Fala de Moraes sobre cassar candidatos que usarem IA é prenúncio de embate com políticos

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No dia 6 de outubro, a um ano da próxima disputa eleitoral, o Aos Fatos publicou reportagem de Ethel Rudnitzki e Gisele Lobato sob o título: “Sem mudanças na Lei Eleitoral, TSE deve decidir sobre desinformação e IA nas eleições de 2024”. À época, falas de autoridades nos bastidores já indicavam esse movimento.

Na última segunda-feira (4), o presidente do tribunal, ministro Alexandre de Moraes, reforçou a intenção e disse que “há a necessidade de sanções severas para que aqueles que se utilizam da inteligência artificial para desvirtuar a vontade do eleitor e atingir o poder, ganhar as eleições, saibam que, se utilizarem disso e for comprovado, o registro será cassado, o mandato será cassado e que ficarão inelegíveis”.

A Plataforma de hoje é sobre o embate entre políticos e o TSE que já se esboça para o ano que vem.

Os presidentes da Anatel e do TSE, Carlos Baigorri e Alexandre de Moraes, em reunião para assinatura de documento para facilitar combate à desinformação
Acordo de cooperação. Os presidentes da Anatel e do TSE, Carlos Baigorri e Alexandre de Moraes, em reunião para assinatura de documento para facilitar combate à desinformação (Antonio Augusto/Secom/TSE)

EM 4 PONTOS:

  • Assim como ocorreu em 2022, a atuação do TSE por meio de resoluções terá a legitimidade questionada por candidatos e dirigentes partidários;
  • Esse vácuo só é possível, porém, porque o Congresso deixou de legislar sobre desinformação a tempo de eventuais novas regras valerem já para as eleições do ano que vem;
  • Em um cenário em que outros projetos relacionados à economia digital estão emperrados, o principal projeto de regulação de IA deve ganhar relevância e pode ser acelerado;
  • O ambiente entre os Poderes segue delicado após o Senado aprovar projeto que busca limitar decisões de ministros do STF, freado por Arthur Lira (PP-AL) na Câmara dos Deputados.

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TSE e IA nas eleições 2024

“Aquele que utilizou inteligência artificial para desinformar o eleitor, só há uma sanção: cassação do registro, se eleito, cassação do mandato, inelegível. Senão, o crime vai compensar.” Assim afirmou Alexandre de Moraes, reforçando a fama de xerife implacável, em evento promovido pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e pela emissora estatal EBC (Empresa Brasil de Comunicação).

No dia seguinte, terça-feira (5), Moraes acatou pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) em um inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) e determinou prazo de 48 horas para que a Meta apresente um vídeo publicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Facebook, em 10 de janeiro, com alegações infundadas de fraude.

Bolsonaro usou uma estratégia que foi recorrente durante seu mandato: postar conteúdo mentiroso e apagar em seguida, com o objetivo de que a mentira viralizasse entre apoiadores mesmo após ser excluída do perfil dele. O vídeo segue no ar até hoje, no Facebook e em outras plataformas, como mostrou o Aos Fatos nesta quarta (6).

Em decisão anterior, de janeiro, Moraes já havia mandado que a empresa apresentasse o conteúdo, que é considerado pela PGR uma prova fundamental na acusação contra o ex-presidente. Em ofício enviado em agosto, a Meta respondeu que não seria possível cumprir a decisão porque o vídeo foi “deletado pelo próprio usuário em data anterior à ordem judicial e não está disponível nos servidores”.

Ou seja, dois dias após uma tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro publicou dos Estados Unidos — para onde evadiu-se antes de passar a faixa — um vídeo danoso à democracia brasileira. A PGR ainda nem apresentou denúncia, já que o vídeo que é cerne do debate não foi enviado pela Meta. Até agora, para ficar em expressão usada pelo ministro do STF, parece que o crime compensou para todos os envolvidos.

E aqui a surucucu morde a própria cauda: não há leis específicas para que o Judiciário e o Ministério Público atuem em casos de desinformação. Elas não existem porque o Congresso, composto em parte por parlamentares que são alvos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF, passou meses debatendo tanto o “PL das Fake News” como outros projetos relacionados, mas não aprovou nada.

A atuação influente das empresas e a falta de interesse de parte dos políticos foram preponderantes para que o tema não avançasse. O relator do projeto, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), circulou a ideia de que havia mais chances de o texto ser aprovado se fosse fatiado — só para, agora, haver mais de um projeto estagnado.

Enquanto isso, a inteligência artificial generativa se tornou tema de mesa de bar e passou na frente na agenda regulatória. A comissão especial criada no Senado para debater o PL 2.338/2023, apresentado pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), avança nos trabalhos.

No final de novembro, o senador Marcos Pontes (PL-SP) apresentou um substitutivo que enxuga o texto original, retirando garantias a pessoas afetadas por modelos de IA, por exemplo.

A atuação do TSE para frear o uso eleitoral de IA generativa se justifica a partir do vácuo deixado pelo Congresso. Ao mesmo tempo, como ocorreu no ano passado, o tribunal terá a legitimidade dessa atuação questionada por candidatos e dirigentes partidários, calcados no argumento de que as resoluções desrespeitam o período da anualidade da Lei Eleitoral.

O debate sobre como e quem deve regular o uso de IA também ocasiona a formação de alianças a princípio improváveis, como a celebrada nesta semana entre o TSE e a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que participa da discussão no Legislativo e se posiciona para ter papel central no arranjo regulatório.

“No último ano, nós recebemos diversas determinações e julgamentos do tribunal para retirar do ar sites, conteúdos e aplicativos que estavam disseminando desinformação e colocando em risco o processo eleitoral”, disse o presidente da agência, Carlos Baigorri, segundo texto divulgado pelo tribunal.

“Essas determinações eram enviadas por meio de oficiais de Justiça. Isso fazia com que o processo fosse mais moroso. O acordo de cooperação serve para integrarmos os nossos sistemas para que toda essa comunicação seja mais fluida, de forma eletrônica, para que a Anatel possa dar cumprimento às decisões da Justiça Eleitoral da forma mais rápida possível.”

Apesar de assuntos relacionados a eleições terem atenção garantida de atores políticos, o uso de IA generativa já apresenta impactos diários na vida das pessoas, para além de mentiras distribuídas para influenciar votos. Na segunda (4), o Aos Fatos revelou que a omissão do Telegram tem facilitado o uso de IA para criar pornografia falsa, muitas vezes retratando crianças e adolescentes reais, que estão sujeitos a impactos psicológicos graves, conforme exemplificam casos que vieram a público.

O mesmo Senado que aprovou um projeto que busca limitar a atuação individual de ministros do STF — barrado na Câmara, por enquanto, pela boa vontade de Lira com o governo Lula — terá incentivos para acelerar a tramitação do PL 2.338/2023, de autoria do mesmo Pacheco que patrocina o embate entre Legislativo e Judiciário.

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