O que é ‘agenda woke’ e por que Trump promete acabar com ela

Compartilhe

As decisões do presidente americano Donald Trump relacionadas à igualdade e inclusão — como a de determinar que o governo só vai reconhecer dois gêneros, o masculino e o feminino — têm sido resumidas nas redes com uma expressão: o fim da “agenda woke”.

Conhecida nos Estados Unidos, a expressão “woke” é usada de forma depreciativa para se referir a políticas progressistas, relacionadas principalmente às questões de gênero e raça. Desde a campanha eleitoral, a suposta agenda se tornou um dos principais alvos de Trump e dos republicanos.

Graças à influência trumpista, a palavra também começou a ser usada no Brasil por parlamentares, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Aos Fatos explica a origem da expressão e como ela se popularizou na discussão política:

  1. O que é a “agenda woke”?
  2. Qual é a origem do termo?
  3. Como o conceito se tornou central entre republicanos?
  4. E no Brasil?

1. O que é a “agenda woke”?

Em tradução literal, a palavra “woke” é o passado do verbo “wake”, que significa “acordar” ou “despertar”. Ao longo do tempo, o termo passou a ser utilizado como um guarda-chuva para designar pessoas e valores progressistas.

Já para conservadores e republicanos, “woke” tornou-se sinônimo de uma agenda para impulsionar ideias de esquerda na sociedade. Ela seria propagandeada por pessoas hipócritas que acreditam ser moralmente superiores aos demais e querem impor seus valores em diferentes espaços, como a imprensa, a escola e o Estado.

Alguns exemplos do que, para conservadores, pode ser considerado parte da cultura woke:

  • Uso de linguagem neutra;
  • Políticas de inclusão em detrimento de uma suposta meritocracia;
  • Visão de mundo pelas lentes de oprimido e opressor;
  • Não-binaridade e a suposta ideologia de gênero;
  • Reconhecimento da existência de disforia de gênero em crianças e adolescentes.
  • Combate às mudanças climáticas.

Alguns setores progressistas também passaram a adotar o termo “woke” de maneira pejorativa para identificar grupos que levantam pautas consideradas identitárias. Neste contexto, a palavra passou a designar indivíduos que exageram ou perpetuam uma militância sem propósito, que tira o foco de problemas reais.

Publicação no X (ex-Twitter) na qual lê-se “vcs são INSUPORTÁVEIS né mano pqp kkkkkkkkk o filme conta a história de uma família BRANCA como tu quer que fale da perspectiva de um PRETO FAVELADOO??? get off twitter and go outside that one friend thats too woke”. Em anexo está a imagem de um viral de um meme na qual uma mulher negra tira sarro “daquele amigo que é muito woke”, em tradução literal.
Publicação faz críticas a usuários que desaprovaram o filme “Ainda Estou Aqui” por não contar a história da ditadura pela perspectiva de um homem negro. Na imagem, um meme viral diz “Aquele amigo que é muito woke” (Reprodução/X)

2. Qual é a origem do termo?

O termo “woke” surgiu no movimento negro norte-americano. Há registros de que as expressões “wake up” (“acorde”, em inglês) ou “stay woke” (“permaneça acordado”, em inglês) foram usadas por ativistas negros para se referir à luta por justiça social e igualdade ao menos desde a década de 1920.

A expressão, então, apareceu em textos na imprensa, músicas e até no filme “Lute Pela Coisa Certa” (1988), de Spike Lee, no qual a frase final é “wake up!” (“desperte!”).

O termo começou a se popularizar na internet a partir de 2014, quando Michael Brown, um jovem negro, foi assassinado por um policial em Ferguson, no estado do Missouri, nos Estados Unidos. A expressão “stay woke” passou a ser usada por militantes do movimento Black Lives Matter para sugerir como negros deveriam se portar nas ruas: sempre alertas para a brutalidade policial.

A expressão, no entanto, passou a ser usada fora do movimento negro como se fosse sinônimo de “progressista”.

Em 2017, “woke” ganhou a seguinte definição no Dicionário de Oxford:

“Consciente das questões sociais e políticas e preocupado com o fato de alguns grupos da sociedade serem tratados de forma menos justa do que outros.”

Não demorou muito para que o termo fosse distorcido pela direita até se tornar depreciativo: “woke”, agora, é uma agenda extremista do politicamente correto.

