Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Abril de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Aos Fatos e Lupa apresentam propostas para aperfeiçoar regulação das redes

26 de abril de 2023, 12h00

Organizações signatárias do código de ética e conduta da IFCN (International Fact-Checking Network) divulgaram nesta quarta-feira (26) um conjunto de contribuições para aperfeiçoar as discussões sobre o projeto de lei 2.630/2020, que pretende regular a atuação de plataformas e provedores de redes sociais no Brasil. Dentre as preocupações levantadas por Aos Fatos e Lupa, que endossam o documento, está a necessidade urgente de limitar os incentivos financeiros à disseminação de ódio e desinformação e a supressão do artigo que garante imunidade parlamentar material na internet.

O pedido de urgência para a análise do projeto foi aprovado na noite desta terça-feira (25), por 238 votos a 192, e o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), pretende pôr o mérito em votação nos próximos dias. A íntegra do texto final defendido pelo relator, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), ainda não foi apresentada. A pressão pela celeridade da análise da matéria se dá em meio à instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos atos de 8 de janeiro e da tentativa, patrocinada pelas principais plataformas digitais, de postergar a apreciação do texto ao criar uma comissão especial na Câmara.

De acordo com a nota assinada pelas signatárias da IFCN, é necessária a criação de uma entidade autônoma de supervisão das plataformas para que sejam analisadas e qualificadas as ações de combate à desinformação e ao ódio aplicadas pelas empresas de acordo com suas diretrizes de comunidade, em respeito ao Marco Civil da Internet. Esse órgão deverá elaborar códigos de conduta específicos, que analisem comportamentos sistêmicos em provedores, redes e aplicativos, para que não haja possibilidade de censura arbitrária a conteúdos específicos nesses ambientes.

Outra demanda é que as plataformas, diferentemente do que vem fazendo o Twitter, assegurem a jornalistas profissionais acesso gratuito e fácil às suas APIs (interfaces de programação de aplicações). Esse recurso permite que investigações jornalísticas sobre comportamentos deletérios nas redes sejam conduzidas com agilidade, de modo a contribuir, como ocorre com frequência, com o aperfeiçoamento dos mecanismos de segurança dessas mesmas redes.

Como especialistas no combate à desinformação, as organizações reivindicam mais espaço em eventual órgão autônomo, estimulam o desenvolvimento de políticas públicas de educação midiática e defendem que as estratégias de moderação de conteúdo levem em conta particularidades regionais brasileiras.

"De uma proposta esquálida e equivocada, o PL 2.630 amadureceu e hoje propõe soluções importantes para conter a captura de redes, aplicativos e serviços digitais por agendas que promovem desinformação e ódio. No entanto, o projeto ainda não resolveu problemas fundamentais, como a assimetria de poder econômico e político entre uma sociedade civil que combate campanhas mentirosas e os políticos que as patrocinam", diz Tai Nalon, diretora executiva do Aos Fatos.

"As discussões não foram suficientes para que tenhamos, agora, uma proposta de lei que contribua, de fato, para o combate à desinformação, para um ambiente digital mais saudável e seguro e para uma atuação mais transparente das plataformas no Brasil. Reconhecemos que são necessárias medidas para frear atitudes nocivas em redes sociais, mas a adoção delas não pode inviabilizar atividades que impactam positivamente o ecossistema, como as jornalísticas, criar categorias de cidadãos digitais com mais liberdade do que outros, nem garantir ainda mais poder a companhias já hegemônicas que manipulam o ambiente a partir de seus próprios interesses econômicos", diz Natália Leal, CEO da Lupa.

Veja abaixo a íntegra da nota ou faça o download aqui.


Nota de organizações signatárias brasileiras do Código de Ética e Princípios da International Fact-Checking Network (IFCN) sobre o PL 2.630/2020

Diante da tramitação em regime de urgência do Projeto de Lei 2.630/2020, e da disposição ao diálogo do relator deputado Orlando Silva, Aos Fatos e Lupa, organizações de combate à desinformação signatárias do Código de Ética e Princípios da International Fact-Checking Network (IFCN) com sede no Brasil, expressam sua posição sobre a proposta.

A fim de contribuir para um debate democrático, este grupo, que acumula quase uma década de experiência no combate à desinformação no contexto brasileiro, apresenta suas ponderações e indica a necessidade de ampliar nove pontos-chave abordados pela proposta de regulação das plataformas digitais. São eles:

  • Aprimoramento do combate à desinformação monetizada;
  • Observância e respeito ao Marco Civil da Internet;
  • A urgência de uma entidade independente de supervisão;
  • O código de conduta de combate à desinformação;
  • O acesso gratuito aos dados das APIs das plataformas de grande porte;
  • A remuneração a empresas jornalísticas pelo uso de conteúdos;
  • Imunidade parlamentar;
  • A vulnerabilidade da auditoria externa independente;
  • A necessidade de incentivo à educação para o uso seguro da internet.

As instituições consideram esses temas prioritários para a permanente construção de um ambiente digital saudável, plural e que preserve a liberdade de expressão em suas dimensões individual e coletiva. Abaixo, estão detalhadas as sugestões.

