Marcelo Camargo / Agência Brasil

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Novembro de 2018. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Antes de aceitar ministério, Moro negou ao menos oito vezes que seguiria carreira na política

Por Alexandre Aragão e Luiz Fernando Menezes

1 de novembro de 2018, 18h56

Antes de aceitar o cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro (PSL), o juiz federal Sergio Moro, responsável pelas ações da Lava Jato em primeira instância em Curitiba, afirmou ao menos oito vezes que não seguiria carreira política. O cargo de ministro de Estado é considerado um cargo político pois a nomeação e a exoneração de ministros são feitas exclusivamente por decisão discricionária do presidente da República, segundo o artigo 84 da Constituição Federal. Além disso, ainda de acordo com o texto constitucional, no artigo 76, o presidente exerce o Poder Executivo com auxílio dos ministros de Estado.

A primeira vez que o juiz fez essa declaração foi em maio de 2016, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Perguntado se entraria na política, Moro respondeu: “Não, jamais. Jamais. Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem da política. (…) Então, não existe jamais esse risco.”

A vez em que Moro reafirmou a posição mais recentemente foi em maio deste ano, em entrevista à revista Crusoé: “Por uma questão talvez de vocação ou por entender que isso seria inapropriado no presente momento, eu fiz a afirmação de que não pretendo seguir carreira política.” Em seguida, citando que Moro havia dito “no presente momento”, o jornalista pergunta se ele descarta uma carreira política no futuro, e o juiz responde: “Descarto.” As declarações de Moro foram classificadas por Aos Fatos com o selo CONTRADITÓRIO.

Além desta frase, Aos Fatos encontrou outra declaração contraditória dita pelo juiz em suas entrevistas sobre o combate à corrupção. Veja abaixo, em detalhes, o que checamos.


CONTRADITÓRIO

Fui convidado pelo sr. presidente eleito para ser nomeado ministro da Justiça e da Segurança Pública na próxima gestão. Após reunião pessoal na qual foram discutidas políticas para a pasta, aceitei o honrado convite — Sergio Moro, em nota à imprensa após aceitar o cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro (PSL).

Em ao menos oito vezes o juiz federal Sergio Moro negou que seguiria uma carreira política. A primeira declaração nesse sentido foi dada em novembro de 2016, quando o juiz concedeu, ao jornal O Estado de S. Paulo, sua primeira entrevista longa desde o início da Lava Jato, que começou oficialmente em março de 2014. Moro disse ao jornalista Fausto Macedo, quando perguntado se seria candidato a algum cargo eletivo ou entraria para a política, que “a política é uma atividade importante, não tem nenhum demérito, muito pelo contrário, existe muito mérito em quem atua na política, mas eu sou um juiz, eu estou em outra realidade, outro tipo de trabalho, outro perfil. Então, não existe jamais esse risco”.

Moro, entretanto, aceitou hoje ser ministro da Justiça e da Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro (PSL). O cargo de ministro de Estado é considerado um cargo político pois a nomeação e a exoneração dependem exclusivamente do presidente da República, segundo o artigo 84 da Constituição Federal. Além disso, ainda de acordo com o texto constitucional, no artigo 76, o presidente exerce o Poder Executivo com auxílio dos ministros de Estado. Por isso, a declaração recebeu o selo CONTRADITÓRIO.

Vale lembrar que não apenas os cargos eletivos, como presidente e parlamentares, são considerados políticos. Cargos de nomeação ou designação, como o de ministro de Estado, são constitucionalmente reconhecidos como cargos políticos.

Para assumir o cargo político, Moro terá que se afastar do Judiciário, uma vez que o artigo 95 da Constituição não permite que juízes exerçam outra função que não o magistério. Junto com o aceite, Moro também disse que, “para evitar controvérsias”, já vai se afastar de novas audiências. Com essa decisão, o juiz não vai mais interrogar o ex-presidente Lula (PT) no dia 14 deste mês. A decisão do juiz foi divulgada oficialmente por meio de nota à imprensa, logo após uma reunião com o novo presidente, que aconteceu na manhã desta quinta-feira (1º). Leia abaixo a íntegra:

“Fui convidado pelo sr. presidente eleito para ser nomeado ministro da Justiça e da Segurança Pública na próxima gestão. Após reunião pessoal na qual foram discutidas políticas para a pasta, aceitei o honrado convite. Fiz com certo pesar pois terei que abandonar 22 anos de magistratura. No entanto, a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito a Constituição, a lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão. Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior. A Operação Lava Jato seguirá em Curitiba com os valorosos juízes locais. De todo modo, para evitar controvérsias desnecessárias, devo desde logo afastar-me de novas audiências. Na próxima semana, concederei entrevista coletiva com maiores detalhes.”