3. Como o conceito se tornou central entre republicanos?

Donald Trump, de terno azul e gravata vermelha, fala em um púlpito com a sigla ‘CPAC’; ao fundo, uma tela azul mostra a frase “Awake Not Woke”
Tema da CPAC (Conservative Political Action Conference) de 2022 foi “Awake Not Woke” (Hermann Tertsch e Victor Gonzalez/Wikicommons)

Os ataques à suposta “agenda woke” passaram a ser mais recorrentes durante o governo de Joe Biden:

  • Em entrevista à Fox News em 2021, por exemplo, Trump disse que o governo Biden estaria “destruindo os Estados Unidos com o woke”;
  • Durante um comício em agosto de 2021, Trump afirmou para apoiadores que ser “woke” é ser um perdedor, e que tudo que a “agenda woke” toca “se transforma em merda”.
  • Parlamentares americanos fizeram propaganda de suas ações com expressões como “o movimento woke não quer que você saiba disso”;
  • Em 2023, durante um evento de campanha, Trump respondeu a uma apoiadora que iria “acabar com o woke imediatamente” após eleito;
  • A partir de 2021, é possível identificar um movimento republicano para endurecer políticas ligadas aos direitos LGBTQIA+. De 2021 a 2023, segundo o New York Times, 16 estados americanos aprovaram restrições ou banimentos para procedimentos de afirmação de gênero em menores de idade, por exemplo.

Um exemplo da oficialização da guerra contra a “agenda woke” é chamado “Stop W.O.K.E. Act” (cuja sigla significava “Pare com os erros contra nossos filhos e funcionários”) assinado pelo governador da Flórida, Ron DeSantis, em abril de 2022. A lei proibia o ensino ou a instrução de princípios que façam as pessoas “sentirem culpa, angústia ou algum tipo de stress psicológico” por conta de sua raça, sexo ou origem.

O texto, em resumo, vetava a difusão de ideias como privilégio, opressão e responsabilidade social, e foi suspenso pela Justiça americana meses depois. O juiz Mark Walker entendeu que a lei feria a Constituição e até citou o livro “1984”, de George Orwell, para criticar o texto:

“‘Era um dia frio e brilhante de abril, e os relógios marcavam treze horas’, e os responsáveis ​​pelo sistema universitário público da Flórida declararam que o Estado tem autoridade irrestrita para amordaçar seus professores em nome da ‘liberdade’.”

Trump e seus apoiadores viram na guerra contra a “agenda woke” uma oportunidade para ganhar votos nas eleições de 2024. O New York Times revelou que, meses antes do pleito, republicanos gastaram milhões de dólares para veicular anúncios com posições contrárias ao direito das pessoas transgênero, por exemplo. Em um dos vídeos, Trump aparecia dizendo “Kamala é para elu/delu; Trump é para você”.

Entre suas promessas de campanha, Trump disse que iria “erradicar” as políticas de inclusão, acabar com os “generais woke” e criar uma universidade “livre de wokeness”.

Camiseta de manga comprida preta com dizeres “Awake no Woke Trump 2024” a venda na Amazon por US$ 33,99.
Apoiadores usaram a bandeira “anti-woke” como slogan de campanha de Trump em 2024 (Reprodução/Amazon)

Ao vencer a eleição de 2024, Trump acelerou a sua ofensiva contra a suposta agenda: ele prometeu, já no primeiro dia, acabar com o ensino de teoria crítica da raça e transgeneridade nas escolas, proibir a transição de gênero em crianças e “deixar os homens de fora dos esportes femininos”.

E tem cumprido as promessas.

4. E no Brasil?

A redefinição do termo “woke” pelos conservadores foi um sucesso: não só nos Estados Unidos, mas mesmo em países em que a língua inglesa não é oficial, a palavra passou a ser conhecida como um “problema”, um “vírus” que tenta acabar com os ideais familiares e com os bons costumes.

No Brasil, o termo é frequentemente utilizado por parlamentares e influenciadores alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Na última sexta-feira (24), por exemplo, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) fez uma publicação no X afirmando que “o mundo woke está ruindo” após a eleição de Donald Trump.

