ANPD manda Meta parar de coletar dados de usuários brasileiros para treinar IA

Compartilhe

A ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) determinou que a Meta suspenda a coleta de dados de publicações de brasileiros no Facebook e no Instagram com o intuito de treinar modelos de inteligência artificial.

A decisão cita reportagem do Aos Fatos que mostrou que a empresa estava dificultando a localização do formulário que permite aos usuários discordarem do uso de seus dados para alimentar a tecnologia, o que desrespeita o princípio de transparência da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

A medida preventiva que obriga a big tech a interromper o uso de dados pessoais de brasileiros foi publicada nesta terça-feira (2) no Diário Oficial da União e estabelece uma multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento.

O relatório da decisão da ANPD apontou “risco iminente de dano grave e irreparável ou de difícil reparação” caso a suspensão não fosse efetuada e apontou quatro irregularidades que teriam sido cometidas pela Meta:

  • A inadequação do uso do conceito de “legítimo interesse” para justificar a realização do tratamento;
  • A falta de transparência na divulgação da mudança na política de privacidade;
  • A dificuldade de acesso dos usuários ao direito de se opor ao uso de seus dados;
  • O tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes sem as devidas salvaguardas.

Aos Fatos havia antecipado que a ANPD pediria explicações à Meta após especialistas afirmarem que a empresa descumpriu a LGPD. No dia 26, com base na reportagem, o Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) notificou três órgãos do governo, incluindo a ANPD, cobrando providências.

Com o anúncio da suspensão, a Meta emitiu nota dizendo estar “desapontada” com a decisão da ANPD. A empresa alegou que não é a única a realizar o treinamento de IA. “Somos mais transparentes do que muitos participantes nessa indústria que têm usado conteúdos públicos para treinar seus modelos e produtos”, afirmou a empresa.

A big tech declarou ainda que “cumpre com as leis de privacidade e regulações no Brasil” e chamou a decisão da ANPD de “retrocesso para a inovação e a competividade no desenvolvimento de IA”, afirmando que a medida vai atrasar “a chegada de benefícios da IA para as pessoas no Brasil".

DADOS SENSÍVEIS

A política de privacidade da Meta embasou o tratamento de dados para o treinamento de IA ao conceito de “legítimo interesse” da empresa. A decisão da ANPD, porém, afirma que a aplicação desse conceito ao caso é “inadequada”.

Para a autarquia, “a LGPD não admite o uso da hipótese legal do legítimo interesse para o tratamento de dados pessoais sensíveis, tal como ocorre neste caso concreto, notadamente diante da possibilidade de uso de imagens, áudios, textos e vídeos, que possam revelar vinculações políticas, religiosas e sexuais dos titulares”.

A autoridade também avalia que, para que houvesse o “legítimo interesse”, o treinamento da IA deveria corresponder a expectativas concretas dos usuários.

A decisão, porém, considerou que as publicações no Facebook ou no Instagram são feitas para “relacionamento com amigos, comunidade próxima ou empresas de interesse”.

“É razoável supor que, a princípio, não há a expectativa de que todas essas informações, inclusive as compartilhadas muitos anos atrás, sejam utilizadas para treinar sistemas de IA, que sequer estavam implementados quando as informações foram compartilhadas”, justifica o texto.

O relatório também destaca que, entre as publicações coletadas pela Meta para o treinamento de modelos de IA, estão dados de crianças e adolescentes, o que exigiria a adoção “uma série de salvaguardas e medidas de mitigação de risco”.

A ANPD também destacou que, na Europa, a Meta anunciou que não estava usando contas de usuários com menos de 18 anos para o treinamento de seus modelos e que “não foi encontrada qualquer indicação sobre adoção de cautela similar” em relação aos usuários brasileiros.

Falta de transparência. O conselho diretor da ANPD avaliou ainda que o risco de a empresa não estar atendendo as expectativas dos usuários seria ainda maior em virtude de “insuficiência das informações prestadas aos titulares e de limitação ao exercício de seus direitos”.

Sobre o primeiro ponto, a decisão informa que a área técnica da ANPD constatou "a falta de comunicação clara, ampla e específica pela Meta quanto à alteração de sua política de privacidade” e ressaltou que a divulgação da atualização da política no Brasil foi “consideravelmente mais limitada” do que a realizada na União Europeia, onde os usuários das plataformas da Meta foram “previamente informados por email e notificações no aplicativo, proporcionando mais transparência”.

A decisão considerou também que a empresa não informou os usuários sobre as possíveis consequências do tratamento de seus dados para o desenvolvimento de modelos de IA generativa.

“A empresa limita-se a expressar, de forma genérica, em seu Canal de Privacidade, a ideia de que a IA generativa trará muitas possibilidades futuras para pessoas, criadores de conteúdo e empresas”, afirma nota técnica citada no relatório.

A ANPD apontou que a Meta teria dificultado o direito dos usuários de se opor ao uso de seus dados, que é assegurado pela LGPD. E citou tutorial do Aos Fatos que mostrou que o usuário “precisa passar por diversas etapas, chegando à necessidade de clicar em oito opções no caso do aplicativo Facebook”, para ter acesso ao formulário em que podem informar sua objeção.

"A opção de opt-out fornecida aos usuários, que permitiria aos titulares se oporem ao tratamento de seus dados pessoais, não é disposta de maneira evidente, e a complexidade para exercício dessa opção assemelha-se a um padrão obscuro de mascaramento de informações”, afirma nota técnica citada pelo texto.

A decisão também comparou o procedimento adotado no Brasil com o que ocorreu na Europa, onde a plataforma encaminhou o link diretamente aos usuários, e ressaltou que a ANPD já havia recomendado à Meta “a necessidade de simplificar o acesso aos canais de atendimento e facilitar o exercício dos direitos dos titulares”, durante a análise de uma alteração na política de privacidade do WhatsApp, em março de 2021.

Compartilhe

Leia também

Anúncios no Facebook criam falsos indígenas com IA para vender ‘curas naturais’ sem eficácia

Anúncios no Facebook criam falsos indígenas com IA para vender ‘curas naturais’ sem eficácia

falsoÉ golpe lista de beneficiários que vão receber restituição de descontos do INSS

É golpe lista de beneficiários que vão receber restituição de descontos do INSS

falsoÉ falso que ex-assessor de Moraes disse que havia infiltrados de esquerda no 8 de Janeiro

É falso que ex-assessor de Moraes disse que havia infiltrados de esquerda no 8 de Janeiro