Mais recentemente, há seis meses, Moro voltou a dizer que não seguiria carreira política. Em entrevista à revista Crusoé, ele declarou: “Por uma questão talvez de vocação ou por entender que isso seria inapropriado no presente momento, eu fiz a afirmação de que não pretendo seguir carreira política.”

Mais uma vez, Moro começou falando que não disputaria eleições e, em seguida, amplia a resposta para uma carreira política. “Eu fiz uma promessa que não ia concorrer a nenhum cargo político. Pretendo manter essa promessa. A meu ver não tem nada inerentemente errado no fato de um juiz, um procurador ou um membro da polícia seguir a carreira política”, afirmou, antes de completar: “Por uma questão talvez de vocação ou por entender que isso seria inapropriado no presente momento, eu fiz a afirmação de que não pretendo seguir carreira política.”

Na pergunta seguinte, o jornalista Rodrigo Rangel questiona se Moro também descarta uma carreira política no futuro, destacando que o juiz havia dito “no presente momento”. Moro responde de maneira monossilábica: “Descarto.”

O juiz justificou a posição de não seguir carreira política ao afirmar que “há várias maneiras de contribuir para um país melhor. E uma das formas é tornar as instituições mais fortes, principalmente pelo que a gente chama de um governo de leis e não um governo de interesses pessoais ou especiais”. Ao comentar especificamente a possibilidade de concorrer a eleições, Moro disse: “E uma aventura dessa espécie [candidatura], e falo aventura porque não é algo assim tão simples, precisa ter um partido e recursos para uma eleição, seria danosa, a meu ver, para a criação de instituições mais fortes.”

Moro deu outras seis declarações no mesmo sentido:

— Em maio deste ano, em entrevista à Bloomberg, o juiz definiu a possibilidade de seguir uma carreira política como “uma fantasia”.

— Em dezembro de 2017, ao jornal O Globo: “A vida é complexa e as pessoas fazem escolhas muitas vezes difíceis. É complicado, de antemão, fazer qualquer juízo de um magistrado que queira partir para a vida política. Tem todo o direito de fazê-lo. Mas minha escolha pessoal é permanecer como magistrado.”

— Também em dezembro de 2017, mas para o Amarelas da revista Veja, Moro disse que "eu acho até que um ex-magistrado pode ser um bom político, pode ser um bom presidente [da República]. Mas eu entendo que no momento, e eu não vejo isso também no futuro, não seria apropriado da minha parte postular qualquer espécie de cargo político porque isso poderia, vamos dizer assim, colocar em dúvida a integridade do trabalho que eu fiz até o presente momento. Então, eu acho que não seria apropriado".

— Em outubro de 2017, à GloboNews: “Acho a carreira política muito bonita, porque afinal o agente político está ali para servir à sociedade, para representar os seus eleitores, isso é algo positivo. Mas entendo que existem outras maneiras de tentar influenciar positivamente as pessoas e a sociedade. Minha opção foi pela magistratura e assim pretendo permanecer.”

— Em setembro de 2017, ao jornal La Tercera, do Chile: “Já declarei mais de uma vez que sou candidato só a prosseguir a carreira na magistratura. Não existe nenhuma possibilidade de uma carreira política.”

— Em abril de 2017, à BBC Brasil: “A resposta é não, não tenho nenhuma pretensão de ir para uma carreira politica. Meu trabalho é como magistrado, simples assim.”

Outro lado. A reportagem entrou em contato com a assessoria do tribunal para que o magistrado pudesse se posicionar em relação às checagens. Até a última atualização, no entanto, Aos Fatos não havia recebido nenhuma resposta.


CONTRADITÓRIO

Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior — Sergio Moro, em nota à imprensa após aceitar o cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro (PSL).

