Jefferson Rudy/Agência Senado

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Maio de 2021. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Ações do governo sobre 'tratamento precoce' e transparência contradizem Pazuello na CPI

Por Amanda Ribeiro, Priscila Pacheco, Luiz Fernando Menezes e Marco Faustino

20 de maio de 2021, 13h29

No segundo dia de depoimento à CPI da Covid-19, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello voltou a dar declarações falsas nesta quinta-feira (20) sobre a sua gestão no comando da pasta, entre junho de 2020 e março deste ano.

Ele afirmou que o aplicativo TrateCov, que receitava o "tratamento precoce" por meio de um formulário, foi colocado no ar por um hacker. Porém, uma executiva da pasta disse no dia em que o recurso foi lançado, em 11 de janeiro, que ele já poderia ser baixado e utilizado.

Pazuello também negou que a pasta escondeu o número de mortes por Covid-19, embora em junho de 2020 esses dados tenham sido omitidos em ao menos três ocasiões.

Na quarta-feira (19), Pazuello também mentiu ao falar sobre suas ações no ministério, como mostra checagem feita por Aos Fatos.

Confira abaixo o que verificamos.

  1. É FALSO que o aplicativo TrateCov só tenha vindo a público por causa de uma invasão hacker, como afirma Pazuello. Uma secretária do Ministério da Saúde anunciou em evento com a presença do ex-ministro que a ferramenta já estava disponível para download e utilização no site da pasta;
  2. Também é FALSO que o ministério nunca escondeu os dados de óbitos de Covid-19. No dia 6 de junho, a pasta parou de divulgar os números acumulados de mortes e infecções e só retomou no dia 9, após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal);
  3. A afirmação de Pazuello de que não há evidências científicas sobre os benefícios do isolamento social é FALSA. Estudos publicados em revistas científicas como Nature, Lancet e BMJ já apontaram que medidas de distanciamento diminuem a transmissão da Covid-19;
  4. É FALSO que, sem a lei 14.125/2021, o governo federal não poderia fechar contrato de vacinas com a Pfizer. Já havia previsão legal para a aquisição dos imunizantes no Brasil;
  5. Não é verdade que a OMS (Organização Mundial da Saúde) mudou diversas vezes seu posicionamento sobre o uso de máscaras. Em abril do ano passado, a entidade afirmou que pessoas saudáveis não precisariam utilizar o equipamento, mas o entendimento foi alterado em junho para estender a recomendação a toda a população e segue assim até hoje.


Ele [hacker] pegou esse diagnóstico, botou, alterou, com dados lá dentro, e colocou na rede pública [o aplicativo TrateCov].

A declaração foi classificada como FALSA porque o aplicativo TrateCov, que receitava cloroquina e hidroxicloroquina por meio de um formulário, estava no ar no site do Ministério da Saúde no dia em que foi lançado, 11 de janeiro, como afirmou na época Mayra Pinheiro, secretária de Gestão de Trabalho e da Educação na Saúde da pasta.

Durante cerimônia em Manaus em que foi apresentado um plano estratégico de enfrentamento à Covid-19 no Amazonas, Pinheiro mencionou o lançamento do aplicativo e disse "então, a partir deste momento, nas plataformas do ministério, vocês já podem baixar o aplicativo, os gestores já podem demandar a utilização pelos seus profissionais que estão lá na ponta atendendo, sobretudo nas UBSs [Unidades Básicas de Saúde]". Pazuello também estava na cerimônia em que foi anunciado o lançamento do TrateCov.

Dois dias depois, em 13 de janeiro, foi publicada uma nota no site do Ministério da Saúde que dizia que 342 médicos de Manaus já estavam habilitados para usar o TrateCov. Em 19 de janeiro, a TV Brasil, da emissora pública federal EBC, veiculou reportagem sobre o novo recurso e entrevistou um médico que o utilizava.

Neste período, já era noticiado na imprensa e comentado nas redes sociais que o aplicativo orientava posologia de remédios do chamado “tratamento precoce”, como a hidroxicloroquina, independente das informações que eram preenchidas no formulário.

O TrateCov saiu do ar em 21 de janeiro. O ministério alegou na ocasião que se tratava de uma indisponibilidade temporária, mas até hoje o recurso não foi restabelecido.

Aos Fatos não localizou informações públicas que corroborem a alegação de Pazuello à CPI de que o recurso teria sido alterado e publicizado por hackers. O ex-ministro prometeu remeter à comissão uma cópia do registro de ocorrência que teria sido feito à época.

Em respostas a dois pedidos feitos por meio da Lei de Acesso à Informação, em janeiro e em abril, sobre a suposta invasão ao sistema, o Ministério da Saúde não menciona a ação de hackers nem explica o porquê da remoção do aplicativo de seu site. Ao Aos Fatos nesta quinta-feira (20), a pasta disse não ter o boletim de ocorrência deste episódio.