  1. A proposta que estabelece obrigações de avaliação e mitigação dos riscos sistêmicos é um caminho mais seguro e favorável à proteção dos direitos dos usuários, pois busca resolver questões estruturais sem entrar em questões específicas de conteúdo. Porém, quando as plataformas recebem pagamento e atuam para impulsionar conteúdos sabidamente inverídicos, deve ser reforçada sua corresponsabilização.
  2. O respeito ao Marco Civil da Internet deve nortear as ações de moderação das plataformas, cujas atividades devem ser exercidas preferencialmente por brasileiros, em observância às particularidades regionais do país. A moderação deve seguir protocolos transparentes, de acordo com códigos de conduta estabelecidos pelas plataformas e fiscalizados pela entidade autônoma de supervisão. As boas práticas do combate à desinformação recomendam que haja limitação da circulação de informações fraudulentas, com explicação detalhada sobre o mérito da redução, bem como a correção das informações falsas compartilhadas. Nesse caso, a remoção do conteúdo deve ser a última opção. Ações agressivas de remoção podem gerar desde danos reputacionais até autocensura, além de incentivar a adoção de medidas de moderação de conteúdos que podem resultar em abusos ou restrições de direitos.
  3. As instituições aqui assinaladas defendem a criação de um órgão de supervisão específico no prazo de seis meses a contar da aprovação do texto. É inviável que o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) ou a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) assumam as atribuições destinadas a essa instituição. Caberá à nova entidade autônoma — e a ela somente — determinar as regras e diretrizes não especificadas em uma eventual legislação, bem como monitorar e fiscalizar o cumprimento e aplicar sanções em caso de violações. Este órgão deve ser independente de qualquer estrutura já existente da administração pública direta, a fim de evitar tentativas de influência no seu processo decisório, contando com autonomia funcional, financeira e administrativa. Em sua composição, deve ser garantida a participação de organizações certificadas de checagem de fatos, à semelhança da experiência europeia. Essas empresas são pioneiras na criação de parâmetros de conduta e credibilidade e no desenvolvimento de projetos focados no ecossistema das plataformas, de modo que seu protagonismo deve ser observado. Isso não ocorre nas instituições atuais. Caso outro órgão seja indicado para a supervisão temporária, é primordial que as iniciativas de checagem tenham voz ativa.
  4. Um código de conduta para combate à desinformação é importante recurso para estabelecer diretrizes e medidas que assegurem que as plataformas cumpram a lei. Ele deve idealmente ser viabilizado pelo órgão autônomo de supervisão, dentro de um grupo protagonizado por especialistas no combate à desinformação — sobretudo organizações certificadas de checagem de fatos.
  5. A obrigação de abrir dados das APIs das plataformas é imprescindível, mas seu escopo deve ser ampliado ao jornalismo profissional de interesse público. Sem qualquer prejuízo aos pesquisadores, essenciais ao combate à desinformação, é necessário ressaltar que foi o jornalismo profissional especializado neste tema que trouxe à luz os comportamentos sistematicamente indevidos das plataformas durante períodos críticos para o país, como a pandemia de Covid-19 e as eleições de 2022. Sem a garantia de gratuidade desses dados, esse tipo de investigação jornalística autônoma estará em perigo. Além disso, a dificuldade de acesso a dados das APIs ajuda a reforçar a opacidade desses atores.
  6. As empresas de tecnologia devem contribuir para um ambiente digital mais saudável a partir do financiamento de iniciativas jornalísticas comprometidas com o combate à desinformação. As companhias que operam plataformas digitais devem alimentar um fundo multissetorial para distribuir recursos financeiros de forma equilibrada entre empresas de jornalismo de todos os tamanhos. Esse direcionamento de recursos ao fundo não prejudica nem inviabiliza negociações individuais entre plataformas de tecnologia e veículos jornalísticos e/ou empresas de combate à desinformação, sendo recomendada transparência total sobre esses acordos, de forma que as informações a seu respeito constem sempre dos relatórios de atividades a serem encaminhados à autoridade autônoma de supervisão.
  7. É indefensável a proposta para que a imunidade parlamentar material se estenda às plataformas de redes sociais. Esta medida dá a determinados usuários, como os políticos em cumprimento de mandato, mais direitos do que a outros, garantindo prerrogativas que em nada contribuem para a autocontenção necessária ao exercício de cargos eletivos. É sabido que agentes do poder público são amplificadores de discursos de ódio e de desinformação, usando da autoridade inerente ao cargo e das estruturas política e financeira às quais têm acesso. A premissa de proteção do interesse público não pode ser usada para autorizar o engajamento intencional daqueles que exercem cargos públicos em campanhas de desinformação e ódio.
  8. A previsão de uma "auditoria externa e independente", no escopo de autorregulação das plataformas, só terá sentido de forma complementar às funções do órgão de supervisão autônomo, não sendo possível sua prática como substituição à fiscalização da entidade reguladora. Organizações gabaritadas para a execução de avaliações externas e independentes devem, ainda, ocupar assentos nesta entidade.
  9. É louvável que o projeto de lei contemple o fomento à educação para o uso seguro da internet, também entendida como educação digital, para as mídias e midiática. Porém, apenas a indicação de que se faz necessário o incentivo é insuficiente. A educação midiática é uma das principais ferramentas de promoção de um ambiente digital mais seguro e menos nocivo e, uma vez que o projeto contempla sanções pecuniárias, esses valores — ou ao menos parte deles — devem ser direcionados para a promoção de ações deste âmbito. O combate à desinformação deve contemplar, também, a criação de meios que empoderem os usuários da internet e facilitem o acesso à informação de qualidade.

As organizações subscreventes colocam-se à disposição para seguir contribuindo ao debate, com o objetivo principal de promover uma regulação equilibrada de plataformas que garanta um ambiente digital saudável e plural, bem como a participação de todos os setores e as contribuições das organizações certificadas de checagem de fatos para a democracia brasileira.

Rio de Janeiro, 26 de abril de 2023

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