A 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu na quarta-feira (26) tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e sete de seus aliados réus por supostamente arquitetarem um golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022.
Na sua intervenção, na terça-feira (25), o procurador-geral da República, Paulo Gonet, acusou Bolsonaro de formar uma “organização criminosa” que tinha como objetivo “gerar reações que garantissem a sua continuidade no poder independentemente do resultado das eleições de 2022”.
“A organização tinha por líderes o próprio presidente da República e seu candidato a vice, general Braga Netto”, defendeu.
No mesmo dia, o advogado de Bolsonaro, Celso Sanchez Vilardi, sustentou que seu cliente foi o presidente “mais investigado do país” e que não se achou “absolutamente nada” com ele que o incriminasse.
Vilardi também questionou a acusação de golpe de Estado, já que Bolsonaro ainda estava no poder em dezembro de 2022 — quando ocorreram boa parte dos episódios narrados pela PGR.
Além de Bolsonaro, se tornaram réus:
- o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ);
- o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos;
- o ex-ministro da Justiça Anderson Torres;
- o ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Augusto Heleno;
- o ex-ajudante de ordens Mauro Cid;
- o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira;
- e o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto.
A seguir, Aos Fatos explica quais as acusações feitas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) contra Bolsonaro e os demais investigados e o que acontece após o julgamento da denúncia pelo STF.
- De quais crimes Bolsonaro é acusado?
- Quais provas a PGR apresentou?
- O que acontece agora que Bolsonaro virou réu?
1. De quais crimes Bolsonaro é acusado?
Na denúncia apresentada em 18 de fevereiro pela PGR, Bolsonaro e seus aliados foram acusados de cinco crimes:
Golpe de Estado: Tentar depor o governo eleito por meio de violência ou grave ameaça. O Código Penal prevê como pena de 4 a 12 anos de reclusão.
Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. Tem pena de quatro a oito anos de prisão, segundo o Código Penal.
Organização criminosa armada: A lei nº 12.850/2013 define esse delito como a associação de quatro ou mais pessoas, em uma estrutura ordenada e com divisão de tarefas, que praticam crimes com o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza. O uso de armas de fogo é considerado agravante e pode aumentar pela metade a pena, que é de três a oito anos de reclusão.
Dano qualificado: É considerado crime de dano o ato de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia. Na denúncia, a acusação — que faz referência aos danos causados pelos ataques de 8 de Janeiro — considera o crime como dano qualificado por ter sido cometido com emprego de violência e contra o patrimônio da União. Nesse caso, a pena prevista pelo Código Penal é de seis meses a três anos de detenção, além de multa.
Deterioração de patrimônio tombado: Previsto na lei nº 9.605/1998, corresponde ao ato de destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei e tem pena de um a três anos de prisão e multa. Esse crime também faz referência aos atos de vandalismo contra as sedes dos Três Poderes.
2. Quais provas a PGR apresentou contra Bolsonaro?
Ao longo de 272 páginas, a denúncia da PGR traz uma série de indícios de envolvimento do ex-presidente na trama que tentou impedir a posse de Lula após as eleições de 2022.
Uma das principais provas é o depoimento do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. À Polícia Federal, o militar relatou que, em dezembro de 2022, o ex-presidente teria sugerido ajustes à minuta de um decreto que impunha a prisão de autoridades e a realização de novas eleições.
Segundo Cid, Bolsonaro teria, então, feito reuniões com os comandantes militares para mostrar o documento e pedir apoio para concretizar o golpe.

A Polícia Federal também buscou cruzar as informações passadas pelo colaborador com outras fontes. No caso da reunião com os chefes militares, por exemplo, os investigadores confirmaram que os comandantes estiveram no mesmo local que Bolsonaro e Cid consultando os registros de entrada e saída do portão principal do Palácio da Alvorada.
O teor da reunião, ocorrida em 7 de dezembro de 2022, também foi confirmado por um dos militares que participaram do encontro — o então chefe do Exército, general Freire Gomes, que disse ter sido convocado por Bolsonaro por intermédio do ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
As perícias nos equipamentos eletrônicos apreendidos com os suspeitos também ajudaram a embasar a acusação. O aparelho do então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, general Mário Fernandes, por exemplo, armazenou uma mensagem a Cid no mesmo momento em que ocorria a reunião para apresentar a minuta do decreto golpista. Nela, Fernandes dizia “Cid, acho que você está tendo uma reunião importante aí agora no Alvorada”.
Ao longo da denúncia, o procurador-geral Paulo Gonet também destaca a argumentação golpista construída por Bolsonaro e aliados desde 2021.
“Evidenciou-se a intenção dos denunciados de propagar informações sem lastro, inverídicas, sobre o sistema eleitoral. A concitação expressa às Forças Armadas marca o início da execução do plano de ruptura com o Estado Democrático de Direito. Sedimentou-se, a partir daí, a mensagem que seria sistematicamente replicada pela organização criminosa — a de tornar natural e desejável o uso da força contra as instituições democráticas”, cita o relatório.
3. O que acontece agora que Bolsonaro virou réu?
No julgamento desta quarta (26), o STF aceitou a denúncia da PGR, o que resulta na abertura de uma ação penal. Com a instauração, o processo entra na sua fase de instrução, que inclui:
- Produzir eventuais provas solicitadas pelas partes;
- Ouvir as testemunhas de acusação;
- Ouvir as testemunhas de defesa;
- Fazer o interrogatório dos réus.
Finalizada essa etapa, será aberto um prazo para que tanto a PGR como os advogados de defesa apresentem suas considerações finais. Nessa fase podem ocorrer, por exemplo, pedidos para alguma diligência extra — como a oitiva de uma nova testemunha, por exemplo —, que podem ser aceitos ou não pelo tribunal.
Após as considerações finais, será marcado o julgamento do caso, que não tem data certa para ocorrer.
O caminho da apuração
Aos Fatos acompanhou o julgamento na 1ª Turma do STF pelo canal do tribunal no YouTube, transcrevendo as intervenções em tempo real utilizando a ferramenta Escriba.
A reportagem também consultou entrevistas feitas anteriormente com especialistas, artigos já publicados e a denúncia apresentada pela PGR.