Nunca foi escondido [o número de óbitos de Covid-19].

A declaração é FALSA porque o Ministério da Saúde não divulgou os dados sobre óbitos decorrentes de Covid-19 entre os dias 6 e 9 de junho, como é possível confirmar em consulta ao Painel Coronavírus, mantido pela pasta.

Questionado sobre o motivo que levou o ministério a dar mais destaque em sua plataforma ao número de recuperados da Covid-19 do que aos casos confirmados e óbitos pela doença, Pazuello disse que esta seria uma maneira de “apoiar de uma forma clara o grande esforço para salvar vidas”.

Confrontado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que mostrou que no painel do Coronavírus da Universidade Johns Hopkins o destaque para casos e óbitos é maior, Pazuello voltou a dizer que “não está escondido. Nunca foi escondido”.

No entanto, em ao menos três ocasiões no mês de junho os dados foram omitidos do painel do ministério. No dia 6 de junho de 2020, quando Pazuello já ocupava o cargo de ministro da Saúde interinamente, o portal deixou de exibir o número de infecções e óbitos acumulados e passou a divulgar apenas os números referentes às últimas 24h. Naquele dia, links para baixar as informações em formato de tabela também foram excluídos. As informações também desapareceram do boletim diário da pasta.

Na véspera, no dia 5 de junho, o presidente Jair Bolsonaro disse a jornalistas que “ninguém tem que correr para atender a Globo” e na sequência afirmou que "acabou matéria do Jornal Nacional".

Os números só voltaram ao painel no dia 9 de junho, um dia depois de o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes determinar que o Ministério da Saúde retomasse a divulgação dos dados.

Ainda na CPI, Pazuello disse depois que a suspensão da divulgação dos óbitos naqueles dias ocorreu devido a uma paralisação do sistema feita para atualizar da ferramenta que contabilizava os dados obtidos pelas secretarias estaduais de saúde.

Após a oscilação durante esse período, os números de casos, mortes e recuperados passaram a ser divulgados pelo ministério de forma permanente às 22h. Quando o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta estava à frente da pasta, os números eram divulgados às 17h. Sob a gestão de Nelson Teich o horário mudou para 19h. O imbróglio da divulgação de dados e a falta de transparência forçaram veículos de imprensa a se unirem em um consórcio para fazer a contabilidade paralela dos dados usando informações das secretarias de saúde, no dia 8 de junho.


As medidas de isolamento não são, também, da mesma forma que outros medicamentos, outras ações, não são cientificamente comprovadas.

A declaração é FALSA porque, diferentemente do que disse o ex-ministro, existem, sim, evidências científicas que mostram que o isolamento social é eficaz no combate à pandemia da Covid-19.

Em junho de 2020, a revista Nature publicou um estudo com estimativa inicial dos benefícios do isolamento no contexto da pandemia em seis países. Medidas de restrição da circulação de pessoas teriam impedido ou retardado cerca de 61 milhões de infecções nos EUA, China, Coreia do Sul, Itália, Irã e França.

Cancelamentos de pequenas aglomerações, fechamento de escolas e restrições de circulação em fronteiras também se mostraram eficientes na redução da transmissão do novo coronavírus, segundo outro estudo publicado na mesma revista em novembro do ano passado. Os pesquisadores analisaram intervenções não farmacológicas para contenção da pandemia em 226 países.

Outra publicação renomada, o BMJ, publicou em julho de 2020 um estudo que diz que o fechamento de escolas e locais de trabalho, interrupção no transporte público, restrições a aglomerações e bloqueio da circulação de pessoas causaram uma diminuição média de 13% na incidência de Covid-19 em 149 países ou regiões.

Há, inclusive, trabalhos que revelam os benefícios das medidas de isolamento no Brasil. Publicado em junho de 2020 na Revista Brasileira de Epidemiologia, um artigo estimou que as medidas de isolamento, como o fechamento do comércio não essencial e o estabelecimento de trabalho remoto na cidade de São Paulo, causaram uma “redução abrupta” na tendência de crescimento de infecções no começo de abril de 2020, diminuindo a taxa de crescimento de óbitos por dia de 3.18 para -0.40.

Além das evidências apontadas em pesquisas, as medidas que favorecem o distanciamento social vêm sendo recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como forma de reduzir a transmissão do Sars-Cov-2, vírus causador da Covid-19.


Só que nós não podíamos comprar [a vacina da Pfizer] sem a autorização da lei.

