apresentado pelo partido de Bolsonaro ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na tentativa de anular o segundo turno.
Desde o final de semana, publicações em português no Telegram e no X (ex-Twitter), principalmente, disseminaram uma série de mentiras para tentar justificar o resultado do primeiro turno na Argentina:
- Diferentes peças de desinformação denunciaram que cédulas de Milei teriam sido rasuradas ou rasgadas propositalmente para invalidar os votos no candidato;
- Há também publicações que mostram supostas cédulas do político jogadas no lixo, o que provaria o descarte de votos;
- Mensagens também questionam como seria possível Milei ter ficado em segundo lugar, já que foi o candidato mais votado nas eleições primárias.
Conteúdos do tipo em espanhol também foram identificados pelo Chequeado, organização de checagem de fatos da Argentina. Em reportagem recente sobre Fernando Cerimedo, o site escreve que, “como num déjà vu brasileiro, o consultor já solicitou informações ao governo argentino sobre o sistema eleitoral para evitar ‘irregularidades’ nas eleições. São os mesmos ingredientes da receita que Bolsonaro e Trump usaram para questionar o resultado das eleições em que perderam”.
A teoria que usa como prova de fraude as rasuras e os rasgos nas cédulas é a mais mentirosa: a legislação eleitoral argentina prevê que a cédula é válida desde que as informações do candidato estejam intactas. O voto só será considerado nulo, portanto, caso não contenha o nome, o cargo ou a coalizão dos políticos escolhidos.
Já as peças de desinformação que mostram cédulas descartadas não provam, por si só, que houve fraude:
- Nas eleições argentinas, os eleitores votam por meio de encartes de papel que contêm as fotos e as informações dos candidatos;
- Esses encartes ficam nas mesas de votação, localizadas nas “salas escuras”;
- Cada eleitor, com o auxílio de uma tesoura, monta seu voto com os candidatos de sua preferência e os insere no envelope de votação, entregue pelo mesário;
- Por fim, esse envelope é inserido na urna eleitoral.
A tática de plantar desconfiança eleitoral entre os eleitores tem sido usada por candidatos de extrema-direita em todo o mundo. Outro exemplo é Donald Trump, que usa falsas alegações de que houve fraude eleitoral em 2020, quando foi derrotado por Joe Biden, como argumento para impulsionar sua campanha no ano que vem, quando pretende concorrer novamente.
A imagem das cédulas descartadas, portanto, não prova que os votos não foram contabilizados. Cada partido ou coalizão imprime esses encartes e os disponibiliza para a eleição em número que consiga dar conta do eleitorado e ainda permita uma reserva de contingência.
Conforme explica a Direção Nacional Eleitoral argentina, “caso [o eleitor] não encontre as cédulas de sua preferência na sala escura, deverá avisar a autoridade da mesa sem revelar sua escolha, que deverá solicitar aos fiscais do partido a substituição das mesmas. É responsabilidade dos grupos políticos garantir a disponibilidade dos votos na sala escura”.
Uma das peças mais virais, por exemplo, diz que uma funcionária da “Procuradoria Popular da Província de Buenos Aires” teria sido gravada enquanto descartava cédulas de Milei. As publicações supostamente mostram Gabriela Barrios Anache, advogada da Defensoria do Povo da Província de Buenos Aires, que deletou seus perfis nas redes sociais após a denúncia. As imagens que aparecem nas publicações mostram apenas uma mulher — que Aos Fatos não conseguiu confirmar ser Anache — segurando cédulas de Milei, não envelopes de votação.
Aos Fatos entrou em contato com a Defensoria e com a Direção Nacional Eleitoral para que pudessem comentar o caso de Anache, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.
Por fim, o argumento de que a diferença entre os resultados do primeiro turno e das primárias seria um sinal de fraude também não se sustenta. Essa, aliás, não é a primeira vez que há diferença de votações: em 2015, o então candidato peronista, Daniel Scioli, conseguiu 37,7% dos votos nas primárias, enquanto Maurício Macri obteve 30,8%. No pleito oficial, no entanto, Scioli teve 36,6% dos votos contra 34,5% de Macri, que acabou vencendo no segundo turno.
Massa e Milei disputarão o segundo turno em 19 de novembro. Vale ressaltar que o próprio Milei tentou disseminar boatos sobre supostos planos de fraude eleitoral em mais de uma ocasião. Em entrevista na véspera do primeiro turno, o candidato de extrema-direita sugeriu que haveria uma conspiração contra ele. Meses antes, ele também afirmou que “sem fraude, vou acabar com 35 pontos percentuais [nas eleições]”. Sua coalizão disponibilizou um formulário online para receber denúncias anônimas de fraude.
A estratégia do político remonta à atuação de outros candidatos da direita, como Donald Trump, nos EUA, e Jair Bolsonaro, no Brasil. Durante suas respectivas disputas eleitorais, os dois ex-presidentes fizeram uma série de alegações sem provas para desacreditar o sistema eleitoral.
PARALELISMO
A desinformação sobre as eleições argentinas repete uma linha argumentativa que também viralizou nas redes brasileiras para justificar a derrota de candidatos de direita.
Em 2020, quando Trump foi derrotado por Joe Biden, viralizaram no Brasil diversas publicações que sugeriam que os votos do então candidato à reeleição teriam sido enterrados ou queimados por opositores políticos. Também foram compartilhadas falsas provas de fraude durante o processo de apuração.
No Brasil, alegações semelhantes apareceram tanto em 2022 para negar a derrota de Bolsonaro no pleito presidencial quanto em 2018 para inflar sua vitória. O próprio ex-presidente, em diversas ocasiões, foi o responsável por desacreditar o processo de votação e dizer, por exemplo, que urnas eletrônicas estariam programadas para “roubar” seus votos e entregá-los para o candidato do PT.
Não há, até o momento, nenhuma prova de que houve fraude em qualquer uma dessas eleições.