Print de uma publicação do deputado Eduardo Bolsonaro no X na qual se lê: “O mundo woke está ruindo. A eleição de Trump apenas coroa que este momento passou. A esquerda já precifica que não é estrategicamente interessante insistir na ‘agenda woke’, pois ela os distancia da realidade das massas, que prefere assim votar na direita. A esquerda está repensando sua estratégia e isso passa por abandonar a ‘agenda woke’. Além disso, quem apostou contra a ‘agenda woke’ saiu vitorioso, pois cruzou um tempo que enfrentou cancelamentos, consolidou seu nome e agora com a morte da ‘agenda woke’ vai expandir seu público alvo. Quem busca a vida fácil — e não em fazer o certo — a longo prazo sempre acaba se esborrachando. Ter desconfortos, ultrapassar obstáculos faz parte de uma vida de sucesso.”
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que viajou aos Estados Unidos para a cerimônia de posse de Trump, afirmou que “o mundo woke está ruindo” (Reprodução/X)

Outros parlamentares foram às redes após a vitória de Trump para elogiar o posicionamento do presidente americano e reforçar a exaltação ao suposto fim da “agenda woke”.

A deputada Bia Kicis (PL-DF), por exemplo, associou o “fim do woke” à suposta ideologia de gênero, enquanto o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) falou sobre medidas de inclusão e diversidade em empresas e de proteção ao meio ambiente.

Print de publicações no X da deputada Bia Kicis e do vereador Carlos Bolsonaro. Respectivamente, lê-se que “Restaurar a liberdade de expressão, fim da perseguição política, fim da ‘agenda woke’ da ideologia de gênero, gestão eficiente do estado, e seu maior legado, ser um ‘peace maker’ agente da paz, e inspirar a admiração do mundo por ser a nação mais forte e próspera. Esses apenas uns aspectos. Que discurso!” e “Lacron ❤️ Cula. E tem gente achando que as imposições dos poderosos mediante a pauta ESG/WOKE são para a proteção do meio ambiente, equidade social e governança ordenada e não para atender os interesses dos países mais ricos, enfraquecendo ainda mais as nações em desenvolvimento, ou seja, o Brasil. Para continuar tendo a validação dos globalistas que impõem exigências absurdas em nosso próprio terreno, Lula está disposto a devastar a existência de seu próprio povo.”
Parlamentares associam a “agenda woke”’ ao “globalismo”, restrição da liberdade de expressão e perseguição política (Reprodução/X)

Para Alana Fontenelle, doutora em ciência política pela UnB, a presença do termo no vocabulário político brasileiro serve para que políticos contrários à “agenda woke” possam mostrar trabalho para seus eleitores sem necessariamente aprovar medidas de fato.

“Eu estou fazendo projeto, estou falando sobre. Se ele vai ser aprovado, já é outra história”, pontua. Para ela, o principal retrocesso do discurso é que ele torna a população pouco tolerante à diversidade, o que abre espaço para disseminação de discurso de ódio.

Uma preocupação expressa por ela são as mudanças empresariais que podem decorrer dessa popularização, como o fim das políticas de diversidade. “Essas pessoas terão ainda mais dificuldades de acesso e serão menos toleradas. Por isso, além do político, o pior é o incentivo à intolerância”, explica.

Print de uma publicação no X comentando uma notícia do jornal O Globo que diz: “‘Efeito Trump’: empresas americanas se rendem à agenda conservadora e abandonam metas de diversidade e ESG”. Na notícia está anexa a foto do perfil de Donald Trump em um jogo de luz e sombras. O usuário comenta: “Trump nem assumiu e já implodiu a ‘agenda woke’”.
Políticas públicas e empresariais de promoção da diversidade são um dos alvos de críticos da ‘agenda woke’ (Reprodução/X)

Outra questão pontuada por Fontenelle são os ataques às políticas de proteção ambiental, principalmente as relacionadas às mudanças climáticas, já que o lobby do agronegócio e de empresas produtoras de combustíveis fósseis são muito mais presentes no Congresso.

O caminho da apuração

Aos Fatos procurou informações sobre a origem do termo “woke” na imprensa e em artigos acadêmicos americanos. Também pesquisamos por citações a “agenda woke” em discursos e promessas de Trump.

Em paralelo, entrevistamos a pesquisadora Alana Fontenelle para contextualizar como a expressão foi importada para o discurso político no Brasil.

Compartilhe

Leia também

falsoDaniela Lima não disse que projeto prevê censura da Bíblia

Daniela Lima não disse que projeto prevê censura da Bíblia

falsoVídeo mostra homem ameaçando manifestantes, não indígenas cobrando pedágio

Vídeo mostra homem ameaçando manifestantes, não indígenas cobrando pedágio

falsoÉ falso que Lula foi hostilizado em evento no Amapá

É falso que Lula foi hostilizado em evento no Amapá