A justificativa para o atraso na assinatura do contrato com a Pfizer é FALSA porque, mesmo antes da sanção da lei 14.125/2021, havia amparo legal para a compra das doses da vacina contra Covid-19. O entendimento que a nova lei traz, de que a responsabilidade por efeitos adversos dos imunizantes seria de União, estados e municípios, já estava previsto na Constituição, em decisões de cortes superiores e na avaliação de juristas.

A Constituição determina que a responsabilidade civil sobre produtos associados a serviços públicos de saúde, caso das vacinas, cabe ao Estado, e que não é possível se isentar dela. Em decisões passadas, tanto o STJ (Superior Tribunal de Justiça) quanto o STF (Supremo Tribunal Federal) entenderam que o governo responsável pela vacinação deve ser também o acionado judicialmente em caso de efeitos adversos derivados dos imunizantes.

Tampouco a legislação brasileira permitia antes que empresas ficassem isentas de responsabilidade nesses casos — o que seria uma das solicitações da Pfizer em contrato, segundo o ex-ministro. No artigo 927, o Código Civil assegura que quem causar dano deve repará-lo e que essa obrigação pode ocorrer quando a atividade desenvolvida pelo autor do prejuízo implicar, por sua natureza, risco aos direitos de outros, caso da farmacêutica.

Da mesma forma, essa e outras cláusulas da Pfizer apontadas como problemáticas pelo ex-ministro da Saúde poderiam ser anuladas após a assinatura do contrato por serem abusivas, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor.

"Seria uma cláusula nula [a de isenção por efeitos colaterais], que não impediria o governo de ir adiante com ela e depois questionar a sua validade junto ao Poder Judiciário. Nada impedia o governo de assinar esse tipo de contrato, até porque a gente vive uma emergência de saúde pública", avalia Fernando Aith, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador de direito sanitário.


Com relação ao uso de máscaras, nós tivemos vaivém do uso de máscaras durante o ano todo. Da própria OMS.

A declaração do ex-ministro é FALSA, porque a OMS (Organização Mundial da Saúde) não apresentou vaivém em suas orientações sobre máscaras. Ainda no início da pandemia, em abril, a entidade afirmava que pessoas saudáveis não precisariam usar o equipamento. Mas em junho, ante novas evidências científicas, ela passou a recomendar que a proteção fosse utilizada por todos. Desde então, esse posicionamento não se alterou.

Em documento de 6 de abril, a OMS afirmou que estudos sobre vírus como o da influenza e outros coronavírus mostraram que o uso de máscaras poderia evitar que pessoas infectadas transmitissem a doença para as saudáveis, mas que não havia evidências suficientes para provar que a utilização do equipamento por não infectados fosse benéfico.

“O uso de máscaras médicas na comunidade pode criar uma falsa sensação de segurança, com negligência a outras medidas essenciais, como higiene das mãos e distanciamento social, e pode levar ao toque do rosto por baixo da máscara e abaixo dos olhos, gerando custos desnecessários e tirando as máscaras dos que mais precisam na área da saúde, em especial em um momento de falta de insumos”, dizia a nota.

No dia 5 de junho, a entidade publicou uma revisão do documento e passou a recomendar o uso de máscaras a todos os cidadãos. De acordo com as orientações, indivíduos infectados deveriam utilizar equipamentos médicos para evitar a disseminação de gotículas contaminadas. Também deveriam adotar máscaras idosos e pessoas com comorbidades, que tinham mais chances de desenvolver quadros graves da doença.

Já em relação ao público geral, a orientação era que fossem usadas máscaras de tecido em áreas com transmissão comunitária, em especial onde o distanciamento social não pudesse ser mantido de forma satisfatória.

Em última atualização, no dia 1º de dezembro, a OMS segue recomendando o uso de máscaras médicas a profissionais de saúde, infectados e seus cuidadores, pessoas que aguardam o resultado de testes de Covid-19 e grupos com maior risco de agravamento da doença (idosos e indivíduos com complicações prévias de saúde). Máscaras de tecido podem ser usadas por pessoas com menos de 60 anos que não tenham nenhum tipo de comorbidade.

Referências:

1. Secretaria de Saúde do Amazonas
2. Ministério da Saúde (Fontes 1, 2 e 3)
3. TV Brasil
4. G1 (Fontes 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7)
5. Twitter (@RodrigoMenegat)
6. Zero Hora
7. Metrópoles
8. Acesso à Informação (Fontes 1 e 2)
9. Johns Hopkins
10. Aos Fatos
11. Nature (Fontes 1 e 2)
12. British Medical Journal
13. Revista Brasileira de Epidemiologia
14. OMS (Fontes 1, 2, 3 e 4)
15. Planalto (Fontes 1, 2, 3 e 4)
16. STJ
17. STF
18. Idec


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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