Responsável pela condenação do ex-presidente Lula por corrupção por cerca de R$ 2,25 milhões recebidos por meio de propinas da OAS, o juiz participará do governo com o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que confessou não ter declarado dinheiro de financiamento de campanha e que deve assumir o Ministério da Casa Civil. Moro já disse, em palestra na Universidade de Harvard, que o crime de “caixa dois era “pior que o enriquecimento ilícito”, porque é usado para “trapacear uma eleição”. Além disso, outros aliados de Bolsonaro, como Alberto Fraga (DEM-DF) e Magno Malta (PR-ES) também tiveram seus nomes envolvidos em escândalos. Portanto, é CONTRADITÓRIO falar em “consolidar avanços contra o crime e a corrupção” quando a equipe possui políticos com pendências na Justiça.

Onyx Lorenzoni (DEM-RS), futuro ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro, foi o primeiro político que assumiu receber recursos de caixa dois da JBS. Em entrevista à Rádio Bandeirantes, em maio de 2017, o deputado disse que recebeu R$ 100 mil e que “final de campanha, reta final, a gente cheio de compromissos de fornecedores, pessoas, eu usei o dinheiro. Sem a declaração”.

Lorenzoni resolveu falar após ter seu nome citado nas delações de executivos da JBS, que o acusaram de ter recebido cerca de R$ 200 mil durante a campanha de 2014. Junto à confissão, o deputado pediu desculpas ao eleitorado gaúcho e disse que deveria “pagar pelo erro”. Não foi aberto inquérito sobre esse financiamento ilícito, mesmo após o deputado ter confessado.

O deputado, no entanto, era investigado por outra acusação de caixa 2 durante sua campanha de 2006. Lorenzoni teria recebido R$ 175 mil segundo Alexandrino de Alencar, um dos delatores a Odebrecht. O inquérito, no entanto, foi arquivado em junho deste ano a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Para ela, “não há prova, por ora, que tenha havido declaração falsa para fins eleitorais e se esgotaram os meios destinados elucidar os fatos”.

Outro aliado de Bolsonaro, o ex-senador Magno Malta, também tem seu nome envolvido em acusações de caixa 2. Segundo informações obtidas em trocas de emails entre Malta e dirigentes do grupo Itatiaia, o ex-senador teria recebido ao menos R$ 100 mil em repasses não declarados. Malta nega “com transparência e com consciência” de que não cometeu o crime. Aos Fatos não encontrou nenhum processo em andamento sobre o caso.

Antes de Bolsonaro ser eleito, o ex-deputado Alberto Fraga também chegou a ser convidado para “comandar a Bancada [da Bala] lá no Planalto”. O deputado atesta, entretanto, que não foi formalmente convidado. Fraga foi condenado por usar cargo público para cobrar propina, em setembro deste ano, a quatro anos e dois meses em regime semiaberto. Nos últimos dois mandatos de Bolsonaro na Câmara, Fraga foi o segundo parlamentar com quem Bolsonaro teve mais coautoria em proposições legislativas, ficando apenas atrás do filho do presidente eleito, Eduardo Bolsonaro.

O próprio presidente eleito também foi acusado, em matéria da Folha de S.Paulo, de ter sido beneficiado por meio de “pacotes” de disparos de mensagens em massa comprados por empresários para atacar o PT. Segundo o jornal, cada pacote custaria cerca de R$ 12 milhões e enviaria centenas de milhões de mensagens. A prática, que se configura como doação de campanha não declarada e, portanto, caixa 2, é ilegal. O PT entrou com um pedido para que a PF investigasse a suspeita.

A defesa de Bolsonaro nega que sua campanha tenha sido beneficiada com os pacotes e diz que “a denúncia foi construída especialmente para desconstruir a imagem do candidato Jair Messias Bolsonaro e instalar o caos no processo eleitoral 2018”. Também argumentaram que Bolsonaro não precisa pagar pelo envio de mensagens, uma vez que ele possui uma rede de apoio “independente e espontânea”.

Outro lado. A reportagem entrou em contato com a assessoria do tribunal para que o magistrado pudesse se posicionar em relação às checagens. Até a última atualização, no entanto, Aos Fatos não havia recebido nenhuma resposta.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

Topo

Usamos cookies e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concordará com estas condições.